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4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA

4.2 OS FENÔMENOS ORGANIZACIONAIS DA TRETER

A Treter enquanto organização com seus fenômenos complexos e paradoxais pode ser compreendida de muitas maneiras diferentes. A partir dessa concepção, as metáforas são um artifício para compreender as organizações de forma específica, as quais exploram e implicam um modo de pensar e uma forma de ver e compreender o funcionamento organizacional da empresa em estudo (MORGAN, 1996).

Assim, mais que definir a organização através da visão das pessoas que fazem parte dela, faz-se necessário enfatizar que a diversidade humana e a subjetividade devem ser consideradas já que elas compõem e dinamizam o mundo organizacional. Portanto, ler a realidade organizacional é fundamental para responder aos mais diferentes cenários complexos, divergentes e contraditórios em que a empresa está inserida.

Uma organização pode ser vista de forma diferente por seus vários atores sociais, pois cada pessoa vê o mundo por meio das lentes específicas de sua própria experiência. Os

processos cognitivos geram representações que implicam em uma construção da realidade e nesse sentido o pensamento desempenha importante papel na construção do comportamento individual (BASTOS, 2006).

É a partir da visão e da concepção que as pessoas que compõe a organização sinalizam que as estratégias e práticas organizacionais se consolidam, pois são essas concepções que fundamentam e criam formas de sobrevivência organizacional, buscando uma adaptação ao mundo interno e externo da empresa. A gestora afirma:

Hoje vejo uma grande interação das partes, mudanças numa velocidade cada vez maior tanto dentro como fora da empresa: colaboradores, fornecedores, mercado, clientes, economia, oportunidades; e a empresa tendo que se adaptar a isso.

Essa visão organizacional evoca a metáfora de Morgan (1996) na qual a Treter pode ser vista como um organismo vivo que apresenta sistemas abertos enfatizando a necessidade de uma administração cuidadosa para equilibrar necessidades internas, assim como a adaptação a circunstâncias ambientais. É uma visão que afirma que a empresa é dinâmica, levando em consideração uma gama de variáveis complexas como: colaboradores, fornecedores, clientes, parceiros entre outros, que compõem a realidade organizacional, sendo necessário, a cada mudança perceber e compatibilizar os vários atores e segmentos que compõe esse universo. A gestora menciona os stakeholders que compõe o cenário que atua, pois todos são fundamentais para o sucesso organizacional (TEIXEIRA; ZACCARELLI, 2008).

Portanto, a Treter pode ser vista como um organismo vivo, mas que apresenta formatos que assinalam outros desdobramentos e metáforas que são inerentes a sua natureza também. Fazendo um recorte na história da empresa pode-se ressaltar o objetivo e a implementação do Programa de Qualidade 8`S na organização, a qual apresenta características associadas a uma visão organizacional mecanicista. A implementação desse programa foi um marco histórico, pois um processo de mudança é alavancado na Treter. É a partir dessa iniciativa que a empresa desenvolve e cria um novo contorno organizacional, preconizados por uma gestão na busca da inovação, da melhoria contínua e da aprendizagem organizacional.

A implantação e execução do Programa de Qualidade 8’S ocorreu para criar regras e formas de manter a empresa em ordem, facilitar o controle e auxiliar na otimização de tempo e espaço. Facilitar o planejamento, a organização, a coordenação, o comando e controle era o objetivo quando se optou em implementar esse programa. São concepções mecanicistas e controladoras que fazem parte da gestão organizacional em estudo, colocando em evidência as funções do administrador. Embora a imagem pode não ser explicita, fala-se de um conjunto de relações mecânicas, de maneira rotinizada, eficiente e previsível, que são características da metáfora das organizações vistas como máquinas, tendo a racionalização da estrutura administrativa e o gerenciamento do processo de trabalho como princípios fundamentais (MORGAN, 1996; MOTTA, 1986; MOTTA; VASCONCELOS 2006; FAYOL, 1990). Essas rotinas estabelecidas propiciaram que a Treter se adaptasse a uma realidade que exigisse um ambiente organizado, moderno e que contribuísse para a sobrevivência organizacional.

Com a implementação do Programa 8`S de qualidade é importante ressaltar que a empresa em estudo inicia uma mudança em sua cultura também, estabelecendo novas rotinas e um processo de aprendizagem e melhoria contínua. Isso ficou claro na narrativa dos colaboradores que vêem a implementação do programa como o início de um processo de mudança:

a empresa vem buscando a melhoria constante por isso, a implementação do Programa 8’S. É uma empresa que não se detém no passado (C3).

É dentro da perspectiva de sobrevivência que a organização buscou uma evolução em seus processos, no seu ambiente de trabalho e no desenvolvimento de pessoas.

A empresa está em constante evolução e melhorias: tanto em capacitação de pessoas, como nas máquinas e tecnologia, bem como novos materiais e tecidos. Preocupada em atender novos mercados, incrementando novos produtos. É importante também que está preocupada com o ser humano, preocupada em dar melhores condições de trabalho (C2).

Desse modo, os depoimentos apontam essa mudança de cultura, antes alicerçada na tradição, agora, buscando uma cultura de inovação e aprendizagem que deve ser compreendida também a partir dos diferentes sujeitos que estão inseridos nessa organização. A dimensão humana é fundamental quando se enfoca os desafios, a diversidade e a resistência à mudança, tanto em nível individual como grupal compostos por uma identidade social e permeados pela sua visão de mundo e valores (MORGAN, 1996).

