• Nenhum resultado encontrado

EMPODERAMENTO – INSTRUMENTO DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL

“Na compreensão da história como possibilidade, o amanhã é problemático. Para que ele venha é

preciso que o construamos mediante a

transformação do hoje. Há possibilidades para diferentes amanhãs. A luta já não se reduz a retardar o que virá ou a assegurar sua chegada; é preciso reinventar o mundo. A educação é indispensável nessa reinvenção. Assumirmo-nos como sujeitos e objetos da história nos torna seres da decisão, da ruptura. Seres éticos.”

(FREIRE, 2000, p. 40)

“[...] a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude.”

(FREIRE, 1967, p. 94)

Giroux (2011) nos conta que a paixão de Freire pela educação e sua profunda humanidade o convenceu que ensinar não é um trabalho como qualquer outro, mas um espaço crucial de lutas. Acredito que todos aqueles que entram em contato com a obra de Freire é completamente envolvido por um sentimento de esperança e, ao mesmo tempo, por uma

vontade de vivenciar uma sociedade mais justa. Além disso, Giroux (2011) percebeu que qualquer risco assumido em prol da educação como meio de empoderamento para professores e alunos vale a pena. Na opinião deste pesquisador (Ibid.), o exemplo de Freire é mais importante agora do que nunca, à medida que instituições públicas e de ensino superior estão cercadas por forças neoliberais e conservadoras. Dessa maneira, para o autor, é imperativo que educadores conheçam o entendimento de Freire sobre o potencial democrático e empoderador da educação, ou seja, a pedagogia como prática de liberdade.

Como já se sabe, o pensamento freiriano defende que o ato de ensinar deve ir muito além de estar em sala de aula. “Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 61).Na verdade, é preciso perceber que a história está sendo construída e que se tem a chance de sensibilizar o outro e estimular não só a conquista do conhecimento, mas, sobretudo, o desejo em provocar mudanças significativas na vida das pessoas em prol de justiça social, diminuindo o grau de opressão a que estão, geralmente, submetidas. Nesse pormenor, conforme Guilherme (2002), a educação é o instrumento mais eficaz para promover a mudança e o progresso.

Educação, para Giroux (2011), é essencial para a democracia e nenhuma sociedade democrática pode sobreviver sem uma cultura formativa moldada por práticas pedagógicas capazes de criar condições para a formação de cidadãos críticos, auto reflexivos, informados e que estejam dispostos a fazer julgamentos morais e agir de modo socialmente responsável. Todavia, é crucial que tenhamos em mente que a educação pode colocar os aprendizes em contato com o pensamento crítico ou com a dependência à autoridade. Os alunos podem desenvolver hábitos cognitivos autônomos ou hábitos passivos no seguimento de ordens, esperando para ouvir o que podem fazer e o que as coisas significam (SHOR, 1992). Assim, o que os estudantes precisam, de acordo com Shor (1992, p. 10), é “uma educação desafiadora de alta qualidade que os empodere como pensadores, comunicadores e cidadãos”53.

Consoante Freire e Shor (1986), o empoderamento diz respeito a uma autoemancipação, baseada numa compreensão individualista que enfatiza a dimensão psicossocial. Todavia, é relevante destacar que a concepção de Freire de empowerment, vai além da dimensão individual, pois o nosso educador acreditava que a libertação é um ato social, considerando inviável a autolibertação (FREIRE, 1986). Trata-se, na realidade, de um processo de ação coletiva que ocorre na interação entre os indivíduos e que tem como resultado um desequilíbrio nas relações de poder na sociedade (BAQUERO, 2012). Assim, o empoderamento individual é

fundamental, mas é necessário que este tenha relação com transformações sociais mais amplas e significativas, como defendem Freire e Shor (1986, p. 135):

Mesmo quando você se sente, individualmente, mais livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se você não é capaz de usar a sua liberdade recente para ajudar os outros a se libertarem através da transformação da sociedade, então você só está exercitando uma atitude individualista no sentido de

empowerment ou da liberdade.

Ainda de acordo com Giroux (2011), ao considerarmos a emancipação como práxis, perceberemos a inter-relação entre consciência histórica, pensamento crítico e comportamento emancipatório. Consoante Freire (1996), ensinar exige a certeza de que a mudança é possível e, para isso, é preciso conceber a História como possibilidade e não determinação. “O mundo não é. O mundo está sendo” (FREIRE, 1996, p. 46), e, nesse contexto, sou objeto e, ao mesmo tempo, sujeito da História.

Consequentemente, é preciso deixar claro que, numa perspectiva de educação crítica, “os educadores não podem ‘dar poder às pessoas’, mas podem torná-las capazes de aumentar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre suas vidas” (BAQUERO, 2012, p. 179). Sendo assim, o aluno deve ser sujeito ativo no desenvolvimento do seu empoderamento e não ser empoderado pelo professor que, nesse contexto, continuaria sendo o detentor do poder, o controlador das ações (BAQUERO, 2012). O processo de empoderamento é coletivo, “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 29).

