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Mesmo considerando que realismo e normativismo possuem características da filosofia positivista, não se olvida que o pensamento jurídico da Modernidade é marcado profundamente pelo segundo, de modo que cumpre agora avançar prospectivamente na compreensão do juspositivismo formal para que seja possível delinear, inicialmente, sua perspectiva metodológica e, a partir do tópico I.4, a estrutura de seu sistema de normas.

Para tanto, recorre-se à análise de Fernando José BRONZE, que decifra o normativismo jurídico na perspectiva de cinco eixos articulados, na forma de

coordenadas caracterizadoras124.

A primeira delas é a coordenada político-institucional, à medida que o

“positivismo radicou numa certa compreensão do Estado: a do Estado moderno do contratualismo individualista, ou Estado representativo demo-liberal”125.

Sua fundamentação axiológica é oriunda das revoluções demo-liberais-burguesas (EUA, Inglaterra, França), as quais deram origem ao Estado de Direito e da legalidade formal, o qual tentou dominar juridicamente o poder, estruturando-se em três princípios: o princípio da separação dos poderes, o da legalidade e o da

independência e da função meramente aplicadora do poder judicial126.

123 CÁRCOVA, Carlos Maria. Jusnaturalismo versus positivismo jurídico... op. cit., p. 184.

124 BRONZE, Fernando José. Lições..., op. cit., ps. 321-343.

125 Idem, p. 324.

A segunda coordenada tem um viés especificamente jurídico e traduz a

identificação do direito com a lei127, enquanto expressão da vontade geral, possuindo

as seguintes características: generalidade, abstração, formalidade e permanência128.

Este autor destaca, ainda, que além da fundamentação política do liberalismo-individualista, estas características, típicas da intelecção moderno iluminista de lei, refletem uma certa:

...impostação da racionalidade: na linha da Filosofia prática de KANT, o respeito pelas exigências que com-punham uma racionalidade universal, abstracta e formal bastava para garantir a (humanamente dessorada) validade. E o que acabou-se de dizer-se em relação à prática, tem cabimento, mutatis

mutandis, no âmbito do direito. A validade deste último também não era então

referida a qualquer fundamento material (a um conjunto de valores de sentido material), mas apenas aferida por uma racionalidade formal. Pelo que – e mais especificamente –, a validade das leis que esgotantemente o objectivavam não deveria procurar-se para além delas: seriam válidas se pudessem dizer-se racionais, i. e., se fossem gerais, abstractas, formais e imutáveis129.

Já a terceira coordenada, a axiológica, abarca os valores defendidos pelo

positivismo: o formalismo revelado na igualdade perante a lei (decorrente do entendimento de liberdade como a faculdade de cada um obedecer apenas a leis gerais, universais, objetivas, pré-determinadas e estáveis) e a certeza do direito ou segurança jurídica, vista como garantia ao exercício, em termos previsíveis, da liberdade de cada um em função da aplicação da lei como o resultado da

racionalidade abstrata e universal dos juristas130.

Até aqui, as três coordenadas indicam que o juspositivismo formalista radica numa compreensão axiomática da fundamentação normativa, pois o ‘DEVER-SER’ surge como uma emanação inquestionável da razão, daí a crença no ‘legislador racional’ (MONTESQUIEU) ou que expresse a ‘vontade geral’ (ROUSSEAU), como expressões do imperativo categórico kantiano de realização do bem a partir da reta

razão131 e, por conseguinte, a axiologia que defenda a forma e a segurança.

127 Ibid., p. 331.

128 Ibid., ps. 333-334.

129 BRONZE, Fernando José. op. cit., ps. 334-335.

130 Idem, ps. 335-336.

A quarta é a funcional, consubstanciada no contraste entre pensamento jurídico e pensamento político, uma vez que na teoria juspositivista, em razão do ‘dogma da onipotência do legislador’, a intenção constitutiva do direito era atribuição

exclusiva do legislativo132, cabendo ao judiciário meramente a aplicação da lei, o que

dá ensejo à quinta coordenada, a epistemológica-metodológica, à medida que,

segundo BRONZE:

...o direito, era por este pensamento reduzido à mera legalidade pré-escrita, que apenas tratava de aplicar formalmente, lançando mão da única racionalidade conhecida – a lógica dedutiva. (...) [Assim] o pensamento jurídico positivista não passava, no fundo, de um método tendente a orientar o conhecimento exegético-dogmático da lei: o que importava era apurar e apreender, num primeiro momento, o significado da lei enquanto proposição textual, para depois a aplicar logicamente aos casos que com ela estivessem numa relação de gênero-espécies133.

Já as últimas duas coordenadas demonstram a metodologia lógico-dedutiva, a qual impunha a negação do ‘SER’ no momento constituinte de direitos.

De maneira complementar e convergente, Norberto Bobbio resume o positivismo jurídico em três aspectos fundamentais: como um modo de abordar o estudo do direito, como uma certa teoria do direito e como uma ideologia do direito134.

Relativo ao modo de abordar e encarar o direito, BOBBIO ensina que o positivismo vê o direito como uma norma (que é dada, portanto, fática), e não como um valor, cabendo ao jurista somente aplicá-la ao caso concreto, num processo silogístico-subsuntivo, preocupando-se unicamente com sua validade formal, de maneira que, para ele, o juspositivismo aborda o direito “como uma simples técnica;

[que] como tal pode servir à realização de qualquer propósito ou valor, porém é em si independente de todo propósito e de todo o valor”135.

132 BRONZE, Fernando José. op. cit., p. 337.

133 BRONZE, Fernando José. op. cit., p. 339.

134BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico... op. cit., p. 134.

Em relação ao juspositivismo formal como uma teoria do direito, BOBBIO assevera que essa corrente define o direito em função do elemento de coação, traço que distingue o direito da moral, sendo a lei estatal a fonte imediata e preeminente do primeiro136.

Enquanto teoria do ordenamento jurídico, o juspositivismo abrange a teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico.

Por fim, a teoria positivista do direito necessita de um método, e este deve ser o mais “científico” possível e envolve o problema da interpretação.

O resultado é a teoria da interpretação mecanicista, que pretende que os operadores do direito fossem iguais a computadores (ou seja, sem uma concepção de mundo, sem valores de sua cultura, sem uma origem racial, sem diferentes leituras da sociedade e das pessoas), e que interpretassem o direito apenas a partir de constatações da norma aplicável ao caso concreto, cabendo ao intérprete apenas

“reproduzir o direito, isto é, explicitar (...) com meios puramente lógico-racionais o conteúdo de normas jurídicas já dadas”137.

Quanto ao juspositivismo como uma certa ideologia do direito, Bobbio entende que algumas posições tomadas pela doutrina juspositivista são tipicamente ideológicas, à medida que ele pode ser entendido como um “conjunto de juízos de

valores relativos a uma realidade, juízos estes fundamentados no sistema de valores relativos acolhido por aquele que a formula, e que têm o escopo de influírem sobre tal realidade”138.

I.3.3 – A interpretação do direito no paradigma da filosofia da consciência