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Críticas e reconstrução do sistema: a reformulação metodológica e estrutural

II. 2.2 – Elementos da tópica jurídica

No pensamento de VIEHWEG, não só a Tópica mantém a essência

aristotélica de “techne do pensamento que se orienta para o problema”257, mas

255 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. op. cit., p. 83.

também a noção de problema em geral e problema jurídico em particular ganham contornos semelhantes às formulações do filósofo de Estágira.

Com efeito, se em ARISTÓTELES o problema se consubstancia num enunciado do tipo interrogativo que possui alternativas na forma de duas proposições excludentes e contraditórias, conforme já explicado nos itens I.2.1 e I.2.2 deste capítulo, para VIEHWEG ele é um estado de coisas ou situação concreta da vida real que suscita uma aporia, entendida como uma questão estimulante e iniludível, da qual não se pode fugir, nem encontrar uma saída ou caminho imediato

como solução258.

Por isto, VIEHWEG a apresenta a seguinte definição de problema:

[É] toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução259.

Para GARCIA AMADO, essa definição possui três elementos centrais, quais sejam:

a) a existência de um problema pressupõe uma pré-compreensão de seus próprios termos e de seus marcos demarcatórios, a qual condiciona todo o processo, desde a delimitação do problema até sua solução;

b) o que faz de uma questão um problema é a existência de diferentes respostas ou vias de atuação possíveis;

c) a necessidade de uma decisão, de uma escolha entre alternativas para a

busca de apenas uma solução ou resposta260.

Neste passo, GARCIA AMADO explica que, se o primeiro elemento não teve em VIEHWEG e seus partidários um desenvolvimento ligado à Tópica Jurídica, os outros dois refletem dois modos possíveis de compreender a doutrina tópica: a) como um meio de trazer à luz, ante cada problema, alternativas para sua solução ou

257 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. op. cit., p. 31.

258 Idem.

259 Ibidem, p. 34.

b) como teoria que se ocupa do modo de obter a necessária decisão para cada

problema, respectivamente261.

GARCIA AMADO admite, também, que a tópica jurídica pode ser compreendida de outra forma, compatível com a classificação anterior: a) como uma teoria descritiva (cujo objetivo seria explicar o modo de atuação na prática jurídica, apresentando-se como uma explicação do trabalho jurídico habitual) ou b) como uma teoria prescritiva (cujo objetivo é estabelecer a maneira mais adequada de

proceder na práxis jurídica)262.

Contudo, este autor reconhece que a imprecisão e confusão dos conceitos esposados por VIEHWEG não permitem compreender claramente qual a dimensão

do campo de ação da tópica na teoria do direito263.

Outras imprecisões surgem quando VIEHWEG busca respaldo nas formulações tópicas de CÍCERO para explicar o modo de extração das premissas que solucionem o problema jurídico (entendido como o caso que, além de permitir mais de uma solução possível, deve ser decidido segundo a aporética exigência de busca da Justiça in concreto).

Isto ocorre porque, na obra de CÍCERO, desaparece a dicotomia entre raciocínio aporético e apodítico e surge a distinção entre invenção (ars inveniendi) e

formação do juízo (ars iudicandi)264, onde a tópica é pensada como a arte de achar

os argumentos (invenção), e, a partir deles, dar-se-ia a formação do juízo.

Daí um possível motivo para as imprecisões se dá em razão do fato de que, conforme ATIENZA, não era objetivo do célebre orador romano formar uma teoria tópica, como ARISTÓTELES, mas apenas elaborar um inventário de tópicos

(topoi) que pudessem levar a conclusões265.

Com esta base, VIEHWEG apreende que a tópica jurídica, por necessitar dos topoi para alcançar uma conclusão, deve ser dividida em dois níveis:

A tópica de primeiro grau, momento da invenção ou busca de argumentos, onde se depara com um problema e obtém-se, “através de tentativas, pontos de

261 GARCIA AMADO, Juan Antonio. Teorias de la topica... op. cit., p. 77.

262 Idem.

263 Ibidem.

264 VIEHWEG, Theodor. Tópica..., op. cit., p. 29.

vista mais ou menos casuais, escolhidos arbitrariamente”266, que sirvam como

premissas adequadas ao caso.

Para repelir a falta de segurança deste procedimento, VIEHWEG distingue entre topoi universalmente aplicáveis e os que são aplicáveis apenas a determinado

ramo, servindo apenas para um determinado círculo de problemas267.

Assim, a tópica de primeiro grau tem como diretriz a busca de pontos de vista mais específicos, aplicáveis apenas à esfera do conhecimento inerente ao problema para, ao prepará-los e organizá-los de antemão, produzir os “catálogos de

topoi”268.

