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Resistência e enfrentamento à violência como pressupostos dos direitos humanos e da

2 DIREITOS HUMANOS, CULTURA E EDUCAÇÃO

2.2 CULTURA E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UMA PERSPECTIVA

2.2.1 Resistência e enfrentamento à violência como pressupostos dos direitos humanos e da

Freud (1974, p. 106), em O Mal-estar na Civilização e Por que a guerra, tenta construir as razões da violência como constitutivas do social. Entende o autor que “as coisas que buscamos a fim de nos proteger contra as ameaças oriundas das fontes de sofrimento, fazem parte dessa mesma civilização”. O autor contribui para desmistificar a relação do homem com a violência contribuindo para a possibilidade de desnaturalizar a violência. Em O

Mal estar na Civilização, Freud afirma:

[...] os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que tenta satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Homo hominis lupus3 (FREUD, 2009, p. 133).

Quando Freud afirma que a barbárie é constitutiva da civilização, não quer dizer que a natureza humana seja pacífica ou violenta, mas que ao ser governada pelos princípios de vida (éros) e de morte (tánatos) pode agir nestas duas direções em circunstâncias distintas. As pulsões de vida e de morte criam uma dualidade que, sob determinadas condições históricas, podem agir na direção da afirmação e conservação do eu ou na direção da destruição do outro.

A violência a partir desta leitura da teoria de Freud, seria uma parte da pulsão de morte – a parcela da agressividade não reprimida pelo superego e nem introjetada como culpabilidade, tampouco sublimada como criação – que se dirige para um outro, com o recurso à força ou à coerção, de modo a causar dano, físico ou simbólico (SANTOS, 1995, p. 286).

Para Freud, as regulações construídas historicamente para administrar as relações entre os homens, e destes com a natureza, não asseguram a proteção e os benefíficios prometidos, nem mesmo a felicidade idealizada pela civilização ocidental. Os instrumentos e as descobertas técnicas criados para controlar os elementos da natureza, garantir a sobrevivência e proteger o homem do uso arbitrário da agressividade, vêm gestando processos e produtos culturais e, com eles, diferentes civilizações. Para o autor, a justiça é a primeira exigência de civilização, pois sem estatuto legal, sem sacrifício individual do uso dos instintos em nome do coletivo, sem a garantia de que todos, sem exceção, se pautem pelas normas e regulamentos, ficaria o homem à mercê da força bruta, das bestas feras. As regulações respondem a necessidades econômicas. O amor (sensual ou inibido) é outro componente para civilização, na medida em que permite vínculos e a vida em comunidade. Neste sentido, para Freud, deslocar os instintos no processo de sublimação para atividades psíquicas científicas, artísticas ou ideológicas lutando contra as formas de hostilidades, é uma ação importante para o processo civilizatório.

As revoltas, geralmente, ocorrem quando existem injustiças, explorações e violências de uns em detrimento de outros. As viagens de descobrimentos trouxeram progresso econômico para as nações em expansão, entretanto, para as colônias geraram graves violações aos direitos humanos, resultando em processos de revoltas e lutas coletivas assim como, processos de aculturação e domesticação. Deste modo, os processos fundados em relações de exploração e dominação da natureza, dos povos nativos e africanos, no âmbito social, gestaram escravidão, intolerância religiosa, exploração sexual, doenças endêmicas e dominação cultural. Por exemplo, diferentes formas de violências permearam a história social brasileira, do processo de colonização ao Império e à República. Zamora (2008) associa o domínio externo sobre a natureza à dominação no âmbito social, alertando que ambas colocam em risco tanto a sobrevivência da natureza como a dos homens. O empreendimento econômico da colonização encobriu os processos de apropriaçâo das riquezas, da imposição de culturas e da escravidão, que no Brasil, se prolongou por séculos, gestando efeitos políticos, sociais, econômicos, culturais e subjetivos, até hoje, presentes na sociedade e nas instituições.

Estudo realizado por Araújo (2004) comprova como a violência no Brasil Colonial articulou, a ferro e a fogo, castigos corporais, como formas de assujeitamento dos grupos africanos e indígenas subalternizados. Desprezados e despojados de suas tradições e dignidade, índios e povos africanos escravizados viveram longas histórias de terror e morte.

