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CAPÍTULO 1 A FENOMENOLOGIA COMO UM CAMINHO PARA A BUSCA DE RESPOSTAS AOS QUESTIONAMENTOS PESSOAIS E

1.3 O encontro com a Fenomenologia

A busca por responder aos meus questionamentos descritos no ítem anterior, me levaram a participar do processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB), vinculado à Linha de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação (PGE) e ao eixo Avaliação Institucional e suas implicações na gestão da educação superior, como forma de buscar essas respostas.

No decorrer do mestrado, a fenomenologia foi-me apresentada pelo orientador. Por meio de leituras, encontros teóricos e textos escritos, foi-me aos poucos sendo desvelada uma nova possibilidade de compreender o mundo, o homem e a educação, e essas trocas e aprendizagens, contribuíram para a percepção de mim mesma como pessoa e profissional da educação.

É por isso que, segundo Husserl (1990):

fenomenologia designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, fenomenologia designa um método e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método especificamente filosófico (p.46).

A Fenomenologia é uma forma de idealismo, pois lida com as ideias acerca dos objetos ou fenômenos que o ser humano estabelece em sua mente. Para esse autor (1995), o fenômeno é toda e qualquer percepção ou intuição. Dessa forma, o fenômeno é a reflexão do que se mostra, do que se apresenta. É o sentido que o sujeito, em sua consciência, dá para a

realidade percebida. Nas palavras de Husserl (2000), a fenomenologia é o nome que “designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas; mas ao mesmo tempo e acima de tudo, fenomenologia designa um método e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método especificamente filosófico.” (p. 46).

Entendemos que a fenomenologia é uma atitude mental, uma forma de se posicionar perante os fenômenos e compreendê-los despidos de ideias ou definições pré-concebidas.

Para Peixoto (2011), o método fenomenológico de Husserl se preocupa com a descrição de como o fenômeno se apresenta a consciência. Assim sendo, a realidade não é única, é construída socialmente e entendida em cada indivíduo como sendo o compreendido, o percebido ao seu próprio modo. Dessa forma cada um é respeitado em sua singularidade. Em razão disso, ela não é exata como as ciências exatas e empíricas, mas é rigorosa, sendo esta outra característica que será explicitada mais a frente.

Enquanto Aristóteles trouxe a essência das coisas para o mundo real, para os objetos, Husserl (1929) a retira do objeto e a coloca na mente do homem, pois a essência do objeto está nos sentidos que a mente atribui ao fenômeno – e esta atividade de um sujeito direcionada a um objeto é conhecimento. Uma das características desse conhecimento é a intencionalidade, o que nas palavras de Peixoto (2011)

[...] é um transcender, um dirigir-se à outra coisa que não seja a própria consciência. Por isso é vivência, é consciência e mundo. Seé vivência, o que é essa vivência? É toda visada ou ato de visar da consciência e seus correlatos. A todo conteúdo visado, a todo objeto (noema), há a correspondência de uma certa modalidade de consciência (noesis). A intencionalidade institui uma interação entre sujeito e objeto, o homem e o mundo,o pensamento e o ser, mostrando que todos os atos psíquicos, tudo o que acontece na mente visa um objeto, e nada ocorre no vazio (p. 493).

Na Fenomenologia, o sujeito é reconhecidamente importante no processo de construção do conhecimento, pois não há conhecimento sem um sujeito que pensa e, do mesmo modo, “todo

o estado de consciência em geral é, em si mesmo, consciência de qualquer coisa” (HUSSERL, 2001, p. 48).

Nesse método, o ser em si não se esconde atrás das aparências ou do fenômeno, mas a percepção do real só pode ser apreendida em perspectivas, em perfis. A essência do percebido não pode ser objeto da exploração exaustiva, mas sim de desvelamento progressivo. Dessa forma foi buscado, nesta pesquisa, compreender os significados do Enade para cada ator entrevistado. Que sentido tem para os gestores, professores e alunos, os conceitos do

Enade e os resultados obtidos no exame de 2008 e que razões contribuíram para esse resultado na percepção de cada um.

O estudo nos exigiu um exercício na direção da epoché, ou redução fenomenológica ou transcendental, que é a “suspensão do julgamento”, a neutralização da tese do mundo. Para Husserl (1929) epoché “é a inibição universal de todas as tomadas de posição frente ao mundo objetivo” (p. 6). Neste sentido o pesquisador fenomenológico deve assumir uma postura neutra frente ao objeto em estudo. Em paralelo,

Para Martins et al. (1990), a epoché fenomenológica é o suspender-se diante do fenômeno, das crenças referentes ao mundo natural, o que significa abandono de preconceitos e pressupostos em relação ao objeto da pesquisa, não no sentido de negar o mundo ou as experiências, mas sim, de refleti-los e questioná-los na busca da essência. Assim, depois de colocar o fenômeno entre parênteses, o pesquisador, procura descrever o fenômeno tão precisamente quanto possível, buscando exclusivamente aquilo que se mostra, analisando o fenômeno na sua estrutura e nas conexões intrínsecas (MARTINS, 1992, p. 56).

