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3 UNIVERSIDADE E DIREITOS HUMANOS

3.3 A UNIVERSIDADE COMO ESPAÇOS DE EMBATES E RESISTÊNCIAS

3.3.1 A Universidade em contexto autoritário

A universidade brasileira desde os anos 1940 e 50 foi alvo de injuções e investigação do Serviço Secreto do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS como registra a Associação Docente da Universidade de São Paulo – ADUSP (2004). Tanto o trabalho realizado pela ADUSP (2004), como o Processo de Retratação da UFPB (1999), o texto sobre a universidade interrompida de Salmeron (1999) referente à Universidade de Brasília e o levantamento sobre os direitos à memória e a verdade, realizado pela SEDH de 1964 – 1985, comprovam como os dispositivos disciplinares e repressivos foram parte do cotidiano das universidades durante o regime militar no Brasil.

Quadro 3 – Medidas adotadas pelo regime militar em relação às universidades (1964 – 1985)

Ações adotadas em relação as Universidades durante o regime militar

1964 Invasões das forças de repressão na UnB, Faculdade de Filosofia da USP com depredação da Biblioteca, laboratórios, bem como da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Expurgo de reitores e dirigentes univeritários, criação de comissões especiais de investigção para investigar docentes, discentes, técnicos e dirigentes gerando práticas de perseguição e controle ideológico e terrorismo cultural, invasão e destruição da sede da UNE, Ilegalidade da UNE, Acordo MEC- USAID.

1965 Invasão das forças de repressão na UNB e na USP.

1966 Invasão das forças de repressão da Faculdade de Medicina da Praia Vermelha – UFRJ, criação do Conselho de Reitores – CRUB, Relatório Acton, Lei nº53-1966 da Reforma Universitária. Criação do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária – CRUTAC, Projeto RONDOM, Acordos entre o Brasil e o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso para treinamento de técnicos rurais, modernização administrativa universitária, aperfeiçoamento do ensino primário e médio.

1967 Acordos MEC-USAID para Cooperação Técnica para treinamento de técnicos rurais, modernização das universidades criação da Comissão Meira Matos para analisar a crise estudantil e propor mudanças para o ensino univeritário. Decreto-Lei 252 da Reforma Universitária criando as estruturas departamentais.

1968 Decreto nº 62.937 de 1 de outubro de 1968 introduz Vestibular Unificado. Lei nº5. 540 –Lei Básica da Reforma Universitária, Decreto nº63.341 estabelece critérios para expansão das universidades, Invasão da Faculdade de Filosofia da USP pelo Comando de Caça aos Comunistas

– CCC, Morte de Edson Luiz no restaurante Calabouço da UNE no Rio de Janeiro pela polícia, Paceata dos Cem Mil, Invasão da UNB, Prisão dos participantes do XXX Congresso da UNE em Ibiuna – São Paulo, Lei nº5.537 que cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, Lei nº 5.540 que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior.

1969 Decreto 477 instituindo infrações disciplinares, prisão com tortura do presidente da UNE, aposentadoria compulsória de docentes da USP.

1972 Parecer 871 do Conselho Federal de Educação sobre conceitos e organização curricular.

1973 Missa na Catedral da Sé em solidariedade aos familiares pela morte sobre tortura de Alexandre Vannuchi Leme da USP.

1977 Invasão das forças de repressão na PUC-São Paulo com a prisão de 600 univrsitários, prisões de 200 universitários da UNB, passeata de 5 mil estudantes em São Paulo.

1978 Manifestações de protesto pelo ano da morte de Edson Luiz, Portaria nº505 do MEC aprovando diretrizes básicas para o ensino de moral e cívica no ensino de primeiro e segundo grau e de Problemas Brasileiros para os cursos superiores.

1979 Manifestação no dia 1º de maio pela Anista, Congresso da UNE em Salvador com 10 mil universitários, Lei nº 6.733-79 criando as Fundações Universitárias.

1982 Greve Nacional das Universidades Federais.

1984 Greve de 84 dias de 37 mil professores universitários.

Fonte: BRASIL-SEDH (2007); FÁVERO (1991); ADUSP (2004); SALMERON (1999)

As formas de manifestação de resistência social, no período de 1964 – 1985, implicaram em níveis distintos de protestos e enfrentamento. O movimento estudantil, que ao longo do regime militar conseguiu expressar amplamente insatisfação e resistência, radicalizou contra as medidas autoritárias, não silenciou, protestou através de amplas manifestações de ruas, de práticas e produções culturais e quando não pode mais, entrou para a clandestinidade. Nesse sentido, o segmento estudantil ao confrontar-se com as forças de repressâo, sofreu forte repressão de suas lideranças e dirigentes, assim como, as organizações de esquerda, a imprensa, membros do poder legislativo, executivo e até das forças de segurança. Desde a ditadura de Vargas que a União Nacional dos Estudantes vem lutando contra o autoritarismo, por reformas de base e em defesa da autonomia.

