• Nenhum resultado encontrado

Os cientistas sociais têm auxiliado muito quando se busca uma compreensão do ser humano nas organizações e suas diferentes concepções que foram evoluindo do decorrer da história. Ramos (1984) aponta para a importância da compreensão de como as circunstâncias sociais contemporâneas estão afetando cada indivíduo e, por conseqüência, as organizações.1

Para a compreensão desse modelo de homem faz-se necessário uma retomada de outros modelos descritos por Ramos (1984) iniciando com o homem operacional e depois com o modelo do homem reativo.

Na teoria administrativa, o homem operacional é definido também como o homo

economicus usado na economia clássica. Para o autor a validade do homem operacional tem

sido aceita sem questionamento. Ele tem sido considerado um recurso organizacional a ser maximizado em termos de produto físico mensurável que implica em sete pressupostos:

(1) um método autoritário de alocação de recursos, no qual o trabalhador é visto como um ser passivo que deve ser programado por especialistas para atuar dentro da organização; (2) uma concepção de treinamento como uma técnica destinada a “ajustar” o indivíduo aos imperativos da maximização da produção; (3) a visão de que o homem é calculista, motivado por recompensas materiais e econômicas e, enquanto trabalhador, um ser psicologicamente isolado e independente de outros indivíduos; (4) a crença de que a administração e a teoria administrativa são imparciais, isentas ou neutras; (5) uma indiferença sistemática às premissas éticas e de valor do ambiente externo; (6) o ponto de vista de que questões de liberdade pessoal são estranhas ao design organizacional; (7) a convicção de que o trabalho é essencialmente um adiamento da satisfação (RAMOS, 1984, p. 4).

Nesse modelo, pode-se afirmar que o ser humano é visto como ser simples, previsível e controlável, cujo comportamento não variava muito. Egoísta e utilitarista em seus propósitos, visto como quem através de retorno financeiro satisfaz todas as suas necessidades. É a visão unidimensional do indivíduo, que de acordo com Tenório (2000), a racionalidade instrumental é um fator inibidor da emancipação do homem, percebendo a tecnificação do mesmo e sua unidimensionalização.

1 Para a compreensão das dimensões e concepções do ser humano será utilizado o referencial teórico de Ramos

(1981, 1984, 2004) que utiliza a expressão modelo de homem. Porém, no capítulo quatro que descreve a análise dos resultados essa expressão (modelo de homem) será substituída por concepção de ser humano: mais ampla e abrangente, considerando o masculino e o feminino.

Porém essa concepção de homem foi substituída por uma nova alternativa através da Escola de Relações Humanas, que via o ser humano como um ser mais complexo do que supunham os teóricos tradicionais. Em contraste com os operacionalistas, os humanistas tinham uma visão mais sofisticada sobre a natureza da motivação humana; não negligenciavam o ambiente social externo da organização e, por isso, definiam a organização como um sistema social aberto. Também não desconsideravam o papel desempenhado por valores, sentimentos e atitudes sobre o processo de produção que é inerente ao ser humano. O modelo de homem desenvolvido pelos humanistas pode ser chamado de homem reativo (RAMOS, 1984).

Para Motta e Vasconcelos (2006) a Escola de Relações Humanas passa a valorizar mais a compreensão dos fatores afetivos e psicológicos no ambiente de trabalho, reconhecendo a complexidade do comportamento humano influenciado por outros fatores de ordem social e afetiva e não somente estímulos econômicos, introduzindo então o conceito de

homo socialis. De acordo com Ramos (1984), embora os humanistas fossem bem mais

preocupados com os trabalhadores e mais informados sobre suas motivações, os objetivos buscados não foram realmente alterados. O ser humano é considerado um ser passivo, que reage de forma padronizada aos estímulos aos quais eles são submetidos. Condicionado pelo sistema social. O principal objetivo era o ajustamento do indivíduo ao contexto de trabalho e não seu crescimento individual.

Por mais que essas duas visões de homem pareçam ultrapassadas, muitas organizações ainda as utilizam, principalmente aquelas que Morgan (1996) traduz como as organizações vistas como máquinas ou burocráticas. No entanto, alguns aspectos organizacionais que até então tinham pouco repercussão começam a receber um novo contorno. Ramos (1981) afirma que a partir da década de 80 começou a se dar mais atenção ao processo do que à estrutura; às tarefas do que às rotinas, um novo olhar para a gestão participativa. O ambiente é mais do que nunca uma preocupação central, o que até certo ponto explica a influência atual das abordagens sistêmicas. Já houve avanços consideráveis, porém ainda não suficientes para as organizações deixarem sua postura reativa, ou seja, estas organizações são testadas quanto à sua capacidade de responder de modo não crítico às flutuações que ocorrem em seu ambiente; elas não são testadas quanto à sua capacidade para assumir responsabilidade pelos padrões de qualidade e pelas prioridades desse mesmo ambiente. Desta maneira as pessoas ainda são vistas como insumos, recursos desfocados de uma visão ética e valorativa equivocada.

Ramos (2004) defende que existe uma racionalidade cujos padrões nada têm a ver com o comportamento administrativo. Esta racionalidade é chamada de substantiva e noética, é um atributo intrínseco do indivíduo enquanto uma criatura de razão, e jamais pode ser entendida como dizendo respeito à qualquer organização. Ela não se relaciona sistematicamente com coordenação de meios e fins, do ponto de vista de eficiência. Ela deriva de imperativos imanentes à razão em si, entendida como uma faculdade específica do indivíduo que impede a obediência cega a requisitos de eficiência.

