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ELEMENTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS SOBRE A UNIVERSIDADE

3 UNIVERSIDADE E DIREITOS HUMANOS

3.1 ELEMENTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS SOBRE A UNIVERSIDADE

Segundo Le Goff (1988) o intelectual só começou a ser perceptível como “homem de ofício dentre os que se instalam nas cidades, onde se impõe a divisão do trabalho”, no século XII. Como espaço de circulação, as cidades também passaram a alojar as corporações de mestres, institucionalizando-se as universidades, no século XIII. Segundo Rodríguez (1992, p.190), a “Europa veía aumentar sus niveles demográficos y de complejidad social y es entonces cuando algunos colectivos de maestros, deciden organizarse en ‘universitates’ siguiendo el modelo de gremios y confrarias”. Para Andrade (2000 – 2001, p.132), a “palabra universidade significava e significa a corporação dos docentes e discentes, não o ‘conjunto de ciências’, uniuersitas litteararum”. A palavra latina faculdade significa:

[...] a fuerza o talento para hacer algo – hace su aparición en este mismo período y representa las diversas divisiones de la corporación en función de los saberes – artes, teologia, derecho y medicina –; después suplantará al proprio término gremio o corporación y finalmente quedará asociado a los distintos grupos de estudiantes que cursaban cada materia(RODRÍGUEZ, 1992, p. 191).

Almeida Filho (2008, p. 83 – 84) data as primeiras universidades escolásticas, na Itália e França, no século XI, na era medieval. Para o autor, a universidade escolástica era “guardiã da doxa ou doutrina, modalidade de conhecimento que se define pelo completo respeito às fontes sagradas da autoridade”, e englobava as faculdades superiores de Teologia, Medicina e Direito. As primeiras universidades, segundo Barreiro e Terrón (2006), foram instaladas em Montpellier, Bolonha, Salermo, Oxford, Salamanca, Coimbra, Santiago. A universidade de Bolonha, onde predominavam os estudos teológicos, data de 1155.

A luta pela autonomia universitária foi objeto de tensões e pressões estudantis, em Oxford (1214) e em Paris (1229), quando ocorreram confrontos entre estudantes e burgueses pela independência e contra ingerências na vida universitária (LE GOFF, 1988, p. 61 – 62).

Segundo Andrade (2000 – 2001, p. 133), foi com a França Revolucionária que, pela primeira vez na história, o Estado passou a controlar a instituição na Europa. Para a autora, a universidade atravessa três metarmofoses: a primeira conversão, sob o controle da Igreja no século XIII; a segunda conversão, sob o controle do Estado; e a terceira conversão, com a conquista pela massa.

A universidade contemporânea, no que trata da sua organização administrativa, segue ainda a reestruturação instituída pela ditadura de Napoleão. Ortega y Gasset contribui para o debate sobre a missão da universidade, quando enfoca a importância da formação da cultura geral para não se correr o risco de perder a essência da universidade. Segundo o autor de Misión de la Universidad, esta instituição tem a função de formar talentos integradores e sintetizadores, capazes de construir totalidades (ANDRADE, 2000 – 2001). Para a autora, a fragmentação do saber e das funções de cultura, ciência e profissão intelectual podem fazer a universidade preterir a ciência em detrimento da vida, gestando conhecimentos desintegrados e fragmentados.

Defende Andrade (2000, p. 144): “a restrição da autonomia implica na ausência da crítica sobre os mitos”. Por outro lado, a construção de uma alma pública essencial numa sociedade democrática passaria, segundo Andrade, por uma crítica. A universidade, como lugar privilegiado da formação intelectual, deveria ter a seu cargo o projeto técnico articulado com o projeto científico e o social. A formação cultural não se dissocia da formação de cientistas e nem da preparação de quadros dirigentes conscientes, capazes de afrontar os problemas do tempo presente.

Com o crescimento, as cidades européias passam a constituir-se no centro político, econômico, religioso e intelectual. O aparecimento do estudo das leis para respaldar a ordem mercantil só acontece com o aparecimento das universidades laicas ao norte da Itália, depois ampliando para as artes médicas, gerando as primeiras faculdades. As artes literárias e artísticas, características do Iluminismo, só entraran na universidade após o Renascimento, com a ascensão do capitalismo e as grandes descobertas. A tensão entre a defesa das tradições e as demandas do Novo Mundo marcam a fase de mudança da universidade escolástica para a universidade enciclopédica. Almeida Filho (2008) destaca dois fenômenos da época: a explosão do mercado editorial, formando as bibliotecas; e o avanço do conhecimento sobre o mundo, gerando a necessidade de catalogar e organizar o conhecimento produzido.