Essa suspensão por parte do pesquisador é o despojar de suas crenças, julgamentos e qualquer tipo de pressuposto/preconceito que possa ter. Isso exige do pesquisador uma constante autoanálise e avaliação de sua neutralidade ao lidar com o fenômeno e captar o sentido que os sujeitos lhe atribuem. Essa atitude de suspensão exige disciplina e constante autoanálise por parte do pesquisador, pois ao analisar as concepções dos sujeitos da pesquisa, mesmo sem perceber, corre o risco de projetar suas próprias concepções acerca do mesmo aspecto, ainda mais se a sua formação for semelhante à dos entrevistados (ABREU- BERNARDES; COSTA, 2011).

Como pesquisadora, esse foi o maior desafio deste estudo e precisei colocar em prática o que Depraz (2007) aconselha ao referir sobre a epochê de Husserl: é preciso instalar uma durável “atitude de permanente questionamento” (p.12). Não seria a negação de toda a verdade atribuída aos sentidos e às imagens, depreciando seu valor, mas a conversão da consciência quando ela suspende sua crença na realidade do mundo exterior19

para se colocar na pesquisa como consciência transcendental.

A redução eidética (eidos no grego quer dizer ideia ou essência) é defendida pelos fenomenologistas como um aspecto imprescindível para que a filosofia preencha os critérios de uma ciência rigorosa. Essa redução eidética consiste em separar os elementos empíricos

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Husserl (1991) não nega a realidade, a existência do mundo natural ao afirmar: “Eu tenho a consciência de um mundo que se estende sem fim no espaço, que tem e teve um desenvolvimento sem fim no tempo [...] descubro [o mundo] por uma intuição imediata, tenho experiência dele” (p. 37).

que dão qualidade ao objeto ou fenômeno, e deixá-los de lado para que o objeto ou fenômeno possa ser percebido em sua essência. Por exemplo: há triângulos grandes, pequenos, verdes, amarelos, com lados iguais ou desiguais. Esses são detalhes que precisam ser retirados para se encontrar a essência da ideia do triângulo, as características que permanecem inalteradas, no caso do triângulo: figura de três lados, o que Husserl chamou de o Invariante, pois na multiplicidade de variações de qualidades de um dado objeto ou fenômeno elas se mantém e estão em todos os triângulos.

Quando retiramos uma característica de um fenômeno e ele deixa de ser o que é, mexemos no seu eidos, quer dizer em sua essência. Se retirarmos algumas características desse fenômeno e mesmo assim ele se preservar, isso demonstra que essas características não fazem parte de sua essência.

A fenomenologia acredita que é preciso variar o olhar, os pontos de vistas sobre qualquer fenômeno ou objeto para captar o Invariante, que é a essência. O que interessa para esse método não é a existência ou não do fenômeno ou como ele existe, mas sim como a pessoa intui ou apreende imediatamente o conhecimento com o qual entra em contato. O objeto passa por um processo de descrição por parte da consciência e, nesse processo, é percebido o núcleo central invariante que permanece no decorrer de todas as variações imaginárias, definindo assim a essência do objeto, o sentido do ser do fenômeno.

Em resumo, o eixo central do conhecimento, “não está nos objetos, e sim no sujeito que interpreta, conhece e dá sentido ao mundo e aos fenômenos” (GAMBOA, 2007, p. 172). Em razão disso, o método fenomenológico exige um olhar mais aprofundado sobre quem fala, para captar a essência do sujeito e suas conexões com a realidade.

Esse olhar mais específico e mais a fundo se faz levando em consideração, durante a coleta de dados e principalmente na análise, o local de onde fala esse sujeito. Por que se expressa assim? Com que objetivo? Quais são suas crenças? Como e por que percebe assim? Dessa maneira, o pesquisador busca captar o eu transcendental dos atores envolvidos em sua pesquisa para além das coisas factualmente observáveis, dirigindo o olhar para o seu contexto e significado in loco.

Nesse contexto há relatividade das verdades consensuais, pois o que é aceito como verdade para um grupo num determinado contexto pode ser alterado e passar a ser outra verdade se analisado em outros tempos ou em outros ambientes, uma vez que esse método lida com as subjetividades do ser humano que nem sempre são reveladas e que precisam ser interpretadas.

