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4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.3 A EMPRESA FAMILIAR E SEUS DESDOBRAMENTOS

A empresa familiar pode ser observada de diversos ângulos e a partir de várias dimensões que são compostas pela propriedade, a família e a empresa (GERSICK et al, 1997). O arranjo organizacional da empresa em estudo é permeado por vários elementos que se atravessam na constituição da organização familiar e que servem de base para o sucesso ou o fracasso da empresa, constituindo a história dessa empresa e da família empresária.

4.3.1 A Família e a Empresa

A Treter caracteriza-se como uma empresa familiar, encontrando-se no estágio de maturidade na sua história de vida, sendo a renovação um dos pressupostos da nova gestão e que serão descritos no decorrer da pesquisa. É uma organização que teve parte significativa de sua trajetória as características das empresas do Proprietário Controlador, ou seja, primeiramente controlada por um dono e depois pelo casal, num período de 17 anos. A filha caçula entra na empresa em 1992 como funcionária e se torna sócia e em 1999 quando entra na gestão conjuntamente com os pais. Atualmente a empresa apresenta estágio da Sociedade entre Irmãos, pois os pais faleceram e o futuro da organização está sendo discutido entre os três herdeiros, porém a gestão continua sendo realizada pela filha caçula, que remete às características do Proprietário Controlador, porém com o suporte e apoio dos outros irmãos.

Na história da Treter, também é importante salientar que o desenvolvimento da família influenciou na trajetória da mesma. Em 2000 a filha caçula que trabalha na empresa casa. Seu cônjuge passa a ser sócio na organização também, mas nunca atuou na empresa. Ela opta em permanecer na empresa da família, enquanto seu marido vai morar em outra cidade em função de seu trabalho. A herdeira então faz a escolha em permanecer na organização abrindo mão de uma vida conjugal mais próxima. Em 2004, em função da programação da aposentadoria da mãe, um novo arranjo organizacional se projeta, entra na empresa a sobrinha que vem com o objetivo de assumir algumas das atividades da mesma na área de gestão de pessoas. Quando a mãe sai da empresa e se aposenta, a filha caçula assume mais responsabilidades na gestão. O pai permanece na empresa até 2007 quando adoece e para de trabalhar. É um momento crítico que marca o término do ciclo do controle da geração anterior.

Também é importante mencionar os estágios de desenvolvimento da família, caracterizados pela distribuição do poder na empresa. Na Treter o padrão tradicional de autoridade e poder apresentava uma hierarquia: o marido/pai no controle, a esposa/mãe como parceira de apoio e a filha como aprendiz (GERSICK et al., 1997). Esse cenário persistiu até a saída da mãe em 2005, quando a filha assume responsabilidades de gestão mais efetivas e consolida sua posição na organização. Nesse momento outro desafio se apresenta: o processo separação-individuação da filha que caminha junto com o envelhecimento dos pais e o processo sucessório.

4.3.2 A Evolução do Processo Sucessório

O processo sucessório normalmente é uma tarefa nada fácil para as pessoas envolvidas das diferentes gerações na empresa familiar. Normalmente os herdeiros não assumem a empresa de uma hora para outra. O mesmo ocorreu na empresa em estudo. A herdeira passou por vários estágios diferenciados até assumir a gestão. Ela entra na empresa no estágio funcional quando ainda cursava a graduação em Administração. Suas primeiras responsabilidades na empresa dos pais era um trabalho operacional de cobrança e banco. Depois passa para o estágio funcional avançado, quando assume algumas atividades de gestão juntamente com seus pais. Quando a mãe se aposenta assume praticamente a gestão concluindo então o processo maduro de sucessão (GERSICK et al, 1997).

Foi um processo longo, que durou mais de dez anos, o que demonstra a complexidade que esse processo apresenta.

A sucessão não foi programada, conforme aconteceu a evolução da empresa e o envelhecimento dos meus pais. No inicio bastante conturbado, tive que provar para meu pai que eu era capaz, tive que fazer as coisa acontecerem para ele começar a confiar em mim. Enquanto eu estava no feijão e arroz que ele dominava ele não soltava as rédeas. Quando eu comecei a inovar e ele não tinha alcance, introduzi novos conceitos de gestão, que não era o dia a dia do pai da mãe daí ele começou devagarzinho a confiar e delegar, eu ai fui assumindo cada vez mais a empresa. A gente discordava em muitas coisas, opiniões diferentes inclusive nas compras (G).

Essa narrativa da gestora reforça as questões significativas que envolvem o processo sucessório com seus dilemas e mudanças no ambiente de trabalho e se referem ao novo papel exercido pela herdeira. Mudanças que implicam em novos papéis, tanto para ela, quanto para o pai e mãe. O fato de o pai ser autoritário e controlador, buscando preservar seu espaço e não aceitar que a filha desafiasse seu poder e seu comando, também foi um fator determinante para que o processo sucessório fosse lento e gradual. Pode-se considerar esse o primeiro nível do duelo, no qual o dilema do sucedido (pai) na dificuldade em transmitir e consolidar o poder é um fator importante no processo sucessório (LEONE, 2005). Essa questão também é reforçada pela fala da colaboradora que afirma:

A lembrança que eu tenho é que o seu R. não gostava muito de mudanças e a S. trazia as ideias, haviam atritos em função disso. No Programa 8’S foi difícil ter que mudar muita coisa (C3).