Do confronto armado, a vida na clandestinidade, o teatro crítico, o cinema, os festivais, os jornais alternativos, as grandes mobilizações de ruas, o sequestro de autoridades internacionais, os rituais religiosos, a luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, as denúncias internacionais, a luta contra anistia, a memória da violência e a construção da verdade histórica, são exemplos de como a resistência num contexto autoriário é complexa e multidimensional.

Com o AI-5, o presidente da República passou a instituir o uso de decretos instituindo medidas autoritárias, a exemplo de prisões e aposentadorias de docentes considerados “suspeitos” pelos agentes de informação. Comissões Internas, formadas por agentes de segurança, instalaram-se na gestão universitária para examinar e exercer a censura,

a exemplo dos processos de contratação, pedidos de afastamento para o exterior, auxílio viagem, concessões de vistos e reconhecimento de diplomas obtidos no exterior.

O Relatório Acton elaborado em 1965, segundo Fávero (1991), implicou num trabalho contendo uma avaliação da atuação estudantil convertida em “problema político e social”. A Lei nº 5.540/1968, referente a Reforna Universitária, tendo assessoria norte- americana, propunha um novo modelo de universidade, pautada na lógica do mercado e na racionalidade instrumental, transformando a força contestadora e crítica das universidades. Foi nesse momento em que, por exemplo, a extensão foi dissociada das funções acadêmicas como o ensino e a pesquisa.

O Decreto 477, de 26 de fervereiro de 1969, istituido por Costa e Silva, constituiu um ato radical contra a resistência social, proibindo quaisquer manifestações de participação de massa, usos do patrimônio público, propaganda ou sequestro, deflagração de greves, passeatas, comícios não autorizados, comportamentos que atentem contra a ordem militar, distribuição de materiais subversivos, manterem servidores públicos em cárceres privados. Num contexto autoritário, os direitos humanos são amplamente violados em nome da segurança da ordem pública, não só dos militantes tradicionais, como dos segmentos universitários, da gestão aos técnico-administrativos. A universidade, espaço da crítica e do exercício das liberdades é centralmente controlada e disciplinada no campo político- ideológico e acadêmico, assim como da gestão, adminitrativa, financeira e jurídica.

As lutas pelos direitos humanos, construidas nos anos 1970, em plena ditadura militar, emergiu nas universidades, nas prisões, nas fábricas, nos bairros, no campo, nos sindicatos e nas igrejas. Dallari situa a invenção dos direitos humanos como:

[...] no Brasil começamos a usar a expressão direitos humanos por volta de 1960. Houve ai uma influencia muito forte da Declaração Universal, mas também da postura da Igreja Católica. Entretanto, do ponto de vista mais imediato, mas agudo nós fomos forçados de certo modo a falar de direitos humanos a partir do golpe militar de 1964. Quando isso ocorreu, especialmente líderes de trabalhadores, líderes populares foram presos, muitos desapareceram, já começou a prática das torturas, até uma situação que pode parecer um paradoxo, uma contradição, mas na verdade durante esse período com a tortura, com as violências, as prisões arbitrárias nasceu praticamente o povo brasileiro. Eu tenho sustentado isso, dizendo que até então, nós éramos um ajuntamento de individuos. E nesse momento para resistir às violências, resistir à ditadura o povo foi tomando consciência, foi se organizando e nesse período exatmente surgiram organizações sociais que tiveram uma importância extraordinária no encaminhamento da história brasileira, na afirmação dos valores humanos e na defesa da democracia [...] E foi desta maneira que se conquistou a possibilidade de uma constituinte, e fazer uma nova contituição para o Brasil (DALLARI, 2007, vídeo).

Oliveira (1979), nesta mesma linha de raciocínio, concorda que essa mudança na cultura política da esquerda no Brasil vem se dando a partir dos anos de 1974, quando organizações de defesa dos direitos humanos começaram numa perspectiva de defesa da anistia geral e irrestrita, do retorno das liberdades fundamentais, da constittuinte e da democratização da sociedade e das instituições. Para Santos (2007) que também conviveu com um longo período de ditadura em Portugal, a esquerda associava direitos humanos com os direitos de liberdades defendidos pela tradição liberal, dissociando-os dos direitos de igualdade e diversidade. No caso brasileiro, a visão hegemônica da esquerda nos anos 60, calcada no contexto da guerra fria, concebia de forma dual os direitos individuais com os coletivos, enfatizavam a luta no partido em relação aos movimentos sociais e a luta armada como estratégia para derrubada das estruturas capitalistas. Se de um lado, o regime afetou a alma da universidade, do outro lado, procurou, também, fundamentar sua legitimidade junto à comunidade científica, através de uma política de expansão das universidades e do fomento à pesquisa científica e tecnológica, com vistas aos setores de ponta da economia (indústria, tecnologia, energia).