A interpretação dos fenômenos se dá e é representada em um círculo hermenêutico: compreensão, interpretação e nova compreensão. Admitindo sempre a possibilidade de novos olhares e análises sobre o fenômeno pesquisado, com objetivo de captar a essência de um sujeito inacabado. A descoberta dessa essência pode começar a partir das aparências percebidas. Para isso, o pesquisador precisa se aproximar do objeto de estudo para conhecê-lo em profundidade, iniciando seu conhecimento acerca do fenômeno pelas partes e então passar à compreensão do todo (FORGHIERI, 1993).

Para que essa redução aconteça, é preciso que o olhar, a atenção dirigida ao mundo vivido, seja direcionado para o mundo interior, o que é uma ação complicada e difícil pelo fato de estarmos muito ligados aos interesses do cotidiano. Essa ação de mudança do foco é chamada de suspensão. É o momento do esperar o fenômeno se revelar sem ideias pré- concebidas, e esse é um grande desafio. Essa suspensão, por parte do pesquisador, é o despojar de suas crenças, julgamentos e qualquer tipo de pressuposto ou preconceito que possa ter, e de maneira a poder captar, perceber o sentido do fenômeno pesquisado para cada ator. Isso exige do pesquisador uma constante autoanálise e avaliação de sua neutralidade ao lidar com o fenômeno e captar o sentido que os sujeitos lhe atribuem. A redução implica uma mudança de atitude com relação ao mundo. Duvida-se primeiro para depois dar-se conta dele e, dessa forma, o mundo passa a ser revelado a partir de uma reestruturação interna do próprio indivíduo.

Merleau-Ponty (1945) diferia do pensamento de Husserl pois acreditava que para ver o mundo, e captá-lo em suas contradições, era preciso romper com nossa familiaridade com ele. Sua discordância é registrada ao afirmar que “o maior ensinamento da redução é a impossibilidade da redução completa.” (p. VII).

Este foi um aspecto da fenomenologia que me angustiou: como passar da atitude natural para a fenomenológica? Comecei a escrever a análise dos dados, mas, ainda presa a outros paradigmas, entrei em crise. Como buscar a essência em tantos sentidos que os sujeitos entrevistados atribuíam ao objeto em estudo? Como organizá-los? Uma enorme insegurança intelectual me abateu, travei e não conseguia avançar até decidir compartilhar esse desequilíbrio com meu orientador que me acolheu, entendeu meu momento de crise e, a partir de reflexões em conjunto, sinalizou-me uma direção. A partir de perguntas que me fazia, me ajudou a reelaborar as unidades de significado levantadas com base nas entrevistas, as quais objetivavam compreender a essência do significado do Enade e as percepções sobre os resultados obtidos a partir das experiências, do seu mundo vivido (Lebenswelt). Esta postura

foi fundamental para que eu, como pesquisadora, compreendesse que na visão fenomenológica é o homem que dá sentido ao objeto a ser conhecido, neste caso, o Enade.

A busca dos sentidos atribuídos pelos sujeitos, em relação ao objeto em estudo, exigiu um exercício do despojamento de ideias próprias e a busca pelo sentido daquele sujeito, considerando o seu contexto. Foi necessário refletir: Porque se expressa assim? Qual sua formação? Que disciplinas leciona ? Que relações mantém com a mantenedora e com os colegas? Há quanto tempo está na instituição? Como chegou até ela e outros fatores mais. Fazendo este exercício de contextualização e comparação de sua fala num momento específico com todo seu discurso degravado e até em conversas informais, foi possível recolher elementos para uma descrição e interpretação mais criteriosa. Isto não foi fácil e exigiu de mim um enorme esforço na direção de uma aproximação de uma atitude fenomenológica, que busquei aperfeiçoar até a última análise realizada.

Como resultado das buscas do invariante, elegi algumas unidades significativas que serão descritas nos capítulos 3 e 4. Procurei buscar respostas num estado de constante questionamento das verdades absolutas e das primeiras impressões, consciente de que os dados coletados não são verdades absolutas, uma vez que serão sempre interrogados (MARTINS, 1990). Esse foi um dos desafios desta pesquisa, e nesta dissertação está o resultado de uma trajetória que exigiu esforço e perseverança a despeito dos momentos de crise e de desequilíbrio.

No capítulo a seguir, será traçado um rápido panorama das políticas de avaliação da educação superior, desde o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), em 1983, até o Sinaes (2004), com objetivo de contextualizar o objeto da presente pesquisa – o Enade – como um dos componentes da atual política de avaliação.

CAPÍTULO 2 PERCURSOS E PERCALÇOS DAS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DA