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Enade em faculdades privadas: quais críticas são formuladas pelas próprias?

CURSO DE PEDAGOGIA

3.5 Unidades de significado: a construção da análise

3.5.3 Enade em faculdades privadas: quais críticas são formuladas pelas próprias?

Como já enfatizado, desde 2004, por ocasião de sua implantação, o Sinaes tem recebido muitas críticas por autores que o discutem sob diferentes nuances (BARREYRO, 2008; BITTENCOURT et al., 2010; DIAS SOBRINHO, 2008b, 2010; VERHINE e

DANTAS, 2005; WEBER, 2010; RODRIGUES e PEIXOTO, 2008; SANTOS, GUIMARÃES e RAMOS, 2010; SOUSA, 2009), sendo que o foco da maioria dessas críticas recai sobre a supervalorização do Enade em detrimento das demais dimensões propostas para esse sistema.

Também, em decorrência disso, cada vez mais as IES se mobilizam na direção de uma concepção de avaliação focada na busca de resultados, a partir do cumprimento de indicadores, em razão dos rankings estabelecidos por ocasião da divulgação de seus resultados (DIAS SOBRINHO, 2010a). Diante dessas e de outras críticas, nosso olhar foi dirigido para as instituições privadas de educação superior de menor porte que obtiveram nota cinco no Enade de 2008. Buscávamos perceber o sentido que o Enade tem para seus gestores, professores e alunos e se essas críticas são reconhecidas nos seus discursos.

As análises anteriormente apresentadas esclarecem que praticamente todos os sujeitos entrevistados das duas instituições reconhecem o Enade como indutor da qualidade, ou como sendo um instrumento com o qual se mede a qualidade da instituição, do curso ou da aprendizagem dos alunos.

Pela legitimidade e centralidade dessa prova, já percebidas nos discursos descritos e analisados, poucas críticas foram formuladas pelos sujeitos entrevistados. Uma delas, expressa por P1A e que se refere ao conteúdo da prova e à forma como foi exposta, parece ser mais uma observação no sentido de alterar a abordagem da prova, como uma forma de pressionar os cursos para se adequarem a estas mudanças.

[...] ele [Enade] precisaria focar mais especificamente alguns aspectos de formação desse aluno em termos, principalmente, do contexto da prática pedagógica, com questões mais voltadas para os aspectos metodológicos, para as questões mesmo de prática. Às vezes, as questões se concentram e perpassam pelas questões [áreas] muito teóricas.

Sabemos que a fundamentação teórica, às vezes, puxa muito mais para o aspecto do tratamento dessa informação e se estivesse voltado para o contexto da prática, da vivência do professor, forçaria muito mais o curso. (P1A, informação verbal)

É importante considerar a crítica deste professor no contexto da disciplina que leciona – Prática de Ensino –, visto que as observações que faz são em relação à quantidade insuficiente de itens contidos na prova referentes à prática pedagógica e às questões metodológicas. Na sua visão, se houvesse maior valorização dessas áreas na prova do Enade, isso forçaria os cursos a repensarem estas questões e a enriquecerem o currículo com a prática pedagógica e aspectos relacionados aos estágios.

Nos depoimentos dos sujeitos da FACAM, só localizamos duas críticas ao Enade. A primeira, já descrita, seria mais uma sugestão; a segunda, vinda de outro professor, se refere a sua limitação em poder captar aspectos da realidade:

O Enade funciona exatamente como um parâmetro, embora tenha algumas fragilidades, pois utiliza uma prova, que significa apenas um instrumento, em um dado momento, para avaliar todo o aprendizado ao longo de determinado tempo. Ao considerar um único instrumento, termina por configurar-se como uma avaliação tradicional. Como consequência, pode apresentar um resultado que não traduza bem a realidade. [...]

A explicação dessa argumentação pode ser dada através da seguinte metáfora: se você vai à minha casa me visitar, eu arrumo melhor a minha casa para a sua visita. Se eu sei que ninguém vai me visitar, eu fico à vontade, com uma roupinha mais light, não muito arrumada.

