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CAPÍTULO I DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL NO

1.5. Elementos de poder: O enfoque realista e a crítica ao Direito Internacional

Num sistema político anarquista, os interesses dos Estados estão em larga medida determinados pelo seu poder e suas capacidades.

Segundo os realistas, o Direito Internacional se resume a simples afirmações morais, não podendo ser nem mesmo considerado uma modalidade de direito, uma vez que a ausência de poderes constituídos no sistema internacional impede a existência de uma ordem legal. Acreditam que o que condiciona as relações internacionais é o poder. Cabe lembrar que os realistas consideram utópicos62, aqueles que defendem que o Direito Internacional possa regular a disputa pelo poder no sistema internacional.

Ana Lúcia Guedes expõe a vulnerabilidade do direito utilizando-se do seguinte comentário de Barker63:

60 Há quem acredite que o idealismo constitui um grande óbice à construção científica, pois se apóia em conceitos metafísicos e subjetivos, ignorando o caráter histórico social dos fenômenos. Divide-se em duas vertentes: jusnaturalismo e criticismo.

O jusnaturalismo é um pensamento que não trabalha em cima de realidades concretas, tende a considerar a existência de uma lei natural, eterna e imutável, como se houvesse um universo já legislado. Tem por defensores Stammlre, Del Vechio, Grotius, Thomasius, dentre outros.

O criticismo kantiniano concebe como princípio fundamental para o Direito a idéia de liberdade. Duas são as normas regentes da conduta humana: a moral, entendida como consciência, e o direito, como disciplinador do fórum externo, ou seja, dá-se a idéia de coercitividade do Direito.

61 A doutrina do realismo apresenta a realidade internacional sob o jugo das relações de força e poder. Suas raízes encontram-se em Maquiavel e Hobbes.

62

O termo Utopia vem do grego ou topos, que significa “não lugar”, “lugar-nenhum” ou “lugar que não existe”. A expressão tornou-se popular graças ao livro Utopia ( 1516), escrito pelo humanista inglês Thomas Morus, no qual o autor apresenta um Estado imaginário, formado por instituições ideais sob o domínio das quais todos os cidadãos viviam de forma ideal.

63 BARKER, J.C. International Law and International Relations. London: Continuum, 2000 apud Ana Lúcia Guedes. Abordagens de relações internacionais em Direito Internacional. In: Direito Internacional no cenário contemporâneo. Wagner Menezes ( coord.) , Curitiba: Ed.Juruá, 2003. p.15.

(...) apesar da existência de instituições como as Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça, e o Conselho de Segurança, nenhuma delas possui legitimidade (i.e., poder) para obrigar os Estados a cumprirem os acordos internacionais.

De fato, percebe-se o desequilíbrio nas relações de poder mesmo na ONU, 64 que, embora expresse em sua carta o reconhecimento da universalidade do sistema de Estados, é visível a hierarquia política estabelecida, haja vista o direito de veto de seu Conselho de Segurança ser restrito ao seleto grupo das cinco grandes potências permanentes (EUA, URSS, Grã-Bretanha, França e China).65

Interessante contradição esta, já que a Declaração dos Direitos Fundamentais66 da ONU declara o respeito à soberania no seu Art. 1º, quando fala da “igualdade de direitos” e na “autodeterminação dos povos”, e, ainda, no item I do seu art. 2º, ao referir-se ao princípio da igualdade: “a organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus membros.”

Assim, o que se nota é que não existe igualdade sequer na ONU,67 tendo em

vista que a igualdade que aqui se fala é a mesma defendida já no século XVIII por Vattel68 que, na definição do que ele mesmo chamava de Droit des Gens ou Direito das Nações, afirma: “as nações são iguais porque são formadas de homens que são iguais entre si”, e conclui: “o que é permitido a uma Nação o é também a qualquer outra e o que não é permitido a uma, não o é também a outra.”69

64 A ONU ( Organização das Nações Unidas) foi fundada em 1945 com a finalidade de promover a paz e a segurança mundiais e instituir entre as nações cooperação econômica, social e cultural.

65 Os membros permanentes do Conselho de Segurança são os que lutaram durante a 2ª Guerra Mundial contra o eixo composto pala Alemanha, Japão e Itália e que assinaram a Carta das Nações no ano de 1945, em São Francisco.

66 No século XX, o princípio da igualdade jurídica vai figurar em diversas declarações, entre elas a da OEA, que no seu art. 9, cap. IV trata dos Direitos e Deveres dos Estados; a da ONU, na Declaração dos Direitos Fundamentais, em seu preâmbulo “ (...) na igualdade de direito dos homens e das mulheres”, assim como “(...) das nações grandes e pequenas”.

67 A composição do Conselho de Segurança da ONU não reflete fielmente a finalidade econômica e política dos diversos membros da ONU. Existe um grupo de trabalho dentro das Nações Unidas que estuda, entre outras questões, o aumento de membros permanentes e não- permanentes, a criação de postos rotativos ou partilhados, o direito de veto e as relações entre o Conselho, a Assembléia Geral e outros órgãos das Nações Unidas.

68 Vattel, súdito prussiano que se tornou estadista na Saxônia. Vattel é referenciado por Watsom porque pregava a igualdade de todos os Estados perante a lei, dizendo: “Um anão é tão homem quanto um gigante: uma pequena república não é menos que um Estado do que o reino mais poderoso”.

69 VATTEL, Emer de. Le Droit des Gens ou principes de la loi naturelle, appliqués à la conduite et aux affaires des Nations et des Souverains. Washington: Canergie Institution of Washington. Coleção “The Classics of International Law”, vol.1, 1916, p. 11.