Somente com a introdução de uma gestão mais moderna com novas práticas que a filha traz de sua formação, o pai permite, já que não há alternativa, que ela se aproprie lentamente dos espaços de gestão. O pai começa perder o controle e necessariamente precisa começar a apostar na competência da filha.

Me senti mais segura, lá em 1997 quando a gente começou a fazer a reforma, a compra do computador, lista de preços com código. Quando comecei a inovar fazer a coisa mais moderna, inovação tecnológica, o pai começou a ser mais dependente ai não dava mais conta de tudo, começou a precisar de ajuda (G).

A empresa a partir desse momento começa a tomar outro rumo, pois com essas mudanças, introdução de tecnologia, a filha mostra que estava preparada a assumir a gestão, apesar de muitas vezes existirem conflitos entre pai e filha, já que havia formas peculiares e diferenciadas de cada um ver o negócio da família. Foi uma relação turbulenta e conflituosa, entre pai e filha, pois Leach citado por Garcia (2001) aponta que a relação pai e filha na maioria das vezes é mais tranquila e não representa ameaça, o que não ocorreu nessa empresa em estudo, no qual o processo sucessório foi permeado por conflitos e duelos.

O convívio com os pais foi fundamental para que a gestora desenvolvesse várias competências, que foram repassadas no tempo em que ela trabalhou com os pais.

Aprendi muita coisa, porque a iniciação na minha vida profissional foi com eles, desde atender e a parte técnica aprendi com eles, toda parte de serviço de banco, responsabilidade, como lidar com as pessoas. Aprendi a fazer as compras. O que eu não faria deixar produtos prontos para a venda, e que se deve colocar tudo no papel, tem que estar oficializado, estabelecer regras (não confiar nas pessoas quanto a pagamento, deixar tudo documentado). Aprendi valores: humildade, honestidade, transparência que foi repassado para a vida profissional (G).

Essas competências inicialmente podem ser percebidas como valores repassados pelos seus pais, mas que se transformaram em competências individuais e organizacionais, já que toda a empresa familiar traz através das gerações os valores de seus fundadores (GRZYBOVSKI, 2007). A gestão atual tem sua prática sustentada pela aprendizagem de conhecimentos técnicos, a capacidade de negociação, humildade, habilidades interpessoais e a responsabilidade recebida pelos pais. No momento que a organização mantém valores que com o tempo se tornam competências, a imortalidade dos fundadores se consolida através da perpetuação dos mesmos e de seus ensinamentos os quais passam a fazer parte da cultura organizacional também (MORGAN, 1996). Mas, além desse arcabouço de conhecimentos,

habilidades e atitudes herdadas a gestora também agrega novas competências que considera necessárias incorporar para que sua gestão se adequasse ao cenário atual no qual a organização está inserida.

Tem muito forte na cultura da empresa a honestidade, Não concordo em entregar um produto que não esteja bem feito, meu pai dizia: vamos ver se passa assim. Outra coisa é o fiado, a ficha. Hoje é cheque, cartão, boleto. Evoluímos também quanto a inovação, buscamos fazer as coisas cada vez mais qualificadas e com mais tecnologia. O pai queria entregar produtos de qualidade, mas a inovação não andava junto. Antigamente se fazia muito estoque, hoje em dia não se faz mais tanto estoque, até por que muda muito ligeiro e antigamente não tinha uma diversidade de materiais como hoje em dia, o que dificulta mais na compra. Além da variedade existe a questão do preço e da qualidade, por que no conceito do pai era fazer tudo do bom e do melhor pro cliente. Hoje tem que fazer um produto que caiba no bolso do cliente (G).

Novos paradigmas organizacionais de gestão começam a fazer parte da Treter, novas leituras do cenário e do contexto em que a empresa está inserida são realizadas indo ao encontro da necessidade de adaptação da organização a uma realidade complexa, incerta e instável (BAUER, 1999, MORIN 2003). Pode-se afirmar que a capacidade de análise dessa realidade é fundamental para que a organização se adapte e crie estratégias de sobrevivência (MINTZBERG, AHLSTRAND, e LAMPEL 2000). A empresa busca novas formas de relacionamento com os clientes, investe em inovação na compra de máquinas de solda, que hoje ainda é um diferencial na região; muda sua forma de comprar materiais e busca atender as mais variadas demandas de seus clientes com uma ampla variedade de materiais.

Partindo da análise da Treter como uma empresa familiar pode-se ressaltar:

A partir das características da Treter como empresa familiar, se pode apontar a singularidade dessa organização e seus contornos em relação a seus processos gerenciais, culturais, sucessórios e a manutenção da sua sobrevivência. Essa leitura permite a compreensão da evolução da empresa revelando o grau de influência do campo familiar, profissional, organizacional e afetivo sobre o domínio organizacional, o que caracteriza de forma única essa organização.

4.4 O MODELO DE GESTÃO MEDIANTE A PERSPECTIVA SISTÊMICO-