• Nenhum resultado encontrado

4 Boa-Fé Objetiva

5.3 Requisitos

5.3.5 Proporcionalidade

A falta cometida pelo empregado, ou pelo empregador, para que haja ruptura do contrato de trabalho por justa causa, deve ser proporcional à penalidade a ser aplicada, ou seja, deve ser grave o suficiente para que quebre a confiança mútua que há entre as partes contratantes. Pois, conforme Rodríguez (apud Oliveira, 1993, p. 136):

La posibilidad de aplicar sanciones no significa una carta blanca para el empleador, debiéndose exigir una razonable proporcionalidad entre las sanciones aplicables y la conducta del trabajador respecto de la entidad de la falta, su reiteración y los antecedentes del sancionado.

Utilizando-se das palavras de Souza (1997, p. 288):

Sob pena de implantar-se um terrorismo altamente prejudicial às relações entre patrão e empregado, a avaliação da falta deve fazer-

se com bastante firmeza, clareza e objetividade, mas sopesando as relações que sempre existiram entre os parceiros da relação trabalhista para ver se reveste de gravidade que autorize a prática da atitude extrema de rompimento do contrato de trabalho.

No mesmo sentido, Bortolotto (apud Zainaghi, 1995, p. 29) afirma que: “só haverá ato faltoso, bastante para justificar a rescisão quando se verificar uma violação de tal modo grave que impeça a continuação, mesmo provisória, da relação de trabalho”.

A culpa, de acordo com a teoria da responsabilidade civil, pode ser dividida em levíssima, leve ou grave. Apesar de inexistir no Direito do Trabalho “uma dosimetria penal que estabeleça uma desejável equivalência entre a falta, seu grau de culpa e a pena que deva ser imposta” (SOUZA, 1997, p. 291), a culpa levíssima, bem como a leve, mormente a do empregado, não autoriza o rompimento do contrato de trabalho por justa causa, pois ele está sujeito a outras penalidades de menor intensidade, tais como advertências e suspensões. Para Furtado (1997, p. 60), “a culpa depende da avaliação: da boa-fé das pares, do seu grau de culpa e da gravidade objetiva da falta”.

Galantino (2000, p. 404), ao se referir ao direito italiano, mas que coincide com o tratamento havido no Brasil, sobre a questão, afirma que “la mancanza

comessa deve essere molto grave, al punto tale da impedire la prosecuzione anche provvisoria del rapporto”.

A própria CLT, em seu art. 493, traça qual o principal atributo a ser considerado, quando se perquire a proporcionalidade entre o ato faltoso e sua punição, ao se referir que falta grave será aquela que por sua repetição ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações do empregado31.

31Art. 493, da CLT: “Constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se refere o art. 482, quando por sua repetição ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações do empregado”.

Ou seja, a falta deve atingir “aqueles limites máximos de tolerância, passados os quais desaparece a confiança característica do contrato de trabalho (MORAES FILHO, 1996, p. 129)”.

Para se aferir, assim, a proporcionalidade entre a falta cometida e a aplicação da penalidade, o que se deve examinar é a gravidade daquela, que, conforme Morais Filho (apud SUSSEKIND, 1984, p. 537), deve ser feito levando-se em consideração não apenas a medida do “bonus pater familias”, mas a própria personalidade do agente, suas condições psicológicas e capacidade de discernimento.

Destaque-se que, a graduação da culpa, para aferição da proporcionalidade do ato cometido – ou da omissão havida – não dependerá necessariamente da quantidade de faltas cometidas, pois “uma só falta pode estranhar culpa grave ou gravíssima, como também serem necessárias várias faltas, levando-se em conta a reincidência genérica (de faltas diferentes), ou a específica (de uma mesma, duas vezes ou mais) (CATHARINO, 1982, p. 320)”.

Tem-se, ainda, que a proporcionalidade relaciona-se, diretamente, com a própria noção de razoabilidade, que norteia os atos jurídicos. Furtado (1997, p. 61) afirma que:

Não é razoável que, após dez anos de irreparável desempenha de sua condição de empregado, este seja posto para fora do emprego pelo fato de haver se atrasado uma única vez, em determinado dia. Não é razoável nem proporcional a sua falta, a saber, chegar uma única vez atrasado.

Ademais, a exigência de que falta seja grave, para que se reconheça a ruptura contratual por justa causa, não significa que deva ter havido real e efetivo prejuízo à parte contrária; o que se deve analisar é se o ato faltoso foi grave a tal ponto de romper a confiança existente entre as partes. A partir dessa concepção,

algumas hipóteses de justa causa, conforme se analisará, são reconhecidas com a constatação da mera tentativa.

5.3.6 “Non bis in idem”

O requisito do “non bis in idem” significa que ninguém pode ser responsabilizado ou culpado mais de uma vez pela mesma falta, ou seja, assim como no direito penal, o direito do trabalho não autoriza que seja imposta, ao empregado, dupla punição em face de um mesmo ato; para cada falta cometida, somente poderá haver uma penalidade.

Bernades (apud FURTADO, 1997, p. 64) expõe que:

Não pode ocorrer é aplicação de uma penalidade leve, seguida de outra mais grave, isto é obstado pelo princípio que chamamos de exaustão, segundo o qual a pena, qualquer que seja, exaure a capacidade punitiva do agente, tornando ilegítima qualquer outra sanção pelos mesmos fatos.