Com a separação do homem em relação ao seu objeto de trabalho, a exploração da força de trabalho pelo capital, a divisão entre arte manual e intelectual, o trabalho doméstico e produtivo, a propriedade coletiva e privada, ocorreu uma cisão histórica entre os homens. O capital produziu uma divisão técnica do trabalho com a perspectiva de separar os intelectuais, como aqueles preparados para elaborar ideias ou ilusões e dirigir a sociedade, da força manual de trabalho, diretamente ligada à produção do trabalho. (MARX e ENGELS, s/d). Ao ser expropriado do conhecimento, o trabalhador ficou condenado a produzir excedente, a ser um mero executor de obras e a vender a sua força física de trabalho como mercadoria. Daí, segundo Lins (2000, p, 17), “o papel das corporações universitárias, surgidas na organização feudal, e que se atribuem a tarefa de educar a classe burguesa”.

O virtuoso cidadão grego, comparado ao industrioso burguês, exibe uma grande diferença. Esta diferença se caracteriza evidentemente pela natureza das relações que carcaterizam as duas sociedades. Entre o instrumento de trabalho, o escravo, que tem como virtude executar com o máximo de perfeição a sua arte, e a classe de homens, que vendem a sua força orgânica na tarefa de desempenhar qualquer trabalho indistintamente, estas são duas sociedades radicalmente diferentes (LINS, 2000, p.80).

Condocet, segundo Rodríguez (1992), definiu a organização da instrução pública e o papel dos poderes públicos em relação à educação, transformando a escola em agência laica, pública e gratuita. Gomes aponta um paradoxo do Estado na época, em relação ao controle do ingresso na Universidade, no século XVI.

Se por um lado é continuadora da cultura erudita da Antiguidade, com ênfase num tipo de saber intelectual que privilegiava a Gramática, a Retórica, a Lógica, etc., por outro ela convive com a exigência da renovação dos saberes necessária para a administração dos negócios públicos e privados, característica principal da nascente cidade (GOMES, 2005, p. 127).

Neste sentido, manter uma faixa da sociedade sob a ignorância é uma ferramenta de subalternização e o saber, um instrumetal de poder. Na sociedade do trabalho, a ciência é inventada para gerar recursos, tecnologias e novas possibilidades de riquezas. No contexto da divisão social do trabalho, na sociedade do capital, só os homens considerados legítimos “cidadãos” é que passaram a ter acesso aos bens científicos para desenvolverem virtudes, enquanto a força de trabalho foi posta à margem do conhecimento. Esta cisão, na base de sustentação da estrutura capitalista, gera exclusão social e, com ela, ideologias que justificam as relações de exploração, dominação e opressão.

Entretanto, o Estado também precisa de agentes instruídos, o desenvolvimento material e tecnológico também demanda a necessidade de forças produtivas e forças intelectuais. Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a universidade passou a se constituir num espaço de hegemonia, de um lado, como um “poderoso instrumento de progresso técnico e econômico”, do outro, pressionada por diferentes forças sociais, aberta para a chamada “classe média”, que aspirava acesso a melhor status social.

Na Alemanha, o relatório dos irmãos Von Humboldt, divulgado em 1810, segundo Almeida Filho (2008), registra a implementação da pesquisa científica como primado para as faculdades inferiores e a organização de cátedra a partir dos campos de conhecimento, conforme propunha Kant (1993) na publicação Conflito das Faculdades. Tal processo de reforma, que instituiu a centralidade da pesquisa científica como aspecto do mandato institucional da universidade, foi difundido em toda a Europa do Norte, até o século XX. Na Inglaterra, no século XIX, berço da Revolução Industrial, do poder bélico e da colônia, foi criada uma rede de escolas superiores, institutos científicos e tecnológicos para atender à demanda emergente do capitalismo em ascensão.

Para Tavares (2000), as primeiras universidades européias, principlamente, as do ensino de direito, desempenharam o papel de edificação dos reinos e de construção dos Estados nacionais modernos.

Na Europa meridional as universidades de Bolonha e de Nápoles, fundadas respectivamente em 1088 e em 1224, haviam restaurado o direito romano dos tempos tardios que, reunido no Corpos Juris Civilis, de Justiniano, continha as categorias que viabilizariam a edificação, num primeiro momento, do regnum e, num segundo momento, das instituições políticas do Estado moderno (TAVARES, 2000, p.30).

A universidade atual, na sociedade industrial e globalizada, massificada e reduzida a uma rede de empresas, corre o risco de se dobrar ao mercado como uma fábrica de doutores. Com isso, fica vulnerável não só às crises estruturais como a de legitimidade. Com a democratização da universidade, por outro lado, ampliou-se sua representatividade em relação aos diversos setores sociais e, ainda mais, as tensões internas.