Em seu trabalho intitulado Violência e cidadania no Brasil – 500 anos de exclusão, Pedroso (1999) demonstra, também, como a violência permeou as relações entre o poder e o sistema de exploração econômica e de dominação social. Para a autora, a edificação do Estado no Brasil foi sedimentada no autoritarismo, no modo de exploração econômica e no processo de exclusão econômica e social. Neste sentido, Adorno (1995) confirma como a violência na sociedade agrária tradicional brasileira, marcada pelo escravismo e pelas rígidas hierarquias no exercício do poder, fundamentou uma cultura de violência, uma mentalidade autoritária e excludente.

Nesta direção de investigação, Comparato (1997), Benevides (1997a) e Araújo (2004) argumentam que as raízes sociais e culturais da sociedade brasileira foram fundadas na escravidão, na rejeição da igualdade, na recusa da lei como princípio democrático, no modo como se repudiam os desiguais e se rejeitam as diferenças, na herança autoritária de inferiorizar pessoas e grupos, negando os direitos de cidadania, nas práticas de violência corporais, na naturalização dos maus tratos como mecanismos de disciplinamento, na expulsão e segregação dos excluídos, na perseguição, na criminalização e no controle punitivo dos pobres, loucos e excluídos, nas formas diversificadas de intolerância (religiosa e política). Pedroso, analisando o período colonial, afirma:

[...] o estigma à mulher, ao negro e ao índio, moldado durante o período colonial, constituiu-se na oriegem das idéias autoritárias e racistas que vingaram posteriormente. Os atos de violência contra essas parcelas ‘inferiorizadas’ da população moldaram a sociedade brasileira no período colonial (PEDROSO, 1999, p. 15).

Adaptar ou resistir foram as alternativas vividas pelos povos assujeitados e dominados. A violência, segundo Rifiótis (1999), tem um componente instaurador e garantidor de identidades sociais e subjetividades, assim como afirma Áurea Guimarães (1996), componentes de destruição e de vida, de retração e de expansão. Nesta perspectiva, argumenta Viola (2005), a violência dos dominadores produziu uma cultura da guerra, que resultou modos de subjetivação, práticas de resistências como formas de defesa de suas culturas milenares, a exemplo dos quilombos, da capoeira, das religiões afro-descendentes, do consumo de substâncias alucinógenas e exóticas, do isolamento de determinadas culturas.

Com o Império não foi diferente, embora as revoltas sociais dessa fase significassem instabilidade política em relação ao regime monárquico, elas também refletiram a presença de resistências sociais. As formas de penalidades e a institucionalização dos mecanismos de

repressão do Estado (como a Intendência de polícia da Corte em 1808), com a função de proteger a aristocracia dominante. Com o advento da República, o trabalho permeou as relações econômicas; a industrialização, a formação das cidades; a violência, os mecanismos de controle social dos desprovidos e sem significação social.

Para se compreender o uso atual da tortura, como forma de aplicação de castigo, ou para obter confissões de práticas de delitos muitas vezes de pouco potencial ofensivo, e no mais das vezes delitos contra o patrimônio, é importante realçar a origem patrimonialista do processo de colonização, quando a Coroa Portuguesa confiou a empreendedores privados a exploração de capitanias hereditárias, em que os donatários também tinham direito à designação de capitães e governadores. Ainda, o rei, no domínio da administração da justiça, isentou as instituições

brasileiras de correição e alçada, conferiu ao capitão-governador competência para nomear o ouvidor, o meirinho, os escrivães e os tabeliães, bem assim como a faculdade de vetar os juízes ordinários eleitos pelos homens bons. Também fora

delegado aos capitães-governadores toda jurisdição cível e crime, incluindo a alta

justiça (pena de morte e talhamento de membro), relacionada com os peões, índios e escravos (MAIA, 2002, p. 166).

