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CAPÍTULO I DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL NO

1.4. Período entreguerras: A preocupação com a paz e a doutrina idealista

O impacto causado pela Primeira Guerra Mundial46 provocou a existência de

interesses comuns entre os Estados. Como forma de reação moral aos horrores da guerra constatou-se a necessidade da colaboração entre os mesmos.

Os Estados Unidos emergiram como uma grande potência mundial, ocupando uma posição privilegiada. Nesta concepção de destaque, os norte-americanos poderiam construir uma nova ordem internacional de acordo com seus valores liberais.

Assim, em 1918, o então presidente dos Estados Unidos da América, Woodrow Wilson, apresentou os “14 Pontos,” 47 onde se buscava limitar a guerra por meio de acordos internacionais e organizações internacionais.48

Nesse momento, estabelece-se a Sociedade das Nações49 e, também, um sistema de segurança coletiva,50 que passa a defender a importância do Direito Internacional e das instituições internacionais para resolver os conflitos entre os Estados.

Infelizmente, ficará provado que os Estados não estavam prontos para abdicar de uma parcela de suas competências em prol de uma organização superior capaz de instaurar a

segurança nacional, como bem lembra Dupuy 51: “Pretendendo ao mesmo tempo a paz e a

soberania, acabaram por perder uma e outra (...).”

Importa relembrar que, em 1919, representantes dos países vencedores reuniram- se em Versalhes para elaborar um tratado de paz, consagrando-se assim, o fim da Grande

Guerra. Contudo, o Tratado de Versalhes 52 impunha condições duras à Alemanha53 que

46 Os vitoriosos da Grande Guerra reuniram-se em janeiro de 1919, no palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, para as decisões do pós- guerra. O encontro foi presidido presidente norte-americano e os chanceleres Lloyd George, da Inglaterra e Georges Clemenceau da França. 47 Woodrow Wilson propôs uma cruzada em favor do domínio da lei internacional. “Os 14 pontos de Wilson”, programa apresentado pelo então presidente dos Estados Unidos, foi recebido por algumas potências como “admirável, porém abstrato”, por não levar em conta certas realidades, ou seja, por não punir a Alemanha devido a sua responsabilidade no conflito.

48

HALLIDAY,1999, p.23 apud Ana Lúcia Guedes. Abordagens de relações internacionais em Direito Internacional. In: Direito

Internacional no cenário contemporâneo, Wagner Menezes (coord.). Curitiba: Ed.Juruá, 2003, p.15.

49 A Sociedade das Nações ou Liga das Nações foi praticamente a primeira organização internacional criada com o propósito de funcionar como um fórum internacional com interesse de manutenção da paz universal. No entanto, esta entidade já nasceu falida, uma vez que dela não participaram a Alemanha e a Rússia, e, nem mesmo o principal patrocinador, os Estados Unidos.

50 O Conselho de Segurança da Liga das Nações era composto de membros permanentes (as grandes potências) e dos demais membros, em número de seis, não permanentes.

51 DUPUY, Pierre-Marie. Droit International Publique, 6 éd., Paris: Dalloz, 2002.

52 Tratado que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial, assinado em 1919, em Versalhes, cujos termos, estabelecidos pelas potências européias vencedores da guerra, não agradaram a todos.

vieram a repercutir no agravamento da insatisfação e agitação popular, e, posteriormente, culminaram em ideologias nacionalistas. 54

A Liga das Nações ratificou o Tratado de Versalhes, o que acabou por contrariar as expectativas dos Alemães que acreditavam que seriam incluídos no programa dos “14 Pontos.”

Na realidade, o Presidente Wilson teria vislumbrado na Liga das Nações uma espécie de sociedade de Estados que iria permitir, democraticamente, a criação de mecanismos de resolução de conflitos e de garantias de seguranças mútuas. Assim, nasce o paradigma idealista. 55

Os idealistas acreditavam que o direito e as instituições podiam formar a base e inspiração para a comunidade dos Estados.

Algumas experiências bem sucedidas como a Corte Internacional de Haia e o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia reforçam o primado da razão em detrimento do uso da força, facilitando um maior entendimento entre as nações. Cabe destacar que, tanto nas duas conferências de paz em Haia como no Tratado de Versalhes a idéia que se tinha era de “colaboração.”