Empoderamento compreende um processo de conscientização. Portanto, para Shor (1992), uma educação voltada para o empoderamento dos aprendizes refere-se a uma pedagogia crítica e democrática voltada para a mudança individual e social, que tem como meta relacionar crescimento pessoal com vida pública, desenvolvendo habilidades fortes, conhecimento acadêmico, hábitos de pesquisa e curiosidade crítica sobre sociedade, poder, desigualdade e mudança. Baseado nisso, Shor (1992) destaca que se trata de um programa centrado no aluno, todavia, deixa claro que empoderamento, neste caso, não significa que os estudantes podem fazer o que eles querem na sala de aula. Assim como os professores. Trata-se de um processo de negociação em que ambos têm autoridade mútua.

Em benefício de uma pedagogia voltada para o empoderamento, Shor (1992) propõe, portanto, uma agenda de valores, que envolve: participação, atmosfera afetiva, problematização, localização, multiculturalismo, diálogo, dissocialização, democracia,

pesquisa, interdisciplinaridade e ativismo. É indiscutível que a participação na escola e na sociedade é primordial para o aprendizado e para a democracia, desde que se tenha como propósito a construção de sentidos. Uma educação não participativa significa a exclusão de pessoas comuns das decisões políticas na sociedade. A partir de um currículo passivo e centrado no professor, em que os estudantes não praticam hábitos democráticos, eles terminam por aprender que a autoridade unilateral é normal dentro da sociedade. Assim, Shor (1992) defende que educação em prol do empoderamento não é algo produzido pelos professores para os estudantes, mas algo desenvolvido com a cooperação destes e com a liderança de um docente crítico e democrático.

Nesse sentido, o que diferencia uma pedagogia tradicional de uma pedagogia de empoderamento tem a ver também com os sentimentos positivos e negativos que o aluno desenvolve a partir do processo de ensino (SHOR, 1992). É indiscutível que se as ações e diálogos propostos em sala de aula conseguem, de certa maneira, envolver os alunos em emoções positivas, haverá, certamente, influência na sua participação e, consequentemente, no seu aprendizado.

Além das questões que envolvem valores participativos e afetivos na prática pedagógica de um programa voltado para o empoderamento, Shor (1992) destaca que o aprendizado deve ser baseado em questões problematizadoras, localizadas e multiculturais, o que significa um currículo centrado no aluno com foco na construção do conhecimento e não da sua memorização. No modelo freiriano de aprendizado crítico, o professor é visto como um

problem-poser (apresentador de problemas/questões) que lidera o diálogo em sala, e problem- posing (provocação de problemas/questões) é ele mesmo um sinônimo de pedagogia, opondo-

se ao modelo de ‘educação bancária’, tão criticado por Freire. Para isso, o educador chama a atenção que temas e palavras do dia a dia dos alunos são recursos significativos numa perspectiva problematizadora. O objetivo é aliar o pensamento crítico à vida cotidiana, a partir da análise e reflexão de temas que fazem parte da realidade dos educandos e do desenvolvimento de um discurso fruto da diversidade cultural estudantil. Dessa forma, fica claro o caráter dialógico que envolve uma educação empoderadora, sendo o diálogo, considerado por Shor (1992), o coração do método.

O diálogo crítico se opõe a todos os mecanismos que sustentam a desigualdade. Na ótica de Shor (1992, p. 111), uma

[...] educação dialógica pode não mudar a desigualdade na sociedade ou garantir o sucesso no mercado de trabalho. Mas pode mudar a experiência de aprendizado dos estudantes, encorajando-os a aprender mais e a desenvolver

poderes intelectuais e afetivos a fim de pensar sobre a transformação da sociedade54.

Quando o diálogo crítico acontece, com base no pensamento freiriano, Shor (Ibid.) acredita que professores e alunos reinventam a maneira como se relacionam e se comunicam, num discurso dialógico mútuo. O que, segundo o pesquisador, é o que ele denomina de “terceiro idioma”, diferente dos discursos trazidos para a sala de aula por cada um dos envolvidos no processo.

Assim, nesse contexto dialógico, Shor (1992) destaca um outro valor muito significativo numa educação empoderadora: a dissocialização, que se refere ao questionamento das experiências e comportamentos na escola e na vida diária que nos tornam as pessoas que somos, ou seja, quando questionamos a socialização existente. Na verdade, não se trata apenas de questionar o conhecimento existente, mas de também reconhecer que a socialização e o currículo são um processo político de inclusão ou exclusão. E isso exige pensar criticamente sobre significados nada superficiais, implicações pessoais e as consequências sociais de qualquer conhecimento, o que, necessariamente, requer pesquisa. Então, se uma sala de aula democrática e crítica envolve análises profundas sobre os mais variados temas, isso coloca os aprendizes numa posição de pesquisadores ativos que também produzem sentido, e não numa posição de receptores passivos do conhecimento (SHOR, 1992). Uma educação crítica que vise ao empoderamento de seus educandos é apenas um exemplo de ativismo entre tantos outros que buscam questionar a situação vigente enquanto promove valores democráticos para o indivíduo e para a sociedade.