Já a tópica de segundo grau é equivalente ao momento da formação do juízo, onde se parte de topoi previamente aceito para realizar dedução lógica e chegar a uma conclusão que solucione o problema.

VIEHWEG explica que a real dimensão da tópica jurídica é compreendida quando se conjugam os dois níveis do procedimento tópico, de tal modo que ela não se confunda com a perspectiva axiomática dedutiva, porque “o modo de buscar as

premissas influi na índole das deduções e, ao contrário, a índole das conclusões indica a forma de buscar as premissas”269.

Ademais, a tópica obriga o jurista a buscar a solução a partir de pontos de vista existentes e juridicamente aceitos. Entretanto, esses pontos de vista não são concebidos previamente, de maneira abstrata e geral, no sentido de que é um único sistema que vai dar a solução de antemão.

Como conseqüência, esta técnica trabalha com uma pluralidade de sistemas que podem ser selecionados para alcançar a resposta almejada, à medida

que sua ordem está sempre por ser determinada270 em razão de um problema

específico, de modo que seus nexos dedutivos são de curto alcance.

VIEHWEG percebe, então, que não há uniformidade em todos os

‘catálogos de topoi’ manejados pelos estudiosos ao longo dos séculos à medida que

os tópicos (enquanto argumentos utilizados na solução de problemas jurídicos ou

266 VIEHWEG, Theodor. Tópica..., op. cit. p. 36.

267 Idem,. p. 37.

268 Ibidem, p. 36.

269 Ibid., p. 40.

cânones de interpretação), ganham sentido apenas a partir do problema e da realidade histórica em que está inserido, mesmo porque sua definição é imprecisa.

Essa imprecisão tem sido objeto de inúmeras críticas, porém, FERRAZ JR arrisca uma aproximação do que seriam os topoi jurídicos:

No Direito, são topoi, neste sentido, noções como interesse, interesse público, boa fé, autonomia da vontade, soberania, direitos individuais, legalidade, legitimidade. Viehweg assinala que os topois, numa determinada cultura, constituem repertório mais ou menos organizados conforme outros topoi, o que permite séries de topoi. Assim, por exemplo, a noção de interesse permite construir uma série do tipo interesse público, privado, legítimo, protegido etc271.

Até aqui a tópica foi apresentada a partir de seu elemento central, o problema, e, também, como um meio de trazer à luz alternativas que o solucionem, vez que ele suscita respostas distintas.

Resta apenas a análise da tópica a partir do terceiro elemento do conceito de problema, qual seja, o referente à necessidade de que, entre as premissas suscitadas, apenas uma seja escolhida para a formação do juízo.

Com efeito, já foi apontado que, como desdobramento desse terceiro elemento a tópica surge como uma teoria que se propõe a explicar o modo de obter apenas uma decisão, a qual preenche os requisitos de racionalidade e justiça, de

modo a mostrar como se opera com os topoi272.

O caminho apontado por VIEHWEG para o exame dos topoi é o da teoria da argumentação, de modo que o consenso indicaria a escolha do melhor ponto de vista como solução do caso.

Sendo assim, mais uma vez VIEHWEG se aproxima da dialética e retórica de ARISTÓTELES, onde o debate e confronto das premissas se realizam numa situação discursiva.

Neste ponto, a doutrina jurídica é quase unânime em afirmar que a tópica de VIEHWEG se limita a analisar superficialmente a estrutura dos argumentos, onde, conforme destaca Robert ALEXY, nada se diz sobre qual ponto de vista é prioritário ou qual aspecto é decisivo, de modo que, a crença de que a discussão

271 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Prefácio In: VIEHWEG, Theodor, Tópica e

Jurisprudência. op. cit., p. 04.

permanece como único foro de controle não pode ser tida como completamente verdadeira, uma vez que o consenso, por si, não é garantia da correção daquilo com

que se concordou273.

As críticas virão oportunamente, e, por ora, resta dizer, sinteticamente, que a tópica jurídica pode ser vista sob três perspectivas diferentes:

a) do objeto: é técnica do pensamento problemático, porque se relaciona com um problema, que no direito é um caso concreto que permite diferentes respostas jurídicas válidas;

b) do instrumento: opera a partir da noção de topos (topoi) ou lugar comum da argumentação, cuja natureza é de uma premissa éndoxa;

c) do tipo de atividade: é atividade de busca e exame de premissas colocadas em debate, na tentativa de obtenção de um consenso que forneça uma única

resposta válida274.