Essa concepção fica clara nas palavras de Maurim Falcão56, a seguir:

No bojo da reorganização política inscrita na Ordem de Versalhes de 1919, as cooperações social, cultural e financeira entre as nações, passaram a fazer parte da agenda internacional e figuravam dentre os propósitos das nações de proporcionar uma nova era de paz e de crescimento econômico.

Entretanto, até mesmo a Sociedade das Nações estava fadada ao insucesso57tendo em vista a não participação dos Estados Unidos.

53 Os termos impostos à Alemanha pelo Tratado de Versalhes incluíam a perda de uma parte de seu território para um número de nações

fronteiriças, de todas as colônias sobre o oceano e sobre o continente africano, e uma restrição ao tamanho do exército. A Alemanha teve que reconhecer a independência da Áustria.

54 Os conflitos originados pelo Tratado de Versalhes disseminaram fortes sentimentos nacionalistas após o fim da Primeira Guerra, como o nazi-fascismo.

55 Também chamada de abordagem da “paz através das leis,” a escola idealista tem suas raízes no pensamento de Hugo Grotius (1583-1645) e em Vattel (1714-1767), que busca a conciliação de regras para resguardar a idéia de justiça internacional.

56

FALCÃO, Maurim Almeida. A tríplice convergência dos sistemas tributários. In: Revista de Direito Internacional Econômico e

Percebe-se que a falta de ratificação ao projeto de Wilson, pelo senado norte- americano acabou se tornando uma tendência para os Estados Unidos, mesmo nos dias atuais. Essa contatação pode ser verificada nas palavras de Francis Fukuyama58:

Os Estados Unidos têm um histórico consistente de uso de táticas de força para moldar acordos internacionais à sua vontade e depois abandona-los no último momento. Este padrão vem desde os tempos de Woodrow Wilson e da Liga das Nações, e continuou nas negociações sobre os pactos do Rio e Kioto e a Comissão Internacional de Comércio.

Assim, embora tenha sido criada sob o viés da solidariedade, a Liga das Nações não foi suficientemente capaz de conter a Segunda Guerra Mundial. Nesse caso, deve-se considerar o fato de que a Alemanha se sentiu humilhada59 pelas outras potências européias, e, ainda, a insatisfação da Itália, uma vez que não foram atendidas suas pretensões imperialistas.

Complementando com o pensamento de Maurim Falcão :

(...) a crise nos meios de pagamentos internacionais que, aliadas aos problemas econômicos internos das principais economias e, ainda às perspectivas de um novo conflito de envergadura mundial, contribuíram para o retrocesso desse cenário otimista. Em conseqüência os países se voltaram para seus problemas internos, dando origem aos nacionalismos, razão da déblâce do sistema criado a partir de Versalhes. Começa desta forma, o declínio da Sociedade das Nações.

57 Embora tenha sido o presidente dos Estados Unidos da América, Woodrow Wilson, a conceder as bases para o contrato social entre os

Estados (o que veio a se tornar o Pacto das Sociedades das Nações), o senado norte-americano não lhe garantiu a ratificação. Com a ausência dos Estados Unidos, o pacto já estaria fadado ao insucesso.

58 FUKUYAMA, Francis; MONTINGELLI, Nivaldo Jr. (trad.). Construção de Estados: governo e organização mundial no século XXI. Série: Idéias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

59 A Alemanha, dentre outros fatos anteriormente citados, viu-se obrigada a devolver a Alsacia-Lorena à França; as antigas colônias alemãs seria cedidas à Grã-Bretanha, seus navios mercantes passariam a pertencer aos Aliados (especialmente à Grã-Bretanha e à França, bem como suas locomotivas, vagões e gado, e, além de tudo, deveria pagar indenizações aos governos aliados por ter sido reconhecida como sua a responsabilidade pelo desencadeamento no conflito.

A despeito de o pensamento idealista estar pautado numa das mais elevadas aspirações do homem, que é o alcance da paz, todas essas circunstâncias contribuíram para o questionamento da doutrina, uma vez que não condiz com a realidade60de um período mais conhecido pela disputa imperialista do que pela efetiva colaboração entre as Nações.

Inaugura-se, então, o chamado realismo político61, uma nova corrente teórica desenvolvida a partir do fracasso da política idealista conduzida na Europa.