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CAPÍTULO I DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL NO

1.6. A nova configuração internacional: A criação da ONU como marco referencial do

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional se consolidou instaurando, assim, um novo momento para as relações internacionais.

Com a Europa falida e endividada após anos de guerras dentro do seu território, emergiram duas grandes potências no cenário internacional, os Estados Unidos e a União Soviética. Surge uma nova estrutura da sociedade internacional que deixa de ser interestadual para tornar-se bipartida. A disputa78 entre áreas de apoio, domínio ou influência entre essas duas superpotências evidenciaram os limites de poder dos Estados.

Assim, a confrontação entre os blocos geopolíticos torna-se o ponto crucial das relações internacionais que passam a ser marcadas pelo intenso antagonismo bipolar.

Instaura-se o período em que se convencionou chamar de Guerra-Fria. 79

Esse período começou a se desenhar, mais precisamente durante a Conferência de Potsdam, realizada em julho de 1945, quando ocorre a definição de esferas de influência na divisão do território alemão. .

As rivalidades precipitaram a formulação da Doutrina Truman80 e do Plano

Marshall81, através dos quais os Estados Unidos conseguem manter uma zona de influência na Europa Ocidental como estratégia de um plano político para conter o avanço do bloco soviético.

Em contrapartida, em 1949, os soviéticos lançaram o seu próprio programa de

ajuda econômica para o Leste europeu, o Comecom.82 Além disso, formaram-se alianças

político-militares com objetivos de ajuda mútua na defesa de seus territórios.

77 Nesse caso faz-se menção à visão cética dos realistas no campo do Direito Internacional, onde se nega a sua existência.

78 Trata-se da disputa por áreas de influência entre as duas potências ao final da Segunda Guerra Mundial: os Estados Unidos como potência capitalista hegemônica lidera o bloco capitalista e, a União Soviética assume a liderança do bloco socialista.

79 Período em que as duas áreas de influência, Estados Unidos e URSS viveram em constante confronto ideológico, militar e político. Todas as práticas eram permitidas, menos o conflito direto entre as superpotências mundiais.

80 A Doutrina Truman, nome dado em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, foi formulada em março de 1947 e serviu para mapear a política externa dos Estados Unidos. Resumia-se no combate, a todo custo, ao comunismo.

81 O Plano Marshall, proposto pelo secretário de Estado americano, George Marshall, foi desenvolvido para a liberação de vultosos créditos financeiros dirigidos à reconstrução das economias capitalistas européias, devastadas pela guerra. Trata-se de estratégia da “contenção”, ou seja, um plano político para evitar o avanço da influência socialista e consolidar uma economia tipicamente capitalista na Europa Ocidental. 82 Conselho para Mútua Assistência Econômica: programa de ajuda econômica aos países do Leste europeu elaborado pelo bloco socialista a partir da disputa entre as potências por zonas de influência.

Se por um lado os países do bloco capitalista criaram a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), por outro, os países do bloco socialista criaram o Pacto de Varsóvia.

Entretanto, o flagelo causado pelas duas Guerras Mundiais e o temor à possibilidade de uma terceira guerra fez com que as nações pensassem numa outra forma de resolver suas diferenças. Assim, em fevereiro de 1945, na tentativa de solucionar pacificamente seus conflitos, os grandes vencedores da Segunda Guerra realizaram a Conferência de Yalta83, na qual se discutiu a criação da ONU, 84

Trata-se de uma organização internacional, cuja natureza jurídica é de tratado sui

generis, uma vez que sua Carta não se apresenta nem como uma constituição nem como um

tratado multilateral, como explica Augusto Cançado Trindade85: “pode-se dizer que tem ‘vida própria’, pois se trata de uma organização internacional ‘dotada de personalidade distinta de seus Estados-membros individuais e de órgãos próprios’.”

Nesse momento condiciona-se uma revisão do conceito de soberania, pois, antes disso, embora o número de entidades soberanas tenha crescido86, a idéia de igualdade não, e, é nesta que reside a regra da não interferência. Até então, o Direito Internacional se pautava pela autonomia da vontade dos Estados e no poder emanado de suas soberanias.

Seguindo esse entendimento, percebe-se que os organismos internacionais criados no período pós-guerra sempre exerceram um papel fundamental na elaboração de princípios norteadores das relações entre os Estados e entre os agentes do comércio internacional, bem como na condução de tratados e acordos internacionais e na regulação de interesses dos Estados.87

83 A Conferência de Yalta, 1945, realizada pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial serviu para que os Aliados coordenassem não apenas a fase derradeira da luta contra o nazismo, mas também decidissem a organização do mundo no pós-guerra. A conferência consagrou as duas potèncias que mais contribuíram para a derrota de Hitler: os Estados Unidos e URSS. Os dois países determinariam o padrão da nova ordem mundial.