Os negros livres, ex-escravos, pobres enfrentaram, após o processo de escravidão, a miséria, a exclusão e a violência. Do Império à República, a repressão foi o modo das elites controlarem os conflitos sociais criando e especializando as forças de segurança, estruturando o sistema penal, transformando o problema da desigualdade econômica numa questão de polícia. É importante, também lembrar que, na Primeira República, as forças de segurança passaram a ser controladas pelos governos estaduais que, enquanto representantes das oligarquias regionais, reforçaram uma concepção patrimonialista do Estado e das forças de segurança. O sindicalismo no Brasil, surgido com o processo de industrialização e imigração, passou a receber atenção das forças de segurança, quando os trabalhadores recusaram em se limitar à condição de vítimas e de massa, quando começaram a se organizar como operariado para lutar contra as formas de exploração no mundo do trabalho e conquistar novos direitos coletivos. Com os golpes militares de 1937 e de 1964 e a inserção do Exército no controle e na administração do Poder Executivo, foi acrescido às forças de segurança o caráter de polícia política. Só em 2009, ocorreu a I Conferencia Nacional de Segurança Pública, quando então o tema da segurança foi amplamente debatido enquanto direito de cidadania e responsabilidade de todos, do governo e da sociedade.

A violência coletiva manifesta, dentro e fora e entre os Estados, assume formas de guerras, terrorismos e conflitos políticos violentos, genocídio, desaparecimentos políticos, tortura e outros abusos aos direitos humanos. Esta violência se define como:

O uso instrumental da violência por pessoas que se identificam como mmbros de um grupo – independentemente de esse grupo ser transitório ou possuir uma identidade mais permanente – contra outro grupo ou um conjunto de indivíduos com o intuito de alcançar objtivos políticos, econômicos ou sociais (OMS, 2002, p. 213).

No Brasil, a força para exercer a coerção foi usada de forma extrema, por exemplo, pelas forças de segurança, tanto no período da colonização e do Império, como da República com ênfase nos governos autoritários. O objetivo de causar dano físico, psicológico e moral, aos opositores políticos, gestou historicamente uma teia de dominações e tecnologias de repressão, como também uma cultura de violência e um processo de subjetivação de medo e silenciamento. Nestes casos, o uso instrumental da violência institucional ocorreu em nome da defesa de um Estado ou de uma Ordem Política, em conjunturas marcadas por conflitos sociais, como estratégia para aniquiliar o vigor e a força das dissidências políticas em relação aos regimes e modelos econômicos. Ao mesmo tempo, tais processos geraram violência política, assim como mecanismos de resistências à opressão.

Quando uma sociedade perde a capacidade de agir em conjunto e de resolver democraticamente seus conflitos internos, apelando para o uso extremo do arbítrio no uso da força e do aparato repressivo, com o apoio financeiro e técnico de governos e agências internacionais, segundo Arendt, perde sua autonomia política. O uso extremo da força, na visão de Arendt (2001), significa a negação e não a afirmação do poder. Arendt (1990), ao analisar as experiências de totalitarismos no século XX, constata como se multiplicaram ocorrências de genocídio, de massacres em massa e de modernas operações militares, embora ela acredite que a esperança pode mais do que o temor, o poder de contestar o medo da morte. Lafer, na introdução de Sobre a Violência, esclarece a concepção arendtiana da violência. Lafer explica a violência como a

[...] desintegração do poder que enseja violência, pois quando os comandos não são mais generalizadamente acatados, por falta de consenso e de opinião favorável, implícita e explícita, de muitos, os meios violentos não têm utilidade. É esta situação-limite que torna possível, mas não necessária, uma revolução (LAFER, 2001, p. 8).

Theodor W. Adorno (2003) chama atenção acerca do potencial autoritário que se estende e se reproduz na sociedade moderna. O autor conclama a identificarmos elementos culturais impregnados no imaginário autoritário que ainda permanecem presentes na sociedade, pós Segunda Grande Guerra Mundial, como: o compromisso desmedido das

autoridades em justificar violações do Estado; a submissão às potências econômicas acarretando perda de autonomia; a ausência de indignação frente aos atos de violação; a pretensa não responsabilização por atos e omissões em casos de violações aos direitos humanos; a dissolução e desconexão da consciência moral; a ausência de emoções e o realismo exacerbado; o caráter manipulador, a consciência coisificada, a fetichicização da técnica; o silenciamento diante do terror; a indiferença e a competição acirrada e os ritos de brutalidade e severidade em relação aos presos políticos que se expandem aos presos comuns.