Entretanto, como bem lembra Adam Watsom70, até mesmo Vattel, grande defensor da igualdade de todos os Estados perante a lei, reconheceu não haver muito sentido numa igualdade jurídica de soberanos, a menos que fosse pautada pelo equilíbrio de poder.

As grandes potências defendem que têm interesses universais e que, portanto, devem participar das grandes negociações enquanto que às outras Nações cabe apenas participar dos assuntos que lhe dissessem respeito. Se lhes fosse permitida a participação em algumas situações seria unicamente para manter a “estabilização das relações políticas entre os Grandes” 71, e não em nome de uma igualdade.

Desta forma, tampouco a soberania se encontra em pleno exercício, pois, apesar de ter como aspecto interno o direito de autodeterminação, que se traduz no direito do Estado de ter seu governo preservado da interferência estrangeira, no seu aspecto externo deixa a desejar, uma vez que é ligado à independência, que pressupõe direito à igualdade.

Importa frisar que estas noções de não interferência e de igualdade não devem ser confundidas com a noção clássica de soberania, herdada do absolutismo72, que consolidou o Estado Moderno. Não se defende aqui que o Estado não deva submeter-se a qualquer outra norma jurídica que tenha emanado de sua própria vontade, mas tão somente, que passe a ser tratado de maneira igualitária no plano internacional.

Ainda duas outras abordagens conceituais dizem respeito ao entendimento do Direito Internacional: a naturalista e a positivista.

A primeira, como o próprio nome diz, defende a existência de um Direito natural,73 baseado na razão, enquanto que a segunda crê na atuação do homem, através da feitura de leis com a anuência do Estado. Este último pensamento, o da predominância da vontade dos Estados, é o que vigorou no século XIX, e, neste contexto, desenvolveu-se o Direito Internacional.

70

WATSOM, Adam. A Evolução da sociedade internacional: Uma análise histórica comparativa. René Loncan (trad.). Brasília: Ed. UNB, 2004, p.285-286.

71 VISSCHER, Charles de. Théories et Ralités en Droit International Public. 2 ed., 1995, Paris: Ed. A. Pedone, p. 67-68.

72 Faz-se menção ao conceito clássico de soberania que tem início com a Revolução Francesa e domina século XIX até a Primeira Guerra Mundial. O que se quer demonstrar é que tal conceito nada tem haver com direito de autodeterminação.

73 Direito natural é o conjunto de regras que se supões existir em decorrência da própria natureza do homem, ou da natureza em geral, e que, por isso, independem de qualquer legislação feita pelo homem, opondo-se, portanto, ao conceito de Direito Positivo. A lei natural seria uma regra imperativa quando confrontada com o direito. Na concepção jusnaturalista, são distintos e incompatíveis, ao se oporem jus e lex - o direito e a lei. O direito positivo é o conjunto de leis estabelecidas pela sociedade. O termo positivismo derivado do latim positum – posto, o que está posto diante – refere-se ao que é baseado na experiência como única fonte de saber real.

Segundo a ótica positivista,74 a ausência de poderes legalmente constituídos no sistema internacional não obsta ao Direito Internacional impor ordem e estabilidade numa sociedade anárquica, desde que uma força hegemônica dotada de autoridade (poder) exija (obrigue) o seu cumprimento.

Contudo, o positivismo, em termos de ciências sociais, ou seja, recebe duras críticas, uma vez que quando se estuda o comportamento humano, nem todas as causas geram os mesmos efeitos. Entretanto as teorias positivistas abriram espaço para uma nova concepção da realidade social com suas especificidades e regras.

Assim, devido às conseqüências da Primeira Guerra Mundial, procura-se resgatar o pensamento naturalista, que, a princípio, deve refletir os princípios éticos dentro de um determinado contexto histórico.

De fato, a preocupação com a paz universal, notadamente no período entreguerras, a despeito de qualquer tentativa frustrada de se manter a paz, fez com que nascesse o debate sobre soberania.

Fica fácil observar que a corrente que nega a existência do Direito Internacional75 dentro da concepção realista tem nos seus formuladores a compreensão da soberania como poder absoluto, e, portanto, incompatível com qualquer tipo de vínculo.

Alguns realistas baseiam seu ceticismo em relação ao Direito Internacional à falta de mecanismos de coerção ou caráter de obrigatoriedade, reforçando a idéia de que a única obrigação do Estado é agir de acordo com os seus interesses nacionais.

No entanto, pode-se dizer que houve uma “quebra” na autoridade dos Estados soberanos com a criação da Liga das Nações, 76 a Corte Permanente de Justiça Internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras organizações intergovernamentais.

O fato é que, a despeito da concepção realista77 o Direito Internacional tem sido o responsável pela manutenção da ordem na sociedade internacional, quer seja através de regras ou mesmo através de acordos.

74 O nome “positivismo” tem sua origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro, definitivo. Como escola filosófica derivou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder dominante e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis que seriam a base da regulamentação da vida do homem, da natureza e do próprio universo. Na realidade, o positivismo foi o pensamento que glorificou a sociedade européia do século XIX, em franca expansão. Procurava resolver os conflitos sociais por meio da exaltação à coesão, à harmonia entre os indivíduos e ao bem estar social. Dentre os positivistas de maior destaque podemos citar Emile Durkheim (1858- 1917), que defendeu a força coercitiva dos fatos sociais que incluem dois tipos de sanções: ao lado da existência das “sanções legais”, a das “sanções espontâneas”, que embora não tenham sido codificadas em lei, possuem força coercitiva.

75 Nem todos os realistas negam a existência do Direito Internacional, entretanto, aqueles que reconhecem, questionam a sua relevância dentro do sistema internacional.

76 Mesmo não tendo sido atingido seu objetivo maior, a idealização da Liga das Nações propiciou uma nova forma do entendimento de soberania.

1.6. A nova configuração internacional: A criação da ONU como marco referencial do