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6 REVISÃO DE LITERATURA

7.4 Elementos a serem destacados

A partir do que foi apresentado de maneira resumida nas seções anteriores sobre Filosofia da Linguagem, Semiótica e Linguística, é possível derivar algumas conclusões úteis para os objetivos da pesquisa.

7.4.1 Linguagem ou linguagens?

A língua(gem), tomada inicialmente em sentido amplo, pode ser utilizada por seres tão peculiares como abelhas para comunicar a localização de alimentos ou entre vários outros animais para complementar rituais de acasalamento. No âmbito humano, foco do interesse aqui, pode ser utilizada desde as idades mais tenras e algumas teorias (como o gerativismo) defendem que, pelo menos, parte da capacidade de língua(gem) é inata, ou seja, nascemos com ela.

Pode-se também elaborar uma língua(gem). A Filosofia da Linguagem, com a pretensão de maior clareza, objetividade e certeza, propõe o uso de proposições lógicas. A matemática é uma linguagem artificial largamente utilizada. E, no campo das linguagens artificiais, foram desenvolvidas e utilizadas metalinguagens; entre elas, as linguagens documentárias são de particular interesse, pois são parte da tecnologia atual para recuperação da informação. Finalmente, existe a linguagem humana natural: as línguas e seus grupos linguísticos, ramos, dialetos e variantes regionais, aos quais a Linguística dedica considerável esforço de pesquisa e estudo.

No que diz respeito às línguas humanas, apesar de passado mais de um século, Saussure foi o grande observador dos principais aspectos da língua. Ele tratou do lugar da Linguística em relação à Semiótica, da distinção entre uma linguística da língua e uma da fala e da importância da língua escrita (o que será detalhado mais adiante) e da mutabilidade da língua (também se dedicará atenção especial a este ponto). Esses são alguns dos pontos fundamentais abordados de maneira brilhante em seu Cours. Ele também atuou nas fronteiras da Filosofia, Semiótica e elaborou uma bem-sucedida proposta Linguística.

A distinção de Saussure entre língua e fala é particularmente importante como exemplificação do que é língua(gem). Aliás, é curioso observar que nem todos os idiomas distinguem de maneira objetiva, tal como nos conceitos de macho e fêmea, os conceitos de linguagem e língua. Saussure vai além e distingue língua e fala (langue e parole) (SAUSSURE, 2012), como visto adiante.

Para Saussure, se não fossem feitas as devidas distinções, a língua(gem) poderia ser estudada por áreas distintas como a Filosofia, a Antropologia e a Psicologia (SAUSSURE, 2012). Para ele, a língua é “um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSURE, 2012, p. 41). Ele advoga que a língua é “multiforme e heteróclita; cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence [...] ao domínio individual e ao domínio social” (SAUSSURE, 2012, p. 41).

Um dos pais da linguística moderna vai além ao defender que “o exercício da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada pela natureza, ao passo que a língua constitui algo adquirido e convencional” e que “não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma língua” (SAUSSURE 2012, p. 42). Saussure considera o ponto de vista individual em relação aos conceitos de linguagem e língua e aquilo em que o “indivíduo é sempre senhor” ele denomina de fala (parole) (SAUSSURE, 2012). Para ele, essa distinção da fala individual é fundamental, pois separa-se “o que é social do que é individual” ou “o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental” (SAUSSURE, 2012, p. 45).

7.4.2 A língua(gem) pode ir além das línguas?

Pelo já exposto, a capacidade humana da língua(gem) não se esgota nas línguas naturais, nos idiomas falados, ou nas línguas artificiais como a de libras (surdos/mudos). Extrapolando os limites da Linguística, que está essencialmente preocupada com diferentes aspectos da língua humana natural (langue), a Semiótica procura compreender o restante do potencial da linguagem, desde códigos para comunicação (código Morse, sinais de fumaça) até os processos de significação de coisas e seu papel na linguagem: a significação de uma cruz para os cristãos ou o texto literário como um ícone de racismo ou intolerância são todos exemplos desses processos de significação mais sofisticados.