A identidade social pode ser percebida no subgrupo que compõe a produção da Treter. As pessoas são todas de origem alemã e vindas do interior, o que dá uma unidade a esse grupo, pois elas têm a visão de mundo similar e a liderança que tem um papel importante nesse processo legitima e sustenta a cultura dando voz a esses atores. (MORGAN, 1996; MOTTA; VASCONCELOS, 2006). É na implementação dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), em que os grupos de melhoria desenvolveram projetos que favoreceram principalmente a melhoria no ambiente de trabalho, com a confecção de mesas novas, reorganização da parte elétrica e na organização de espaços. Pode-se afirmar que esse grupo se fortalece e cria uma identidade mais forte, incorporando uma cultura de melhoria e de inovação. Portanto, a organização, também pode ser vista como uma cultura na qual as pessoas constroem o sentido de sua ação e também buscam a coerência e a compreensão enquanto grupo, trocando informações, influenciando-se mutuamente e construindo em conjunto o sentido da sua ação coletiva (MORGAN, 1996; ABRANTES, 2001). É nesse processo que a realidade social dá suporte à realidade psíquica, em que as subjetividades afloram e as relações se fortalecem (CHANLAT, 1996).

Quanto à cultura, também é importante mencionar que houve mudanças quanto aos aspectos de organização, melhorias de processos e de estrutura organizacionais, porém os valores como honestidade, transparência com os clientes, colaboradores e fornecedores manteve-se desde a criação da empresa, passados de geração a geração, o que de alguma forma imortaliza seus antepassados que acabam sendo sempre lembrados como bem ilustra a fala descrita a seguir.

Aprendi muita coisa com meus pais, valores como: humildade, honestidade, transparência que foi repassado para a vida profissional. Um dia é da caça e outro do caçador: o pai dizia que um dia se pesca um lambari e no outro um dourado. Um dia se vende bem e no outro menos, num dia se vende algo melhor para o cliente e outro uma coisa menor. Não é porque o cliente quer uma coisa menor que não vamos atender bem, devemos solucionar o problema do cliente (G).

Os valores passados pelos fundadores fazem parte da cultura organizacional, que permeiam a vida organizacional até os dias atuais. Isso se afirma com a forma que a organização se relaciona com seus colaboradores e clientes, mantendo frente ao mercado um conceito de empresa sólida, honesta e que trabalha com produtos de qualidade.

Quando se aborda a questão da aprendizagem e da inovação pode-se não só alavancar um processo de mudança de cultura, mas enfocar uma organização que se desafia constantemente. A empresa pode ser vista a partir da metáfora da lógica e da mudança, caracterizando uma organização em mudança e transformação. Nesse sentido a Treter busca através de melhoria continuada manter sua identidade e sua auto-referência, desenvolvendo uma conexão entre todos os sistemas: estrutural, gerencial e humano, estabelecendo um sentido relacional entre as partes. Pode-se compreender que a inovação e a mudança caminham juntas; é um processo complexo e que afeta a organização como um todo, considerando a inovação, a melhoria organizacional e o replanejamento como um processo adaptativo e de aprendizagem da Treter ( MOHRMAN, MOHRMAN, 1995; ANTONELLO, 2005; MOTTA, 2001; MORGAN 1996).

Um colaborador ilustra essa afirmativa:

a empresa busca constante evolução e melhorias: tanto em capacitação de pessoas, como nas máquinas e tecnologia, bem como novos materiais (C2).

Esse processo iniciou com a implantação do Programa de Qualidade 8’S que num primeiro momento transformou uma realidade e ofereceu um novo formato organizacional, buscando desafiar e transformar a empresa em todas os seus sistemas e dimensões e que ao mesmo tempo, mantém alguns valores que fazem parte da cultura com o objetivo de adaptação ao mercado do agronegócio no qual está inserida. A gestora também contribui quando menciona:

Vejo que somos refém, não conseguimos usufruir disso tudo, e já temos que mudar novamente. Para permanecer no mercado ou tu caminha ou estagna e morre. Se ficar na acomodação, tu já é considerado morto ( G).

Essa fala confirma a necessidade da empresa estar em constante vigília em relação ao ambiente externo, bem como aos arranjos internos, pois a mudança, o replanejamento, a aprendizagem e a inovação deverão ser processos constantes na sobrevivência da Treter, como premissas de sustentação da gestão atual.

Assim, os aspectos organizacionais na empresa se apresentam muitas vezes como elementos que se complementam, e outras vezes são paradoxais (MORGAN, 1996). Os fenômenos organizacionais mais significativos estão ilustrados na figura a seguir:

Figura 11: Fenômenos organizacionais da Treter

A compreensão organizacional através das metáforas de Morgan (1996) e de outros teóricos mencionados no capítulo três aqui relembrados, serve como subsídio para a leitura dos fenômenos organizacionais que são fundamentais para compreender, gerir e conceber a Treter. Ao usar metáforas o autor encoraja a uma reflexão a respeito de situações a partir de diferentes perspectivas e compreender que as metáforas são teorias ou arcabouços conceituais que estão conectados diretamente à prática e à ação da Treter. Reconhecer a leitura de situações de diferentes pontos de vista caracteriza a organização na sua complexidade, permitindo novas soluções que possam emergir a partir de uma análise organizacional mais ampla.