Isso é comum na nossa sociedade e no nosso comportamento cotidiano. Aliás, a gente vive muito em função do outro. Eu me visto para que o outro admire a minha performance, eu arrumo a minha casa para que me achem organizada. Quando a gente vai ser avaliada, a gente se arruma melhor, tem um pouco mais de cuidado. Por exemplo: o aluno vai estudar mais na época da prova, então, se não tivesse a prova, talvez ele estudasse menos. Desse modo, acredito que o resultado do Enade não é muito próximo do real, porque o real é multifacetado e para que a gente possa chegar mais perto dele tem que buscar vários aspectos. [...]

Então, eu entendo que o Enade é necessário, mas deveriam ser buscadas outras formas, outros instrumentos, além da prova, para apresentar uma representatividade maior do real. (P2A, informação verbal)

Para este professor, o Enade não dá conta de avaliar “todo o aprendizado ao longo de um determinado tempo” por meio de num único instrumento aplicado, em um momento estanque. Em sua visão, isso configura uma avaliação tradicional, que não dá conta de refletir a realidade. Ao apresentar a metáfora de que “nos arrumamos melhor quando recebemos visita”, sinaliza que o “preparo” para o Enade descaracteriza a possibilidade de ser captada a realidade de forma mais fiel. Ao mesmo tempo, evidencia que devem ser buscadas outras formas para se conhecer a realidade, embora não cite de que forma isso possa acontecer. Críticas semelhantes foram feitas por Verhine e Dantas (2005):

Entretanto, muito da promessa do Enade não pode ser atendido nas suas provas pelos limites que os instrumentos de lápis e papel, aplicados em uma única sessão, apresentam. De maneira geral, os testes contaram com 40 questões específicas e 10 de formação geral.

Claramente esse número de questões não é suficiente para cobrir toda a demanda do Enade, que continua a ser – como no caso do Provão – um teste para medir competências, conteúdo, e habilidades, e não compromissos e ações. E um teste muito maior não seria operacionalizável, visto que o aspecto cansaço poderia vir (p. 43).

O professor P2A também critica o Enade em sua limitação de avaliar a aprendizagem com um único instrumento, pois se torna restrito na captação da realidade. Todavia reconhece a sua importância e a necessidade deste exame como um parâmetro. Ao perceber o Enade como um meio de avaliar a aprendizagem, delega a ele uma função que não é sua. Neste ponto, é importante recuperar a que se propõe o Enade, conforme disposto na Portaria nº 2.051, de 9 de julho de 2004, no artigo 23 da seção III:

A avaliação do desempenho dos estudantes, que integra o sistema de avaliação de cursos e instituições, tem por objetivo acompanhar o processo de aprendizagem e o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para o ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas ligados à realidade brasileira e mundial e as outras áreas do conhecimento (BRASIL, 2009, p. 167).

Primeiramente, é importante esclarecer que o Enade se propõe, de acordo com seu documento orientador, a avaliar o desempenho dos estudantes e não a sua aprendizagem. Este documento deixa transparecer a crença de que a verificação da aprendizagem possibilita o monitoramento da aprendizagem do estudante, delegando a essa prova uma função que ela mesma não pode exercer pelas razões ou limitações levantadas tanto por P2A quanto por Verhine e Dantas (2005). Diferentemente, o professor P2B retificou sua percepção inicial de desconfiança da prova, passando para uma atitude de aceitação por ser semelhante àquela realizada no decorrer do curso.

