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O ensino das materias do curso das escolas complementares, dividido

em quatro annos fica confiado a quatro professores, um para cada anno.

§ único. – Os alumnos que concluirem o curso complementar e tiverem um anno de

pratica de ensino cursado nas escholas modelo do Estado poderão, na forma da lei ser nomeados professores preliminares com as mesmas vantagens concedidas aos diplomados pela Eschola Normal.

O Anuário do Ensino Paulista de 1908-1909 traz um resumo das medidas do governo paulista para tentar equacionar o grande problema da falta de professores:

Desde 1890, é justo confessar, têm os governos de S. Paulo enfrentado com louvavel patriotismo o magno problema do ensino publico.

Mantinha o Estado, então, 949 escolas primarias e 18 cursos nocturnos, e, nessa época, a difficuldade na dissiminação do ensino, apparentemente insuperavel, consistia na formação do mestre, de accordo com os novos moldes pedagogicos.

Não dispondo de mestres, assim apparelhados e traquejados, não podia o Estado manter boas escolas.

O problema do ensino publico estava, nesse período, na Escola Normal, que, reformada e melhorada, começou a formar aos poucos, vagarosamente, aliás como era natural, os primeiros professores.

A necessidade de diffundir o ensino exigiu, porém, escolas por toda a parte e, para supprir o mestre diplomado, no provimento dellas, teve o governo de decorrer ao mestre habilitado mediante concurso, ao professor provisorio, preparado no momento e investido, após ligero exame, das funções de pedagogo.

Era a unica medida viavel no momento e posta em pratica pelo governo com o intuito de augmentar o coeficiente das escolas.

O professor provisorio preencheu – seja dito com justiça e lealdade – os seus fins tanto quanto possivel.

Estando, mais tarde, as escolas complementares em véspera de diplomar as primeiras turmas de alumnos, o governo resolveu aproveital-os para o magisterio, abrindo mão, para isso, dos provisorios.

Foi oportuna similhante medida: a Escola Normal ainda não se achava em condições de fornecer professores para o preenchimento immediato dos claros existentes no magisterio.31

Em 6 de novembro de 1896, foi assinado o Decreto nº 400 que trazia o Regimento Interno das Escolas Complementares do Estado. Nesse documento podemos identificar a ambiguidade dessa modalidade de ensino. Já o seu artigo 1º define que a escola complementar destina-se a complementar o ensino primário e, ao mesmo tempo, facilitar a formação de professores preliminares, mediante a prática didática em escolas modelo.

De acordo com o Regimento, a prática deveria acontecer pelo período de um ano após o término do curso teórico. Mais tarde, a Lei nº 861, de 12 de dezembro de 1902, reduziu o tempo da prática de ensino para seis meses após o término do curso, possibilitando sua realização em grupos escolares onde não houvesse escolas-modelo. Finalmente, a Lei nº 1846, de 19 de março de 1910, fixou que a prática poderia ser realizada desde o início do curso.

No tocante ao programa de ensino das escolas complementares, há de se destacar a ausência da matéria específica para a formação de professores, evidenciando a sua precariedade se comparada à formação da Escola Normal. De acordo com Reis Filho (1995, p. 159), todas as disciplinas deveriam ser ministradas pelos professores de modo que possibilitasse aos seus alunos a assimilação dos modernos métodos de ensino. Portanto, a formação pedagógica era garantida através da metodologia aplicada na Escola Complementar. Obviamente, isso foi objeto de contestações à época. O diretor da Escola Complementar de Campinas, por exemplo, manifestou sua discordância do seguinte modo:

a primeira observação a fazer é que o programma se resente da falta de uma disciplina importantissima: - a methodologia.

Essa falta se explica talvez pela precipitação com que se fez a organização das escolas complementares.

[...]

