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CAPÍTULO 3 – DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.2. Encontros e desencontros: em busca dos casos da pesquisa

O caminho metodológico da pesquisa foi trilhado, inicialmente, com a busca dos “casos”, ou seja, os professores que ensinam Ciências nos anos iniciais de escolarização. Esta busca foi orientada por alguns critérios que permitiram selecionar os professores de acordo com os objetivos propostos pela pesquisa. O primeiro deles está relacionado à ideia de temporalidade dos saberes docentes, defendida por Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Tardif e Raymond (2000) e Tardif (2002). Para os autores, o desenvolvimento e a construção destes saberes são temporais, ou seja, edificam-se ao longo da trajetória de formação profissional do professor. No entanto, as bases dos saberes profissionais parece construírem-se, no início da carreira (três a cinco primeiros anos), pois este período representa uma fase crítica que exige uma aprendizagem rápida dos saberes profissionais e se traduz num “choque com a realidade” da profissão. Nesse sentido, busquei professores em exercício, nos anos iniciais de escolarização, formados há até cinco anos no curso de Pedagogia de Instituições de Ensino Superior públicas do Estado de São Paulo.

O tipo e localidade da instituição que tivesse curso de Pedagogia foi o segundo critério. A escolha por instituições do Estado de São Paulo foi colocada por razões de financiamento à pesquisa. Como não dispunha de recursos específicos para deslocamentos para outros estados, optei por me restringir a universidades do Estado, e preferencialmente próximas a Campinas, tendo em vista que a observação de aulas poderia exigir deslocamentos por várias semanas à mesma localidade.

O fato de serem instituições de natureza pública não foi um critério colocado a priori. O interesse era por cursos de Pedagogia de instituições de reconhecida qualidade, públicas ou privadas. Assim, foram excluídas instituições de ensino superior não universitárias, e mesmo universidades privadas, cujos cursos de Pedagogia eram “à distância” ou que não tinham disciplinas específicas relacionadas ao Ensino de Ciências. Outro critério adotado para a seleção dos professores e formadores foi a presença de disciplinas relacionadas ao Ensino de Ciências

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nos cursos de Pedagogia: Metodologia do Ensino de Ciências; Didática para o Ensino de Ciências; Fundamentos para o Ensino de Ciências; Conteúdo e Métodos em Ciências Naturais ou outras denominações. Segundo Tardif (2002), uma das fontes de aquisição dos conhecimentos da profissão docente são os estabelecimentos de formação de professores, sendo a formação inicial (em nível superior) para o Ensino de Ciências uma dessas fontes. Por essa razão, foram descartadas da amostra universidades privadas de reconhecida qualidade, mas cujos cursos de Pedagogia não tinham disciplinas exclusivas no campo da Didática ou Metodologia de Ensino de Ciências. Foi o caso da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), da Universidade São Francisco (USF), da Universidade Salesiana (UNISAL – campus de Limeira) entre outras.

Por último, o terceiro critério utilizado para selecionar os professores foi o fato de os formadores desses professores, no curso de Pedagogia, ainda estarem em exercício na disciplina relacionada ao Ensino de Ciências. Isto possibilitou estudar com minúcias as influências da disciplina, na prática pedagógica dos professores, bem como comparar as intenções e as expectativas dos formadores para a formação desses professores com as influências declaradas e constatadas na prática dessa formação. Por esse critério, foram descartadas algumas importantes universidades públicas ou privadas do Estado, como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus de Rio Claro), Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) entre outras.

Claro que outro critério colocado, tendo em vista a natureza metodológica da pesquisa, era de seleção de poucos casos de estudo, de três a cinco. A pesquisa acabou abrangendo três universidades, embora, até cerca de nove meses antes da defesa da tese, tivesse tentado mais um ou dois contatos com formadores/professores de outras instituições, todavia sem sucesso. Cheguei inclusive a extrapolar o critério da restrição ao estado de São Paulo e tentei contato com uma universidade pública do estado do Rio de Janeiro. Após vários contatos com o formador dessa instituição e respectivo professor dos anos iniciais, ex-aluno do curso de Pedagogia, as entrevistas não se efetivaram. A partir desses critérios, foram selecionados para a pesquisa três professores que ensinam Ciências, nos anos iniciais do ensino fundamental, e seus respectivos formadores no curso de Pedagogia. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. O documento de aprovação se encontra no Anexo 1.

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Assim, inicialmente, a escolha da metodologia de estudo de caso nesta pesquisa foi feita com a intenção de buscar casos singulares, ou seja, cursos de Pedagogia diferenciados e inovadores em Instituições de Ensino Superior de reconhecida qualidade que se adaptavam nos critérios de seleção escolhidos. Neste sentido, os três casos selecionados não surgiram a partir da intenção de se fazer réplicas para obter generalizações com os resultados obtidos desses casos, já que a generalização em pesquisas que se utilizam metodologicamente do estudo de caso ocorre após a divulgação de seus resultados e outros pesquisadores replicarem o mesmo estudo para outros contextos.