Substancialmente racional é todo o ato intrinsecamente inteligente, que se baseia num conhecimento lúdico e autônomo das relações entre os fatos. Ato de domínio de impulsos, sentimentos e emoções, preconceitos e de outros fatores que perturbam a visão e o entendimento da realidade, o ato praticado sob o domínio da racionalidade substancial vincula-se à preocupação em resguardar a liberdade (RAMOS, 2004, p. 73).

Assim, propõe-se que a organização e seus líderes possam julgar se um comportamento é racionalmente instrumental para suas metas, mas jamais sua adequação à racionalidade noética. Na verdade, é privilégio da racionalidade noética julgar a organização, ou seja, a razão instrumental está vinculada a toda prática, a sistemas, a processos que possam otimizar os resultados, mas que jamais poderá controlar e saber o que se passa na cabeça das pessoas, o que lhe dá um caráter substancial e basicamente humano.

Frente a uma nova realidade organizacional que se apresenta cada vez mais a exigência sobre o ser humano se intensifica. As demandas organizacionais na contemporaneidade exigem uma pessoa altamente crítica, autônoma e capaz de seu autogerenciamento. Nessa concepção se insere um novo conceito de ser humano: o homem parentético, que “possui uma consciência crítica altamente desenvolvida sobre as premissas de valor latentemente presentes em seu dia-a-dia. De fato, o adjetivo “parentético” deriva da noção de Husserl de “suspensão”, de estar “entre parênteses” (RAMOS, 1984).

O homem parentético consegue abstrair-se do fluir da vida diária, para examiná-lo e avaliá-lo como um espectador. Ele é capaz de distanciar-se do meio que lhe é familiar. Ele tenta deliberadamente romper suas raízes e ser um estranho em seu próprio meio social, de maneira a maximizar sua compreensão desse meio. Assim, a atitude parentética é definida como a capacidade psicológica do indivíduo de separar-se de suas circunstâncias internas e externas. Os homens parentéticos prosperam quando termina o período da ingenuidade social (RAMOS, 1984, p. 7).

O autor traz a concepção de ser humano que atualmente não é uma regra; mas sim, uma exceção. Precisa-se desenvolver no indivíduo a capacidade de se distanciar de seu mundo, de seu eu interior para que um olhar crítico e reflexivo ocorra em relação à realidade que o cerca. É um grande desafio, mas que hoje se faz presente no dia a dia e também nas práticas organizacionais. De acordo com Blanchard (2007) uma das práticas organizacionais que vai ao encontro desse modelo é o empoderamento que libera conhecimento, experiência e motivação das pessoas no ambiente organizacional, trazendo seu poder pessoal e repassando as pessoas a capacidade de decisões e gerenciamento de suas atividades, desenvolvendo o discernimento e a crítica na suas ações. Ramos (1984) afirma que o homem parentético na organização teria um grande senso de individualidade e uma forte compulsão por encontrar sentido para sua vida. Não aceitaria padrões de desempenho sem um senso crítico, embora possa ser um grande realizador quando lhe forem atribuídas tarefas criativas. Ele evitaria trabalhar apenas com o objetivo de fugir à apatia ou à indiferença, pois o comportamento passivo ofenderia seu senso de auto-estima e autonomia.

Para Ramos (1984) homem parentético se compromete eticamente com valores que o conduzem ao primado da razão no sentido integral, em sua vida social e particular. Em consequência, sua relação com o trabalho e com a organização é muito peculiar. Nesse sentido, Motta (2001) complementa afirmando que as mudanças organizacionais não virão pela inovação tecnológica, mas pelas novas imposições valorativas. Já avançaram os modelos relativos à qualidade, à consciência ecológica, à equidade, resgatando-se valores sobre a melhoria da vida humana como projeto tanto material, espiritual e ético.

Porém, Tenório (2000) assinala que ainda é muito cedo acreditar que no Brasil contemporâneo, uma nova trajetória de gestão ocorra efetivamente em curto prazo, pois a cultura gerencial autoritária é um dos elementos que impedem o desenvolvimento do paradigma da flexibilização organizacional, sendo necessário uma nova ordem no que tange o relacional entre a administração e a mão de obra. Para o autor, o pós-fordismo não é uma realidade, mas uma promessa, pois ainda caminha-se para o isolamento dos trabalhadores, transformando-os em mera força de trabalho. Assim, o autor propõe uma ação gerencial dialógica, na qual as ações sociais estejam voltadas para o entendimento no qual o mundo da vida não se submeta ao mundo do trabalho.

Portanto, o referencial teórico descrito neste capítulo tem como objetivo oferecer uma base teórica para a presente dissertação. O estudo bibliográfico realizado até o momento fornece subsídios para fundamentar a pesquisa em questão, que realizou-se em uma empresa familiar do Noroeste do RS, abordando as temáticas gênero e as concepções e práticas de gestão. No capítulo seguinte é abordada a metodologia que nortea a pesquisa empírica proposta, e seus desdobramentos quanto à análise e interpretação dos dados coletados.

A pesquisa em estudo empregou o método fenomenológico tanto para a coleta quanto para o tratamento dos dados. De acordo com Vergara (2004, p. 59) esse método:

permite conhecer as pessoas pessoalmente e ver como elas estão desenvolvendo sua própria visão de mundo. Possibilita explorar conceitos cujas essências estão perdidas em outras abordagens de pesquisa, tais como beleza, sofrimento, confiança, dor, frustração, desejo, amor, a partir de suas definições de vivência por pessoas reais.

Este terceiro capítulo da pesquisa tem por objetivo apresentar os elementos metodológicos constituintes do processo de investigação, como forma de garantir a confiabilidade e o rigor científico do trabalho, na busca da construção ou refinamento dos conhecimentos acerca de organizações familiares e a questão do gênero nas práticas de gestão.