84 A Carta das nações Unidas foi assinada por cinqüenta países, em São Francisco, Estados Unidos. A entidade internacional contava com cinco órgãos fundamentais: Assembléia Geral, Conselho de Segurança, Secretariado, Conselho Econômico e Social e Corte Internacional de Justiça. Embora não haja nenhum dispositivo que lhe atribua expressamente personalidade jurídica, talvez para lhe afastar do espectro de um “super-Estado”, a ONU tem personalidade jurídica internacional como entidade independente de seus Estados-membros. Contudo, é inegável o status internacional que lhe é conferido, principalmente pela sua esfera de ação, que inclui questões de grande importância, notadamente a manutenção da paz e a segurança jurídica.

85 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais, p.75.

86 No início da Primeira Guerra Mundial falava-se em 43 entidades soberanas: 21 Estados europeus, 21 americanos e Japão. Antes da Segunda Guerra Mundial já existiria 75 Estados, porém, com poder de influência desigual.

87 Os organismos internacionais criados no referido período atuaram como financiadores de projetos de viabilização econômica, ou mesmo como árbitros judiciais, a exemplo da conferência monetária e financeira ocorrida em Bretton Woods, em 1º de julho de 1943, que pôs em prática o plano de reforma monetária internacional, cujo mentor, Harry White, um alto funcionário do Tesouro americano, preconizou a

Nesse sentido destaca-se a ONU, que veio a contribuir para a remodelação do cenário internacional, como lembra Wagner Menezes88:

(...) a criação da Organização das Nações Unidas e a gravitação em torno dela de vários organismos internacionais, a Declaração dos Direitos Humanos que influenciou a sistematização dos Direitos fundamentais como um princípio geral para o direito de todos os Estados; a conferência de Bretton Woods que lançou as bases para a sociedade econômica atual.

Importa dizer que, foram as práticas e resoluções da ONU 89 para a proteção dos povos dependentes que tiveram o efeito de modificar todo o capítulo do Direito Internacional relativo à “soberania territorial”.

Hedley Bull90 afirma ser este o momento fundamental para a consolidação da sociedade internacional. Acredita que a sociedade internacional de Estados teve início com os descobrimentos portugueses do século XV e segue, na mesma proposta, com a partilha da África no século XIX.

Numa segunda fase, as regiões incorporadas ou dominadas pela Europa conseguiram se libertar e assumir seu lugar como membros da sociedade internacional.

Desta forma, através dos movimentos anti-colonialista e de libertação africanos e asiáticos possibilitou-se a construção da sociedade internacional.

Esses movimentos de libertação africanos91 e asiáticos ocorridos no período da Guerra-Fria provocaram a independência de quase todas as antigas colônias européias, a partir de então, Estados politicamente soberanos.

instauração de um sistema de financiamento que fornecesse liquidez internacional aos países deficitários, a criação de organizações

internacionais para assegurar a multilateralidade das trocas, a cooperação monetária e o controle das circulações internacionais de capitais. 88 MENEZES, Wagner (org.). Direito Internacional no cenário Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2003. p.69.

89 Dentre as atividades mais expressivas da ONU pode-se apontar o engajamento na questão da descolonização, notadamente a partir de 1960, que acelerou o processo de reconhecimento do direito de autodeterminação, com implicações, sobretudo, na questão da soberania territorial.

90 BULL, Hedley. A sociedade anárquica, um estudo da ordem política mundial. Ségio Bath (trad.) Brasília: Ed.Universidade de Brasília, 2002. p. 28.

91 No séc XIX ocorreu o processo de expansão neocolonialista e imperialista. A partilha da África e Ásia, ocorrida por volta de 1870 e 1914, foi realizada por países industrializados, que disputavam áreas de domínio e influência. Após a Segunda guerra Mundial, teve início um processo que ficou conhecido como descolonização: a luta pela independência das colônias que deu origem a novos países. O processo de descolonização da Ásia teve início na década de 1940 e se completou na África, no início dos anos 1960.

Dado o incremento do sistema internacional, que se deu através da emancipação destes novos Estados, passa a existir um sistema de Estados universal.

Assim, o reconhecimento de que a soberania é um atributo de todos os Estados foi fundamental para a formação da sociedade de âmbito mundial.

Conseqüentemente, o Direito Internacional passa a vigorar no plano internacional com poder de abrangência maior, haja vista a introdução de novos atores no cenário internacional. Com efeito, já se vislumbrava a participação de empresas multinacionais ou transnacionais que se tornam objeto de normas internacionais dilatando os domínios desta nova área do Direito.

Finalmente, a proliferação de organizações internacionais com finalidades variadas introduziu novas formas de debate entre os Estados, e, assim, nasceu o Direito Internacional Contemporâneo.

O ponto significativo a ser destacado é que, ao se alterar a estrutura da sociedade internacional92, altera-se o próprio Direito Internacional, já que este tem o papel regulador dessa mesma sociedade.