O modo como cheguei aos três casos estudados foi diferente, porém não menos interessante e desafiador. Relato a seguir:

Caso 1: Professora A e Formadora A

A primeira professora surgiu por indicação da Secretaria Municipal de Educação de Campinas, após contato telefônico com responsável do setor pedagógico. Ela foi recomendada como sendo uma professora que inovava sua prática pedagógica e considerada uma “boa” professora dos anos iniciais de escolarização da rede municipal. O primeiro contato com a professora foi por intermédio da direção da escola, via correio eletrônico.

Após o contato com a diretora da escola, o segundo contato foi diretamente com a professora via correio eletrônico. A professora prontamente aceitou a participar da pesquisa, e marquei uma primeira entrevista. Este primeiro contato, mesmo com toda a tensão inerente ao momento, foi muito importante para que eu (pesquisadora) e a entrevistadora nos (re) conhecêssemos na pesquisa. A postura de um pesquisador, neste momento, é o de ser aprendiz da vida e da trajetória dos sujeitos envolvidos na pesquisa, ouvindo as falas, as confissões, mas também atento aos gestos e às reticências que entrecortam momentos das falas do depoente. Como a entrevista foi na casa da professora, acredito que a proximidade com a “pessoa” que existia por trás da professora (como mulher e mãe de família) pode ter favorecido a confiança e a colaboração entre mim e ela.

Após a entrevista, marquei uma visita à escola e à turma da professora para conhecê-las, já que estávamos no final do segundo semestre letivo e não daria para acompanhar as aulas da professora naquele ano. No ano seguinte, após uma breve análise da primeira entrevista com a

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professora, resolvi fazer uma segunda entrevista, focalizando aspectos da primeira entrevista que mereceram ser aprofundados, ao que prontamente a professora aceitou.

Na segunda entrevista, marquei o acompanhamento de algumas aulas de Ciências da professora. O fato de essas aulas iniciarem, antes do horário de recreio do período matutino da escola e continuarem até o final do período, possibilitou-me também conhecer, durante o recreio, um pouco da escola, dos acontecimentos diários vividos e das relações extraclasse da professora com seus colegas de trabalho (sem esquecer o delicioso cafezinho com torradas e pão-de-queijo organizado pelas professoras do turno e gentilmente cedido à pesquisadora). Uma parada “forçada”, no acompanhamento das aulas, ocorreu logo após a primeira aula observada, devido à greve das serventes da escola, que havia meses não estavam recebendo devidamente seus salários. O acompanhamento das aulas, assim, sofreu um intervalo de dois meses entre a primeira aula e a retomada da segunda aula observada.

No entanto, nada mais divertido do que participar do dia a dia de uma escola e, nesses momentos, aproveitar a proximidade e a afinidade construídas para contar com o apoio de pessoas especiais que nos socorrem nas situações mais inesperadas.

O acesso à formadora da professora foi via correio eletrônico, via pela qual apresentei o projeto e as intenções da pesquisa. Nesse momento, esclareci a necessidade de conhecer e analisar a forma como a disciplina relacionada ao Ensino de Ciências foi desenvolvida para investigar suas contribuições para o aprendizado dos conhecimentos de Ciências e nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências da professora em questão. A entrevista foi realizada na sala da formadora na Instituição de Ensino Superior que atua.

Caso 2: Professora B e Formador B

A segunda professora participante da pesquisa surgiu por indicação de uma colega de graduação da professora B e aluna de mestrado, na época, do Grupo FORMAR-Ciências da Faculdade de Educação da UNICAMP do qual faço parte. O primeiro contato foi diretamente com a professora via correio eletrônico. Ela, da mesma forma como aconteceu com a professora A, recebeu-me muito bem e se prontificou a participar da pesquisa. Mas, antes de marcarmos a entrevista, a professora solicitou que pedisse autorização para a diretora da sua escola para oficializar sua participação na pesquisa.

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De posse da aceitação da professora, entrei em contato com a direção da escola também via correio eletrônico. Nesse texto, fiz uma breve descrição da proposta e da pesquisa e anexei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp para apreciação e aprovação da direção e da professora convidada.

Minha entrada na escola foi autorizada e marquei a primeira entrevista com a professora B. Diferentemente da professora A, a entrevista com a professora B foi realizada na Instituição de Ensino Superior onde a professora se graduou em Pedagogia. O tom mais formal da entrevista não limitou o surgimento de certa confiança e colaboração entre a pesquisadora e a professora. Na entrevista, a professora comentou sobre os conteúdos específicos de Ciências Naturais que seriam abordados, no segundo semestre de suas aulas, sendo um deles o “corpo humano”. Escolhi, então, acompanhar as aulas da professora B relacionadas a esse tema, já que também havia acompanhado as aulas de Ciências da professora A com o mesmo tema. Esta escolha não teve a finalidade de comparar a prática pedagógica de cada professora, mas sim analisar como um mesmo tema pode ser abordado por duas professoras com diferentes trajetórias profissionais. A escola da professora B estava situada no município de Pirassununga, SP, e as aulas de Ciências eram dadas pela professora na frequência de uma vez por semana. No primeiro dia de acompanhamento das aulas da professora B, cheguei mais cedo e fui calorosamente recebida pela diretora da escola. A diretora apresentou a escola e sua organização. Toda orgulhosa, mostrou o quadro de horários das professoras e sua distribuição por disciplinas (marcadas em colorido), uma estante grande organizada por caixas temáticas e os diários dos alunos que estavam em aula de recuperação.