Considerando o contexto de ensino da LI, Rajagopalan (2005, p. 154) defende que cabe ao docente desta língua criar condições para o desenvolvimento do empoderamento de seus alunos a fim de que eles possam “dominar a língua estrangeira, em vez de ser dominado por ela”. Tal postura demonstra resistência e assume que a língua deve ser utilizada em prol dos interesses do falante e não do seu “suposto dono”. Na visão de Leffa (2005), é necessária a conscientização de que o aprendizado da LI pode ser considerado uma ameaça, visando à ‘colonização da mente’, mas também, um meio de libertação, quando busca a capacitação do indivíduo para resistir às imposições da cultura do outro, a fim de que se torne um ser crítico, conhecedor da sua identidade e do fato de que aprender a língua não significa assimilar a maneira de ser do outro. Na opinião de Jordão (2011, p. 246),

54 […] dialogic education cannot change inequality in society or guarantee success in the job market. But it can change the students’ experience of learning, encouraging them to learn more and to develop the intellectual and affective powers to think about transforming society.

A língua inglesa na escola pode se tornar um espaço de construção de cidadania participativa e oferecer a alunos e professores a possibilidade de construírem alternativas de posicionalidade na estrutura social, cultural e econômica (ideológica e política sempre) das comunidades interpretativas nas quais participam.

Apesar das discussões que consideram o empoderamento como algo significativo e essencial na formação de cidadãos críticos e ativos, também existem críticas a seu respeito. Johnston (1999, apud SIQUEIRA, 2008) ressalta que, mesmo com a utilização de abordagens críticas na prática pedagógica e o desenvolvimento dos aprendizes no que diz respeito ao empoderamento, os ambientes escolares são permanentemente marcados por relações desiguais de poder, sendo os professores os que ainda detêm a autoridade nesse contexto. Ellsworth (1989), citada por Siqueira (2008), por exemplo, argumenta que o empoderamento é um mito que conserva as relações de dominação. Para a pesquisadora, o empoderamento é visto de modo simplista pela PC, pois não apresenta um entendimento adequado de como promovê-lo ao ‘dar voz’ aos indivíduos, e promove uma ilusão de igualdade na medida em que mantém a relação autoritária entre o educador e o aprendiz.

Contudo, a partir da discussão apresentada neste tópico, podemos perceber que uma educação voltada para o empoderamento só se faz real se as relações de dominação forem questionadas e, de certa forma, superadas. A obra de Ira Shor, Empowering Education, publicada em 1992, traz uma ampla discussão sobre o tema, apresentando, inclusive, vários exemplos reais de cenários que mostram propostas de uma educação nessa perspectiva.

Na Tabela 10 a seguir, destaco o que Shor (1992) apresenta como paradigma zero na educação tradicional e o paradigma crítico em programas empoderadores.

Tabela 10 – Paradigmas educacionais apresentados por Shor (1992)

PARADIGMA ZERO PARADIGMA CRÍTICO

 Modelo deficiente dominante.

 Estudantes vistos como deficientes a serem providos com habilidades, palavras e fatos.  A cultura do aluno não é considerada.  Professores funcionam como fornecedor do

sistema na transmissão do conhecimento.  Principais meios de ensino: aulas seguidas

de perguntas, fichas, exames com perguntas curtas e atividades com livro texto.

 Cria uma divisão artificial entre professores e alunos, alunos e alunos, alunos e conhecimento e conhecimento e ação.  Apenas a memorização é requisitada.  A interação praticamente é nula.  Apoia a desigualdade cultural.

 Modelo igualitário, interativo e mútuo.  Defende que tanto professores e alunos

começam as aulas less than zero e more than

zero55 simultaneamente.

 Professores e estudantes são pessoas complexas numa posição em que podem produzir ou corromper o aprendizado transformativo.

 Respeita o conhecimento, a experiência e a língua do aluno.

 Empoderamento cultural.

 Não há busca pela unanimidade ou conformidade, as diferenças são discutidas cooperativamente.

Por fim, é preciso ressaltar que uma educação emancipadora não se trata de um caminho simples, mas, sobretudo, de um longo processo de desenvolvimento que envolve ação, reflexão, interesse, estudo e, também, paciência. Todo subalterno56 pode, e deve falar! Só precisamos

criar condições para a abertura do diálogo em cada sala de aula, permitindo que a realidade seja reconhecida, analisada, refletida e, como defende Shor (1992), que a dessocialização aconteça, possibilitando a proposição e a efetivação de possíveis transformações. Apesar da complexidade do processo, assim como Freire, acredito que estar na educação requer que o sentimento de esperança seja real em cada um da comunidade escolar.

55 ‘Less than zero’ significa que alguns valores tanto dos alunos quanto dos professores interferem no aprendizado

crítico. ‘More than zero’ significa que alguns de seus pensamentos e ações apoiam o empoderamento. (SHOR, 1992).

56 Para Spivak (2010), o termo subalterno refere-se às camadas mais baixas da sociedade, àqueles que são

excluídos, sem voz ativa na sociedade ou que não são ouvidos. Nesse contexto, chama a atenção para o fato de que o subalterno feminino se apresenta numa situação ainda mais obscura.