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8 Análise Prática do Direito de Ser Informado nas Hipóteses de

8.4 Embriaguez

O art. 482, alínea “f”, da CLT, prevê duas hipóteses diversas de justa causa: a embriaguez habitual e a embriaguez em serviço.

A primeira, segundo Catharino (1982, p. 333), “é a que resulta de vício, costumeira, contumaz, mesmo não estando o empregado trabalhando”, e a embriaguez em serviço se tratam de “falta aguda, podendo ficar caracterizada mesmo no caso de pileque ou porre isolado, com grave repercussão no ambiente de trabalho”.

Embriaguez não há de ser entendido apenas como consumo de álcool, mas de qualquer substância tóxica, que possa alterar o comportamento normal do empregado, mesmo que não seja considerada ilícita.

Conforme Souza (1997, p. 298):

A acepção mais comum tem em conta a embriaguez alcoólica. Pode- se, entretanto, envolver nesse conceito o inebriamento decorrente do uso de substância tóxicas, não necessariamente alcoólicas. A embriaguez, tomada no sentido de êxtase, de enlevação, comporta a inclusão de tóxicos no rol do que possa privar o sentido e conduzir o ébrio à prática de atos atentatórios e impedientes do normal desenvolvimento do trabalho, pondo em risco o trabalhador, seus colegas, os superiores hierárquicos, o estabelecimento, os clientes, enfim, criando um indesejável potencial de dano.

Inexiste na legislação trabalhista qualquer parâmetro objetivo para o grau de embriaguez a ser considerado, quando da análise da referida justa causa. Zainaghi (1995, p. 89-90) expõe que “o ébrio atravessa três fases: fase de excitação, fase de confusão e fase de sono. Todavia, de acordo com o referido autor, para o direito do trabalho, independentemente da fase o empregado é considerado embriagado”.

Lacerda (apud Zainaghi, 1995, p. 92) justifica a embriaguez habitual como hipótese de justa causa, mesmo que não traga prejuízos ao trabalho e como esse não se relacione, ao afirmar que:

Houve razão, talvez mais imperiosa, para a atitude aparentemente drástica do legislador: é que se presume, na inserção da embriaguez habitual no elenco faltoso, nem tanto um prejuízo da empresa e uma arma de defesa do empregador contra os perigos que oferece um ébrio habitual, embora momentaneamente (durante o serviço) sóbrio, mas uma ação direta do Estado contra a propagação do vício.

Temos, mais uma vez, que a referida hipótese de justa causa esta tacitamente revogada pela atual Constituição Federal de 1988, independentemente de se caracterizar, ou não, doença, pois a embriaguez habitual fora do local do trabalho, que não tenha qualquer relação com aquele e nem lhe traga prejuízos, insere-se em mais uma medida de invasão à privacidade e intimidade do empregado. Cumpre novamente salientar que o empregado não deixa de ser cidadão por firmar um contrato de trabalho; ele mantém todos os seus direitos de cidadania, independentemente do seu grau de subordinação empregatício.

Mesmo o empregado que exerça função em que a embriaguez possa majorar o perigo na sua execução, a questão deve ser analisada estritamente com os prejuízos trazidos ao desempenho daquela. No caso do motorista, a Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, introduziu o art. Art. 235-B, na CLT, no qual prevê que são deveres do motorista profissional, dentre outros, submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com sua ampla ciência, sendo que seu descumprimento será considerado falta disciplinar. Assim, nessa situação, considerando-se o grau de responsabilidade do motorista, se ele ingerir, habitualmente, bebidas alcoólicas antes de iniciar o seu labor, poderá ser despedido por justa causa, com base na hipótese em análise.

A embriaguez em serviço não desperta maiores controvérsias, pois, basta que o empregado compareça ao seu local de trabalho ébrio para que seja despedido por justa causa: não há, assim, necessidade de sua reiteração, pois mesmo que ocasional, será tida como falta grave.

Todavia, a embriaguez habitual, ou seja, a dependência química tem sido tratada pela jurisprudência como doença60 e, dessa forma, afastada a referida justa causa, quando o empregador não oportuniza ao empregado a possibilidade de

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“EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, F, DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição. 2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, f, da CLT, no que tange à embriaguez habitual. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invest de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo. 4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional.” (Proc. TST-E-RR-586320/1999, SBDI-1, Relator Ministro João Oreste Dalazen, publicado no DJ de 21/5/2004.)

“RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO JULGADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INOCORRÊNCIA. A Corte de origem consignou expressamente as razões do seu convencimento, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. Inviolado o artigo 93, IX, da Constituição da República. ALCOOLISMO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA JUSTA CAUSA. REINTEGRAÇÃO. Revela-se em consonância com a jurisprudência desta Casa a tese regional no sentido de que o alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. Registrado no acórdão regional que - restou comprovado nos autos o estado patológico do autor -, que o levou, inclusive, - a suportar tratamento em clínica especializada -, não há falar em configuração da hipótese de embriaguez habitual, prevista no art. 482, -f-, da CLT, porquanto essa exige a conduta dolosa do Reclamante, o que não se verifica na hipótese. Recurso de revista não conhecido, integralmente.” (RR - 153000-73.2004.5.15.0022, Relatora Ministra Rosa Maria Weber, 3.ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 06/11/2009).

"RECURSO DE REVISTA. DECISÃO REGIONAL QUE AFASTOU JUSTA CAUSA PARA A

DESPEDIDA DO EMPREGADO, ADOTANDO TESE JURÍDICA ALICERÇADA NO

RECONHECIMENTO CIENTÍFICO DE QUE O ALCOOLISMO CRÔNICO, DE QUE PADECE O RECLAMANTE, NO CASO DOS AUTOS, É DOENÇA QUE RECLAMA TRATAMENTO, NÃO SE CONFUNDINDO COM O DESVIO DE CONDUTA DE QUE TRATA A HIPÓTESE DO ART. 482, LETRA -F-, DA CLT. RECURSO DE REVISTA FUNDADO APENAS EM DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL, QUE NÃO ESTÁ DEVIDAMENTE CARACTERIZADA, TORNANDO-SE INVIÁVEL SEU CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 296, I, DO TST. Verifica-se que as decisões colacionadas em razões de recurso de revista não se prestam ao conflito de teses, pois inespecíficas, à luz da Súmula n.º 296, I, do TST. Com efeito, nenhum dos paradigmas transcritos pela reclamada (fl. 201) refere-se à hipótese de embriaguez contumaz, em que o obreiro padece de alcoolismo crônico, aspecto fático expressamente consignado no acórdão regional. Logo, considerando que o apelo patronal veio calcado apenas em divergência jurisprudencial, mostra-se inviável o processamento do apelo, nos termos do que dispõe aludido verbete. Recurso de revista não conhecido". Processo - RR - 132900-69.2005.5.15.0020, Relator Ministro Flavio Portinho Sirangelo, 7ª Turma, DEJT 27/08/2010.

tratamento médico adequado, com, inclusive, percebimento de benefício previdenciário.

Ao se considerar a embriaguez habitual como doença, afasta-se o dolo ou a culpa do empregado, já que a patologia, ao gerar compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa, o que lhe retira a sua capacidade de discernimento sobre seus atos.

Apesar de ser uma posição majoritariamente admitida na jurisprudência atual, a questão já era assim enfrentada mesmo nos idos dos anos oitentas, do século passado, conforme a seguinte ementa:

Alcoolismo. Entende a Ciência atual que alcoolismo é doença e como tal deve ser analisado e tratado, não se constituindo de per si motivo para a dispensa do empregado (TRT-3ª R. RO 2.684/89, rel. Juiz Carlos Alberto Alves Pereira, DJMG 8.690) (ZAINAGHI, 1995, p. 93).

Todavia, ao se considerar que a embriaguez habitual não se trata de patologia, e, portanto, causa a ruptura contratual por justa causa, no que se refere à habitualidade da embriaguez,. Giglio (2000, p. 156) leciona que:

Não existe fórmula matemática para distinguir a embriaguez ocasional da habitual. Certamente não se poderá considerar ébrio habitual quem se embriaga duas ou três vezes; para assim ser considerado, deverá embriagar-se um número apreciável de vezes, dentro de um dado período. Evidentemente, é habitual a embriaguez que se manifesta todas as semanas, ou em mais de um dia por semana. Afora esses casos de marcada tipicidade, entretanto, só o juiz poderá dizer, no exame cauteloso de cada caso particular, se a embriaguez poderá ser considerada habitual ou simplesmente ocasional.

Assim, para que se tenha por cumprido o dever de informação, deverá o empregado tomar ciência, quando da sua dispensa, não apenas que aquela fora motivada por sua embriaguez habitual, mas quando que o fato ocorrera, com qual frequência e em quais circunstâncias. Isto se deve, para que ele possa ter controle sobre o correto enquadramento dos fatos que lhe foram imputados na própria hipótese legal, já que a simples embriaguez ocasional não é tida como falta grave.

Por fim, por não ser objeto do presente trabalho, não se analisará as formas de comprovação da embriaguez do empregado, admitidas no direito processual do trabalho.