Da mesma forma que as aulas de Ciências da professora A, as aulas de Ciências da professora B também se iniciaram um pouco antes do intervalo do período da manhã e se estendiam até o final do período. No intervalo, as crianças e os professores almoçavam e, depois, elas eram orientadas a escovarem seus dentes (as crianças receberam da Secretaria Municipal um kit de pasta e escova de dente). Nesses momentos de almoço e no intervalo das professoras, foi possível conhecer um pouco da escola, dos acontecimentos diários vividos e das relações extraclasse entre alunos e alunos e professora. Almoçar com as crianças e a professora foi um momento único no qual, por alguns instantes, sentia-me parte integrante daquela comunidade.

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Após o acompanhamento das aulas, entrei em contato com o formador da professora B via correio eletrônico. Nesse contato, apresentei o projeto e as intenções da pesquisa, como também esclareci a necessidade de conhecer e analisar a forma como foi desenvolvida a disciplina. O formador prontamente aceitou colaborar com a pesquisa. A entrevista foi realizada, na sala do formador, na Instituição de Ensino Superior em que atua.

Fatos imprevisíveis, no desenrolar de uma pesquisa, principalmente aqueles que, em primeira instância e aparentemente resultam em alguma perda, podem contribuir fortemente para o amadurecimento do pesquisador e do desenvolvimento da própria pesquisa. Perdi cerca de 80% da primeira entrevista que fiz com a professora B por “suposto” defeito na fita K7 ou no gravador de áudio utilizado. Diante do fato, convenci-me de que os produtos tecnológicos têm seu prazo de validade e que devem ser testados antes de sua utilização. Mas, neste caso, o fato de perder a entrevista e de entrevistar a professora B novamente, possibilitou-me conhecê-la em dois momentos diferentes e perceber certas sutilezas que me permitiram analisar melhor sua fala e suas atitudes como professora de Ciências.

Assim, realizei a segunda entrevista após ter acompanhado as aulas de Ciências da professora B. Nessa entrevista, retomei algumas questões perdidas na primeira gravação e focalizei outras. A postura e a fala da professora B, na segunda entrevista, revelaram uma professora mais segura, confiante e aberta. Acredito que, em parte, essa nova postura foi resultante da convivência que tive com ela e com seus alunos durante o período de acompanhamento de suas aulas de Ciências.

Caso 3: Professor C e Formador C

O terceiro professor participante da pesquisa surgiu por indicação do próprio formador da disciplina relacionada ao Ensino de Ciências do curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior pública do Estado de São Paulo. O formador tinha uma lista de e-mails de seus ex- alunos e, por correio eletrônico, fez um convite a participarem da minha pesquisa. Alguns deles responderam positivamente ao convite, no entanto a maioria trabalhava com educação infantil. Ainda assim, depois de algum tempo, consegui contato com um de seus ex-alunos e professor em exercício nos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola da rede municipal de ensino de Álvares Machado, SP.

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Após alguns contatos por e-mail, consegui viabilizar uma viagem de avião para fazer a entrevista com o formador e com o professor. Nessa viagem, também consegui conciliar o acompanhamento de um das aulas de Ciências do professor. Por motivo de incompatibilidade de horários e também devido ao fato de o professor ter saído da escola onde lecionava para fazer o mestrado fora do país, não consegui acompanhar mais aulas de Ciências do professor. Ainda assim, os momentos da entrevista e do acompanhamento de uma de suas aulas foram tão interessantes quanto àqueles com as professoras A e B. Apesar de ter acompanhado apenas uma de suas aulas, vivenciei, pela primeira vez, o cotidiano de uma escola que recebia alunos do meio rural. As inquietações e os conhecimentos dos alunos sobre assuntos ligados a terra, a plantas e ao trabalho rural foram marcantes e dignos de registro.

Assim como com os outros dois formadores, a entrevista com o formador C aconteceu em sua sala na Instituição de Ensino Superior onde leciona. No entanto, diferentemente dos outros dois formadores, o formador C fez do momento da entrevista, um momento de reflexão sobre sua própria prática, ao mesmo tempo em que descrevia a disciplina. Isso me possibilitou compreender um pouco mais sobre as expectativas do formador relacionadas à disciplina e perceber as influências de sua personalidade e da sua trajetória de vida e profissional na elaboração da disciplina.

Mesmo considerando a possibilidade de incluir o professor C e seu formador como o terceiro caso da pesquisa, fui à procura de mais outros casos para fortalecer a análise e as discussões da minha pesquisa. No entanto, muitos foram os desencontros que impossibilitaram encontrar, pelo menos, mais um caso para a pesquisa. Ora esses desencontros aconteciam entre mim e o professor dos anos iniciais, ora entre mim e o formador, fazendo assim com que finalizasse a pesquisa com os três casos iniciais.