Todavia, a vedação da não aplicação de mais de uma penalidade não impede que o empregador atenue a pena aplicada ao empregado. Poderá, dessa forma, após ter suspendido o empregado, verificar que esta penalidade não guarda proporcionalidade com o ato cometido e comutá-la em advertência.

Furtado (1997, p. 65) adverte que:

Deve-se ressaltar que a comutação é a substituição, devendo o empregador ter cuidado para que, bem intencionado que seja, não venha a cair nas malhas do bis in idem. Assim, se por conta de determinado ato faltoso praticado pelo trabalhador o empregador adota pena de suspensão, e, empós, verifica que o ato do obreiro

não fora da envergadura que imaginara, nem trouxera a monta de prejuízo calculado a priori, poderá comutar a pena de suspensão pela de advertência.

Ainda de acordo com o referido autor, excepcionalmente, todavia, poder-se-á autorizar a modificação de uma pena mais leve para outra mais rígida, quando:

No iter de prescrutação do ato faltoso, o empregador já tenha adotado medida punitiva mais leve, entendendo, por exemplo, que o trabalhador fora apenas desidioso, e acaba por constatar que sua conduta foi eivada de improbidade, optando pela substituição da pena de suspensão pela adoção do desate contratual por justa causa. (FURTADO 1997, p. 64)

Apesar de Furtado (1997, p. 64) fazer ressalva que o “o interregno entre a aplicação da primeira pena e a posterior substituição pela segunda há de ser tão pequeno, a ponto de não caracterizar (...) a figura do bis in idem” entendemos que, não há como excepcionar a vedação do non bis idem, pois, conforme já analisado, o princípio da imediatidade não significa instantaneidade. Assim, se o empregador resolveu aplicar uma penalidade ao empregado faltoso antes de esgotar todas as medidas de persecução, não poderá alegar o desconhecimento de algum aspecto relacionado àquela falta cometida, para alterar a pena aplicada – deveria ter sido, pois, mais diligente antes de tomar qualquer atitude em virtude do seu poder disciplinar.

Não se veda, todavia, que, no curso do procedimento de investigação, o empregador tome ciência de novos fatos praticados pelo empregado e, com base nestes, aplique uma nova penalidade; nessa hipótese, ter-se-ão duas faltas independentes e duas penalidades, igualmente, diversas, relacionadas a fatos diversos.

Em relação às faltas reiteradas, a punição das anteriores possibilita o seu cômputo para que, na sua reiteração, a punição seja mais severa, sem que se cogite em bis in idem.

Cite-se, nesse sentido, a lição de Gérard, Jean e Alain (2004, 1010, p. 1010) “Si l´employeur ne peut pas sanctionner deux fois une même faute, il peut parfaitement, lorsque des faute de même nature se répètent, tenir compte des fautes antérieures pour sanctionner plus sévèrement la dernière faute comisse”.

Esclarece o referido autor, que a legislação francesa limita essa possibilidade às faltas cometidas nos últimos três anos. Assim, mesmo que haja reincidência do empregado no ato faltoso, as faltas cometidas há mais de três anos não poderão ser consideradas, como agravantes, na dosimetria da nova penalidade a lhe ser aplicada.

Apesar da vedação do bis in idem ser requisito tanto para a dispensa por justa causa, como da dispensa indireta, conforme Catharino (1982, p. 323) trata-se de um atributo mais apropriado daquele primeiro, pois:

O direito disciplinar é conferido ao empregador, em virtude da relação de emprego, „elemento da empresa‟, não o tendo o trabalhador subordinado. Mas o aspecto disciplinar (unilateral) não é o único a ser considerado, porquanto o empregador não pode ser responsabilizado por mais de uma vez pelo mesmo inadimplemento. Daí termos escrito „responsabilizado‟ e não „punido‟.

Não haverá, todavia, “bis in idem” caso o empregado, além de ser despedido por justa causa, sofrer alguma outra sanção de outra natureza, acumulando-as, mormente porque, conforme o art. 935, do Código Civil, a responsabilidade civil é independente da criminal.

Um empregado que exerça a função de motorista, caso dirija embriagado, poderá ser despedido por justa causa (art. 482, alínea “f”, da CLT), ter o veículo

retido até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do seu documento de habilitação (art. 165, do Código de Trânsito Brasileiro), além de responder pelo tipo penal previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro32.

Cumpre ressalvar que, o desconto dos dias de salário, quando o empregado é suspenso, não constitui dupla punição, pois inexiste – salvo exceção expressamente prevista em lei33 - no direito brasileiro a possibilidade de sanção pecuniária, ante o princípio da intangibilidade salarial34.

32“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

33 O art. 15, § 1º, da Lei 6.354/76, autorizava que o atleta profissional sofresse penalidade pecuniária. A referida lei foi revogada pela “Lei Pelé” (Lei nº 9.615/98). Evaristo de Moraes Filho entende que a legislação trabalhista, com base no art. 462, da CLT, implicitamente proibiu que o desconto salarial tivesse natureza de multa (MORAES FILHO, 1996, p. 130).

6 DIREITO DE SER INFORMADO NA RESCISÃO POR JUSTA-