Bom, inicialmente eu questionava. Como toda avaliação eu questionava a validade do Enade. É porque, querendo ou não, eu diria, a avaliação já é um tanto quanto subjetiva. Então, quando a gente pega um instrumento objetivo, fica meio que desconfiado, se é que eu possa dizer assim. Até que ponto é validado o resultado dessa avaliação? Será que não é o processo que é mais importante? Uma prova é capaz de avaliar? Enfim, mas por outro lado, a gente foi conhecendo o processo. Depois que começou, tive acesso a algumas avaliações e a gente foi percebendo a natureza do que era avaliado: aquilo que a gente já construía na avaliação processual e formativa da

instituição. (P2B, informação verbal)

A crítica fundamental desse professor é o fato do Enade ser um instrumento objetivo que pretende dar conta de aspectos tão subjetivos que envolvem o desenvolvimento de um profissional professor. Enfim, questiona a validade de uma única avaliação em detrimento do processo. O tempo verbal utilizado por P2B e a palavra inicialmente evidenciam que essa crítica já não faz parte de sua visão acerca do Enade, após conhecer melhor a natureza das

questões que, em sua opinião era semelhante ao estilo das provas aplicadas no curso, dentro do contexto da avaliação formativa proposta pela instituição. Esse professor questionava inicialmente a validade do Enade e, ao observar as questões, validou-o. Será que esta atitude foi decorrente das questões do exame serem semelhantes às de suas provas rotineiras ou porque seu curso tirou nota cinco? E se fosse o contrário, caso o conceito obtido fosse menor, o professor teria mudado de opinião? Ou ele legitimou a prova em função dos resultados?

Por outro lado, o professor P4B faz sua crítica em relação aos aspectos relacionados ao conteúdo das provas:

Agora, um dos pontos negativos que eu vejo que é que ela é muito geral para as especificidades de cada região. Esse é um dos pontos negativos. Ela é muito genérica e não respeita, de certa maneira, as individualidades locais. (P4B, informação verbal)

Para o referido docente, as particularidades de cada região não são respeitadas com uma prova única, igual para todos. Todavia, os alunos entrevistados no presente estudo não compartilham as críticas formuladas pelos professores:

O Enade é excelente. [...] Eu fui uma aluna que fiz o Enade, achei as avaliações muito bem elaboradas. (AC1A, informação verbal)

Eu não vejo nada contra. Só vai contribuir tanto com a formação do professor, no caso de Pedagogia, como no enriquecimento da prática, da metodologia dele. (AC2A, informação verbal)

Eu fiz a prova do Enade. Na verdade, até por uma questão pessoal de saber como a prova avalia a formação do estudante no decorrer dos quatro anos. Eu gostaria de saber como estava diante daquela avaliação e, assim, fiquei muito satisfeito com o resultado porque deu para perceber que realmente o meu esforço, o meu compromisso com a formação, acabou permitindo que eu obtivesse um bom resultado. Além do resultado do Enade, muitos alunos da nossa turma acabaram dois, três meses depois sendo aprovados em concursos. (AC1B, informação verbal)

E eu vi no Enade que havia um compromisso, um comprometimento muito grande da faculdade com a nossa formação, visto que não foi estranho nada do que estava mencionado nas provas aos conteúdos dados em sala de aula. (AC2B, informação verbal)

A totalidade dos alunos entrevistados não fez críticas à prova. Aceitam-na e a valorizam, demonstrando a legitimidade por ela adquirida no meio estudantil. Diante dos depoimentos colhidos e analisados, é razoável supor que isto possa estar relacionado à forma como as duas instituições privadas mobilizaram os estudantes para a execução da prova, esclarecendo a sua importância e a necessidade de participação deles, ainda que com uma finalidade não eminentemente formativa. Esta suposição ganha força à medida que

percebemos nas duas IES investigadas práticas de “preparação” para a prova do Enade, o que foi evidenciado, também, nos depoimentos de alguns dos sujeitos entrevistados, como indicado ao longo das análises deste trabalho.

