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A idade de ouro: os primeiros califas

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CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA

1.4 Breve resgate do Islã na história

1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas

O império dos califas, de 632 a 661, marcou significativamente a história do Islã, os quatro subiram ao cargo máximo da doutrina por uma sucessão não-hereditária, intitulada pelos sunitas como eleitoral. Esses primeiros califas eram chamados de

Rashidun, os “retamente guiados” (LEWIS, 1996, p.68).

O primeiro califa, Abu Bakr, cuja filha ‘A’isha era esposa de Maomé, era velho companheiro de Maomé, teve um reinado curto, de aproximadamente dois anos, de 632 a 634. Antes de morrer, de causa natural, designou Umar ibn al-Khattab, que reinou por dez anos e desempenhou importância histórica no desenvolvimento do Estado Muçulmano. Ele foi aceito pela maioria dos companheiros de Abu e não teve oposição séria. “Os únicos dissidentes eram os que apoiavam as reivindicações de Ali, primo e genro do Profeta. Para alguns, essa reivindicação repousava em suas qualidades pessoais como candidato; para outros, constituía uma espécie de direito legítimo à sucessão do Profeta” (LEWIS, 1996, p.68).

Umar instituiu um novo título para sua imagem, como o de comandante dos fiéis, “Amir al Muminin”, por ampliar sua posição como autoridade política, militar e religiosa. Ele conquistou “[...] vastas áreas fora da península, principalmente, do Império Bizantino: Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e partes do Cáucaso caíram nas mãos dos muçulmanos” (DEMANT, 2008, p.38).

Os primeiros califas não dispunham de guardas e de exércitos próprios, eles reinavam mais pelo respeito dos fiéis aos seus caracteres pessoais do que pela força

3 Ainda hoje, após mais ou menos 14 séculos do início da constituição do Islã, os países conquistados

pelos árabes, com exceções da Europa, no Ocidente, e do Irã e Ásia central, no Oriente, têm a língua árabe como língua oficial (LEWIS, 1996, p.62).

militar. Isso corroborou na facilidade que os assassinos tiveram em matar os próximos três califas. Umar foi morto por um escravo cristão descontente, em 644 (LEWIS, 1996, p.68-9).

No leito de morte, Umar convocou uma comissão (shura) de seis companheiros com o objetivo de indicar um como próximo califa. Reconheceram Uthman, cuja origem remetia ao antigo clã de Meca, representava a aristocracia da cidade e era membro convertido na época do retorno de Maomé às origens (LEWIS, 1996, p.69).

O caráter de Uthman, no entanto, não inspirava o mesmo respeito que o tributado a seus predecessores. O laço religioso, mais de uma década após a morte do Profeta, começava a debilitar-se e foi ainda mais forçado pela gana com que a aristocracia de Meca explorava as oportunidades que foram concedidas com a ascensão de um de seus membros ao mais alto cargo. A pressão da autoridade, sempre irritante para membros de tribos nômades, começava a tornar-se intolerável (LEWIS, 1996, p.69).

Após a Batalha dos Mastros (654-55), na qual os muçulmanos venceram os bizantinos, o povo e o Império Muçulmano tiveram um tempo para descanso, resultando em reflexões, debates e queixas. Disso explodiu uma série “[...] devastadora de guerras civis entre árabes” (LEWIS, 1996, p.69).

Para o historiador Peter Demant, as riquezas advindas da expansão e exploração dos territórios ocupados pelo Islã começaram a se dirigir para as mãos dos clãs árabes mais favorecidos. “As diferenças de renda se tornaram cada vez mais marcantes e a competição pelo controle do espólio se acirrou” (2008, p.38).

Em 656, um grupo do exército árabe do Egito assassinou o califa Uthman, em seus aposentos, inaugurando oficialmente uma guerra entre os seguidores do califa e o próprio exército maometano (seguidores de Maomé). Vitoriosos, os assassinos empossaram Ali ibn Abi Talib, o primo e genro do Profeta, que recebeu apoio do povo para liderar um novo regime, acendendo a esperança da época, machucada por tanto sangue derramado dos conflitos entre os árabes (LEWIS, 1996, p.69-0). Os seguidores de Ali formaram um partido, cujo nome nasceu como shiatu Ali, e, depois, convencionou-se, simplesmente, Shia (LEWIS, 1996, p.69-0).

Após cinco anos de califado, Ali foi assassinado em 661 por um membro de uma seita religiosa árabe. Nessa época, ocorria uma guerra civil, existiam várias facções inimigas nesse contexto, e foi a liderada por Muawiya ibn Abi Sufyan; governante da Síria, na qual se sobressaiu. Muawiya era primo do califa Uthman (assassinado) e

membro importante da família de Meca; pela tradição dizia-se que ele tinha o dever de se vingar do parente morto. “Como governador da Síria, na fronteira militar entre os mundos: islâmico e bizantino cristão, comandava um bem treinado e disciplinado exército, aureolado pelo brilho da guerra santa e fortalecido pela experiência ganha em combate” (LEWIS, 1996, p.70).

O califa Ali havia deixado um filho mais velho, Hassan, quem poderia ser considerado o novo líder, mas preferiu renunciar em prol de Muawiya para fins, momentaneamente, mais pacíficos (LEWIS, 1996, p.70). Mas, para Peter Demant, Hassan abdicou do reinado em troca de uma aposentadoria tranquila (2008, p.40).

Os membros do partido de Ali, a Shia, dão novo incentivo ao cenário vigente e, não satisfeitos com Muawiya, intitulam-no usurpador, inaugurando assim uma facção do Islã que existe até os dias atuais, os xiitas, cuja esperança era depositada no segundo filho de Ali, Hussein, pois acreditavam na sucessão por legalidade hereditária.

Em 680, Muawiya foi sucedido por Yazid, seu filho, estabelecendo um “[...] precedente, seguido pela maioria dos califas posteriores, ao designar em vida o filho Yazid como herdeiro presuntivo” (LEWIS, 1996, p.70). Ocorreu, nesse mesmo ano, uma rebelião dos xiitas contra o governo de Yazid, mas a pequena facção foi exterminada em Karbala, no Iraque, e Hussein foi decapitado (DEMANT, 2008, p.40).

O califado de Yazid foi marcado pela “normalidade” e pela tradição, sunna, consolidando-se a supremacia omíada que vinha da corrente sunita ortodoxa conformista, “establishment” (DEMANT, 2008, p.40).

Mas a ala do xiismo não foi erradicada por completo, o partido derrotado desenvolveu-se em opositores dos omíadas, com tradições próprias e com marcas singulares, como a crença pelos valores de justiça social vistos pela ótica da ideologia milenarista e pela empatia com o martírio (DEMANT, 2008, p.40).

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