Não é possível, nos limites desta pesquisa, aprofundar todos os aspectos da língua(gem) para além das línguas. Na verdade, mesmo em relação específica a elas, apenas

destacam-se os pontos mais relevantes. No entanto, é importante destacar o que deve ficar evidente ao dialogar com Filosofia da Linguagem e Semiótica, ou seja, que a capacidade humana da língua(gem) extrapola os aspectos do uso linguístico propriamente.

7.4.3 A linguagem evolui?

Se a língua(gem), considerada aqui como uma capacidade humana, muda ou evolui no transcorrer da vida de um indivíduo ou, referente à humanidade, ao longo das gerações, não é a pergunta que cabe aqui, mas está claro que as línguas evoluem.

A percepção científica de que as línguas mudam está nos primórdios da história da Linguística moderna. Foi essa área que mais se preocupou e ainda tem se preocupado com o fenômeno da alteração linguística. O termo técnico para esse ramo de estudos é Linguística Diacrônica, estudo das línguas que as considera nas etapas diferentes em sua evolução. Quando se consideram os estudos num estágio específico de uma língua, trata-se de estudos sincrônicos. Essa distinção foi proposta por Saussure no começo do século XX e ainda é adotada.

Os estudos diacrônicos vão desde a segunda metade do séc. XIX com os neogramáticos, passando pelo estruturalismo e incluindo o gerativismo (SILVA, 2008). Desse fenômeno, destacam-se alguns pontos significativos.

Primeiro, a mudança ocorre continuamente e afeta partes e não o todo da língua, mas mantém uma estrutura essencial. O falante, em geral, não percebe esse processo, exceto em casos em que tem contato com pessoas de gerações muito antigas ou com a língua escrita utilizada no passado (FARACO, 2005). Aliás, o papel da língua escrita no fenômeno diacrônico é de grande importância para os objetivos deste trabalho.

Elas costumam se desencadear na fala informal de grupos socioeconômicos intermediários; avançam pela fala informal de grupos mais altos na estrutura socioeconômica; chegam a situações formais de fala e só então começam a ocorrer na escrita. (FARACO, 2005, p. 26).

Os dois tipos de língua, a falada e a escrita, evoluem. Uma exerce força sobre a outra13, às vezes adiando e às vezes motivando mudanças. Mas é a língua falada que realmente se altera nos contextos sociais e a língua escrita registra tais mudanças.

13Veja-se um exemplo com a orações relativas com preposição (FARACO, 2005).

7.4.4 A linguagem possui significados absolutos?

Essa pergunta origina-se das contribuições na área da Filosofia da Linguagem. A preocupação com os enunciados – principalmente em função do discurso científico e mesmo do próprio discurso filosófico – levou aqueles filósofos a se preocupar com a clareza, objetividade e verdade, aspectos do significado. Aqui o problema se limita à língua falada e à língua escrita.

Wittgenstein produziu muito sobre aspectos da língua(gem), mas as duas grandes obras que se destacam são de 1921 e 1945, sendo que a última critica as ideias da primeira. É por isso que seus comentadores falam em primeiro e segundo Wittgenstein. Uma amostra do primeiro Wittgenstein:

Na linguagem corrente, acontece com muita frequência que uma mesma palavra designe de maneiras diferentes – pertença, pois, a símbolos diferentes – ou que duas palavras que designam de maneiras diferentes sejam empregadas, na proposição, superficialmente do mesmo modo. Assim, a palavra “é” aparece como cópula, como sinal de igualdade e como expressão da existência; “existir”, como verbo intransitivo, tanto quanto “ir”; “idêntico”, como adjetivo; falamos de algo, mas também de acontecer algo. (HUISMAN, 2000, p. 322).

Já no segundo Wittgenstein, “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (HUISMAN, 2000, p. 322). Daí a ideia de “jogo de linguagem” associado a uma “forma de vida” e à cultura (HUISMAN, 2000). É preciso considerar especificamente quem diz, quando diz, onde diz e como diz cada enunciado.