Na visão do professor P3B, alguns alunos criticam o pouco tempo definido para a execução da prova:

A gente analisa que algumas críticas são feitas por alguns alunos em relação à forma como o Enade é feito em relação ao tempo. O tempo que o aluno tem para responder a questionamentos que são de fato complexos e que necessitam de uma reflexão é muito curto. [...] Nós estamos avaliando no dia-a-dia e o Ministério da Educação precisa de instrumentos que possam avaliar ou validar os cursos que são oferecidos pelas instituições. Desse modo, é necessário que, de fato, se construam instrumentos os mais eficientes possíveis. Eu acredito que o Enade não é perfeito, mas é um instrumento significativo para avaliar a qualidade de ensino das instituições do nosso país. (P3B, informação verbal)

Este professor evidencia a necessidade de instrumentos mais eficientes, pois acredita que o Enade não é perfeito, mas não indica nenhuma alternativa nessa direção e encerra sua fala valorizando-o como um instrumento significativo.

A outra crítica, feita pelo aluno AC1B, também não se refere ao conteúdo da prova ou a como ela é realizada, mas ao uso de seus resultados:

Após o resultado, o que é que realmente o governo faz de forma efetiva para que melhore [as instituições com notas baixas], ou que tonifique de alguma forma os resultados que são positivos? [...] Eu não sei o que é que o ministério faz, parece que notifica, dá um prazo para corrigir, mas eu não sei como isso se processa realmente. Eu acho que essa parte deve ser aprimorada. (AC1B, informação verbal)

Este depoimento de AC1B demonstra que este aluno conhece as medidas de regulação que o governo pode adotar após confirmação dos resultados da avaliação, mas assume uma postura de crítica, possivelmente advinda do desconhecimento ou da incerteza quanto a sua aplicação nos cursos que obtiveram notas baixas. O aluno sugere, em seu depoimento, que os resultados sejam utilizados para o aperfeiçoamento dos cursos que apresentaram fragilidades e, ao sugerir que governo “tonifique de alguma forma os resultados que são positivos”, pode estar sugerindo algum tipo de incentivo ou valorização para os cursos que apresentaram bons resultados.

Para melhor visualização, as críticas50pronunciadas pelos depoentes foram resumidas e organizadas no quadro a seguir:

Quadro 4 – Críticas dirigidas ao Enade

Sujeito Críticas ao Enade

P1A A prova precisa contemplar mais itens relacionados às práticas pedagógicas.

P2A Ser um único instrumento para avaliar todo o aprendizado ao longo de um determinado tempo. O resultado do Enade não reflete a realidade, pois há preparo para essa avaliação o que faz com que não reflita uma realidade que é multifacetada.

P2B Instrumento objetivo para se avaliar uma realidade subjetiva.

P4B O Enade é muito geral e não contempla as especificidades de cada região.

P3B O tempo definido para a prova ser respondida é pouco em função da complexidade dos itens

Quadro elaborado pela pesquisadora a partir das entrevistas realizadas.

À luz do exposto neste capítulo chegamos às seguintes conclusões, ainda que parciais:

 pela análise do número de críticas apresentadas, percebe-se que a maioria delas deriva do fato de o Enade ser uma avaliação em larga escala, elaborada para um público muito grande e em regiões muito diferenciadas, o que limita as possibilidades de atendimento da diversidade do público avaliado.

 Dos 13 sujeitos ouvidos pela pesquisa, representantes das duas instituições, somente 5 deles registraram alguma crítica ao Enade e, entre esses, há o depoimento de um professor que, ao utilizar o verbo no futuro do pretérito, sinaliza que não mais sustenta a mesma crítica. A descrição e análise dos discursos das duas primeiras unidades de significado em comparação com a terceira – relacionada às críticas apresentadas ao exame – nos levam a confirmar a legitimidade e hegemonia que o Enade, como componente do Sinaes, tem adquirido nas instituições privadas de pequeno porte, principalmente entre as que possuem bons resultados no exame.

50

Não foi inserida a última observação formulada pelo aluno AC1B por não se referir à prova em si, mas ao uso dos resultados, o que ao mesmo tempo que reflete um certo desconhecimento da realidade.

CAPÍTULO 4 RAZÕES PARA O CONCEITO CINCO NO ENADE: O QUE