Segundo Adorno (2003), é preciso reconhecer e desenvolver a consciência dos mecanismos que tornam as pessoas capazes de acometer atrocidades, ou seja, da não capacidade da autorreflexão crítica. Em Educação após Auschwitz, o autor contribui com o argumento e a exigência ético-política de que Auschwitz não se repita. Como princípio da educação em direitos humanos, significa aprender e exercer o difícil direito de resistir à opressão e à violência, bem como de construir uma cultura em que o princípio republicano do respeito às leis e da responsabilização pessoal sejam parte da educação, da justiça e da segurança. No caso de sociedades que conviveram com processos ditatoriais, como muitos países da América Latina, a exemplo do Brasil, educar para o não-retorno ao autoritarismo se aproxima do alerta de Adorno de não-retorno ao totalitarismo. Tal princípio tem encontrado expressão no currículo escolar, a exemplo da inclusão da disciplina autoritarismo na América Latina no ensino médio no Paraguai, assim como na realização da “Semana: 45 anos de Golpe Militar – conhecer a história para VIVER NUNCA MAIS, pela Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação em Pernambuco”, em 2009.

Neste sentido, a rearticulação de forças sociais para resistirem à opressão e ao autoritarismo no Brasil, nos anos 1960 e 70, foi necessária para construir um novo exercício do poder, capaz de gerar um processo de democratização. Como afirma Foucault (1979, p. 18), “para que haja um movimento de cima para baixo, é preciso ao mesmo tempo em que haja uma capilaridade de baixo para cima”, ou seja, “o poder se exerce em toda a espessura e sobre toda a superfície do campo social”, nem é monolítico e nem é jamais totalmente controlado, há sempre a possibilidade de resistências.

No Brasil, a institucionalidade democrática, promulgada pela Constituição de 1988, não resultou, de imediato, na eliminação das violações dos direitos humanos, nem em uma cultura e uma prática democrática. Segundo Nanci Cardia (1995, p.9), a efetiva instauração do Estado Democrático de Direito exige que princípios como resistência à opressão, responsabilização no exercício da função pública, justiça e igualdade e controle social dos

governantes pelos governados sejam implementados. Afirma a autora: a “resistência e autoproteção da população contra o poder arbitrário e o exercício de controle das autoridades são condições para que as leis sejam percebidas como uma transação entre iguais e para que as pessoas possam obedecê-las”. Continua Cardia (1995, p.10), “sem a universalização da aplicação das leis e sem o controle sobre a violência, cria-se a cidadania restrita”. Para Cardia, um fator crítico para a democracia ocorre pela presença de “não indignação e de aparente aceitação de violações de direitos à vida provocadas pelo Estado”.

Para Adorno (1995, p. 301) o desprezo persistente e as graves violações dos direitos no Brasil expressam que a “violência endêmica, radicada nas estruturas sociais, enraizada nos costumes” ainda se encontra como um padrão instituido. A cultura de violência explicita-se, por exemplo, em situações de conflitos sociais envolvendo pobres e militantes sociais, ou quando se trata de apuração de violências contra esses segmentos sociais, por iniciativas dos conselhos de direitos e de defesa. Os órgãos de controle social, como o Conselho Nacional de Defesa da Pessoa Humana e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados conhecem a resistência presente no interior do Estado em implementar e efetivar o funcionamento dos órgãos de defesa, assim como promover apurações sobre graves violações aos direitos humanos envolvendo agentes públicos como agressores.

