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4 Boa-Fé Objetiva

5.3 Requisitos

5.3.1 Tipicidade

O sistema jurídico brasileiro, em relação às hipóteses para rescisão contratual por justa causa, adotou o princípio do direito penal da tipicidade da conduta culposa

- “nullun crimen nulla poena sine praevia lege”; há necessidade de prévia previsão

legal da conduta a ser censurada, e não a mera determinação de que o descumprimento grave e culposo do empregado ou do empregador enseja a rescisão contratual por justa causa, de quem a cometeu.

Tipicidade pode ser conceituada como a relação de adequação existente entre a conduta censurada na lei e aquela realizada pelo agente. Em relação ao direito do trabalho, pode-se afirmar que é a conduta do empregado ou do empregador, censurada em lei.

Ao contrário do direito penal, a tipificação trabalhista da conduta censurada é imprecisa, o que, todavia, não autoriza o enquadramento, como ilícito trabalhista, de ato ou omissão que não se relacione diretamente com o tipo previsto na legislação específica (DELGADO, 2011, p. 1131).

Sobre o tema, Sussekind (1984, p. 541) afirma que, enquanto o tipo penal “define cada figura delituosa, definição que obriga o juiz, a enumeração das justas

causas é plástica, cabendo ao julgador certa liberdade na qualificação jurídica dos fatos dentro da enumeração legal”.

O art. 482, da CLT, prevê como hipóteses de justa causa do empregado: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar.

Já o art. 483, da CLT, dispõe que são causas de rescisão por justa causa por culpa do empregador: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

Não, há, todavia, qualquer definição legal para as supramencionadas hipóteses, para o que se entende, por exemplo, como “perigo manifesto de mal considerável” (art. 483, alínea “c”, da CLT), ou mesmo “abandono de emprego” (art. 482, alínea “j”, da CLT), sendo a sua conceituação casuística.

Mario de La Cueva, citado por Mozart Victor Russomano, se manifesta contrariamente a esse sistema, por entender que a lei não esgota toda a realidade, sendo, assim, mais aconselhável que houvesse uma enumeração apenas exemplificativa. (RUSSOMANO, Curso de Direito do Trabalho 1995, 169)

Richard (apud ZAINAGHI, 1995, p. 26) de igual forma, crítica a opção da legislação brasileira, ao afirmar que “forçosamente excluiria numerosas eventualidades impossíveis de serem prevista num código, que se deve limitar ao estabelecimento de princípios e não visar à solução de todos os litígios”.

Entretanto, de acordo com Delgado (2011, p. 1131), essa característica do ilícito trabalhista tem permitido a adequação de tipos tradicionais a condutas tidas como modernas:

É o que se passa com o assédio sexual, que pode englobado, perfeitamente, na incontinência de conduta alinhada pelo art. 482, „b‟, da CLT, quando praticado por empregado em face de sua colega de serviço, por exemplo. A propósito, tratando-se de assédio sexual do empregador contra a empregada, o enquadramento pode ser feito nas alíneas „a‟, „e‟ ou „f‟, do art. 483: respectivamente, serviços contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato, ou, ainda, „ato lesivo da honra e boa fama‟ ou „ofensa física‟.

Isso ocorre, pois os tipos trabalhistas de justa causa não seguem as exigências técnicas do conceito de tipo penal, tratando-se de conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, de uma norma que possui expressões sem significados precisos, mas que o seu descumprimento acarreta uma consequência jurídica – que é a ruptura contratual por justa causa.

No es de extrañar que ante un sistema legal de tan laxas definiciones y en un tema tan marcadamente casuístico, el estudio de la jurisprudencia resulte de todo punto imprescindible si se quiere saber responder a la cuestión práctica por antonomasia en esta materia: ¿constituye causa justa de despido disciplinario determinada conducta del trabajador?

Giglio (2000, p. 15) expõe que:

O enquadramento dos fatos nas letras dos arts. 482 e 483 nem sempre é fácil. A tarefa, contudo, é do intérprete e não da parte: a esta cabe narrá-los, cabendo à Corte dar sua qualificação legal, segundo as vetustas máximas „Jura novit curia‟ e „Narra mihi factum, dabo tibi jus‟.

Nesse sentido, Catharino (1982, p. 331) entende que, em relação ao ato de improbidade (art. 482, “a”, da CLT), a sua qualificação “é tarefa, essencialmente, do juiz ou tribunal em cada caso que lhe seja apresentado, bem assim avaliar o seu grau, que varia de um mínimo, quase puramente ético, até ao máximo do ilícito penal”.

Apesar de o órgão julgador poder enquadrar corretamente os fatos narrados à hipótese legal de justa causa, independentemente do enquadramento realizado pela parte, é vedado que ele considere a existência de fatos distintos daqueles alegados, para confirmar a ruptura contratual por justa causa. Nesse caso, haveria julgamento em distonia com o principio da congruência entre o pedido e a sentença.

Como as hipóteses de justa de causa se tratam de conceitos jurídicos indeterminados, a simples informação de que o empregado cometeu um ato de insubordinação (art. 482, alínea “h”, da CLT) não cumpre o requisito de o empregador informá-lo sobre o motivo de sua dispensa por justa causa, já que lhe incumbe narrar os fatos que configurariam a referida insubordinação. De igual forma,

deve o empregado comunicar, precisamente, os motivos pelos quais considera o contrato rescindido por justa causa patronal.

Como será exposto, quando da análise das hipóteses de justa causa, perceber-se-á que o mesmo tipo pode englobar diversos fatos diferentes. Assim, o dever de ser informado será cumprido quando o empregado tiver ciência dos fatos que justificaram a sua dispensa por justa causa, sendo, entretanto, prescindível que o empregador realize o enquadramento na hipótese legal: mesmo que haja o enquadramento na hipótese legal, aquela não vinculará o empregador, pois tal obrigação não lhe é imposta.