Versolato (2008) aponta que, estudos realizados por Kathryn Sikkink, em 100 países que conviveram com ditaduras, comprovam que o desrespeito aos direitos humanos tem relação com a não responsabilização dos crimes contra a vida. O estudo de Skkink aponta que países que, nos últimos dez anos, como a Argentina, julgaram os crimes praticados durante a ditadura contra a vida, tiveram melhora na preservação dos direitos básicos, ao contrário do Brasil que não acertou as contas com o passado e hoje se encontra em patamares de violências mais graves. No Brasil, segundo o Programa Nacional de Direitos Humanos III,

A radiografia dos atingidos pela repressão política ainda está longe de ser concluída, mas calcula-se que pelo menos 50 mil pessoas foram presas somente nos primeiros meses de 1964; cerca de 20 mil brasileiros foram submetidos a torturas e cerca de quatrocentos cidadãos foram mortos ou estão desaparecidos. Ocorreram milhares de prisões políticas não registradas, 130 banimentos, 4.862 cassações de mandatos políticos, uma cifra incalculável de exílios e refugiados políticos (BRASIL- PNDH III, 2010, p. 173).

Rose Nogueira, do Movimento Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, reflete como a tortura e a violência sexual não se apagam na cabeça das vítimas da ditadura militar,

constituindo um alerta permanente, para atualizar a luta contra a tortura e a impunidade, como um meio de valorização da vida e desconstrução da sua banalização.

Eu tinha um bebê de um mês e eu fui presa pelo esquadrão da morte e ai passei cinqüenta dias no DOPS nas piores condições que se possa imaginar e depois mais 8 meses no presídio Tiradentes. Quando eu saí o meu filho andou no dia seguinte. Deu uns passinhos, eu nem conhecia ele. Tive alguns problemas muito sérios. Eu tinha leite e me deram forçado uma injeção para cortar o leite. É uma violência muito grande que qualquer mãe tem e fora todas as coisas horríveis que eles faziam. Eu tive companheiros que foram mortos na tortura. E a tortura, não, todos sabiam, todos sabiam, a tortura é o sistema que segurava a ditadura. E quando um homem é torturado qualquer um, uma pessoa, é a humanidade inteira que é ofendida. E nós não realizamos às vezes a importância da luta contra a tortura, ela é a mais forte. Exatamente porque se você se acostumar com isso, ora, é impossível de valorizar a vida e ela não tem significado nenhum (NOGUEIRA, 2009, vídeo).

A dimensão pedagógica da responsabilização e da memória, para construir o direito à verdade como um princípio da educação em direitos humanos, é traduzida nas lutas de resistências, nas atividades culturais, nos projetos de arquivos que, ao cuidarem dos resquícios do passado, oportunizam repensar o presente e reler o que significou 1964 para as vítimas e familiares e para os que não o conheceram. O documentário Memória para uso Diário, de Beth Formaggini (2007), resgata a fala de presos políticos (militantes e familiares), abordando a longa luta por obter provas para se conseguir reconstruir a verdade sobre o período da ditadura, visando educar a sociedade e reivindicar a reparação do Estado. Trata-se de um recurso pedagógico de educação em e para os direitos humanos, na medida em que educa para desvelar as artimanhas da violência institucional e do autoritarismo, ao mesmo tempo em que educa e compromete a todos a construir a memória política do país. Uma memória com diferentes olhares e experiências. “As violações sistemáticas dos Direitos Humanos pelo Estado durante o regime ditatorial são desconhecidas pela maioria da população, em especial pelos jovens” (BRASIL-PNDH III, 2010, p. 173).

A luta pela anistia problematizou a necessidade de reconhecimento das violações aos direitos humanos durante a ditadura militar, da volta dos brasileiros do exílio e a busca da verdade acerca dos desaparecidos políticos no Brasil. Coimbra, militante e pesquisadora do

Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e fundadora da Comissão de Direitos

A Lei nº 9.140, de dezembro de 1995, veio no bojo dos vários movimentos sociais já anteriormente citados, que eclodiram no nosso País a partir da segunda metade dos anos 70. Durante toda a década seguinte, várias entidades de Direitos Humanos e de familiares de mortos e desaparecidos continuram cobrando dos diferentes governos esclarecimentos sobre os crimes perpretados durante a ditadura militar. Diversos grupos organizados em diferentes estados brasileiros fizeram pesquisas, levantamentos em vários órgãos estaduais – apesar das enormes dificuldades encontradas – e obtiveram uma série de informações sobre as circunstâncias das