Sem tal iniciação, ao assumirem os encargos da vida pratica do ensino, elles resvalam quasi sempre para o empirismo e não tem outras regras de conducta a não ser a tradição do que outros fizeram. E nem se diga que a pratica de seis mezes os salve desse perigo: a pratica, feita como é, não passa de uma formalidade.32

Nesta mesma direção, em 1909, o Inspetor Escolar Miguel Carneiro Junior, também teceu profundas críticas, destacando que a falta de disciplina específica fazia com que os professores se encontrem despreparados para as dificuldades que encontrariam no exercício de sua profissão:

Estas escolas funccionam como estabelecimentos communs de curso secundário, com um programma geral de sciencias elementares e não com programma especial de curso profissional. (...)

Quanto ás escola complementares, observa-se ainda a extranha anomalia de não constar de seu programma nem a mais ligeira noção de Psychologia, Pedagogia e Methodologia. Desta sorte, os professorandos que em taes escola se diplomam fazem pura e simplesmente um curso de humanidades.

Terminando o curso, os professorandos fazem nos grupos escolares, uma pratica de seis mezes, cujo valor negativo ninguem desconhece.

É natural que, assim desapercebidos para as luctas que vão encetar, os jovens professores encontrem, a cada passo, difficuldades que não poderão vencer. A pratica, a verdadeira pratica, elles a vão fazer nas escolas isoladas, sem levar um seguro preparo especial e desacompanhados da orientação da diretora de um mestre competente ou do lente de Pedagogia do curso profissional.33

Em 1911, o Diretor Geral da Instrução Pública, João Crisóstomo B. R. Júnior, em seu relatório, também expõe críticas à conversão das escolas complementares em escolas de formação de professores. Para ele, isso teria prejudicado o ensino primário, deixando-o incompleto e se resumindo aos quatro anos do curso preliminar:

Com a transformação das escolas complementares em normaes primarias – e de facto ellas funccionam sob tal regimen desde 1895 – o ensino primario deixou de passar por esse estadio como lhe prescrevia a lei e a propria satisfacção de seu curriculum de estudos.

(...) Supprimindo o curso complementar, desfeita a correlação existente entre um outro cyclo, a realidade é exactamente esta: os grupos resumem todo o curso primario, que deixou de possuir duas phases – preliminar e complementar – para se reduzir a uma só com quatro anos.34

32

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, p. 72

33 Inspetoria Geral do Ensino. Anuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1908-1908, p. 60 34 Inspetoria Geral do Ensino. Anuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1910-1911, pp. 14-16

Souza (1998, p. 64) define essa mudança de função da escola complementar como uma descaracterização dessa modalidade de ensino:

Dessa forma, além de descaracterizar completamente a fase complementar do ensino primário, foi estabelecida a dualidade do fato no sistema de formação do magistério – a Escola Normal, com um ensino de qualidade superior, e as escolas complementares, com um ensino pouco mais aprofundado que o elementar.

Infantosi da Costa (1983, p. 42) acrescenta que os desdobramentos pelos quais o curso complementar passou “reproduz a história das contradições existentes entre as instituições escolares transplantadas de fora – ao menos em termos de técnicas, valores e princípios educacionais – e a utilização da educação escolarizada imposta por nossa ordem social.” Reis Filho (1995, p. 161) assevera que essa redução da formação do professor marca a “cultura geral superficial fornecida aos profissionais do magistério na Primeira República”.

Na primeira década do século XX, foram as escolas complementares que formaram a maioria dos professores preliminares paulistas. Segundo dados de 1910 pesquisados por Tanuri (1979, p. 116), havia 1.175 escolas providas no Estado de São Paulo. Nelas, 209 professores eram normalistas, 779 complementaristas, 24 adjuntos de concurso, 143 intermédios e 20 substitutos leigos. Em 1912, todo o corpo docente das escolas públicas paulistas era composto por 998 normalistas, 1702 complementaristas, 96 normalistas primários, 59 adjuntos de concurso e 171 intermédios. De acordo com Teixeira Junior (2005, p. 227), entre 1898 e 1911, enquanto a Escola Normal da Capital formou 1.186 alunos, as escolas complementares formaram 2.382. Além disso, em 1911, 55,6% das cadeiras dos grupos escolares do interior e pouco menos das cadeiras nos grupos escolares da Capital eram ocupadas por professores complementaristas.

Como a escola primária ocupava a centralidade no ideário republicano, a reforma paulista não se limitou à constituição de novos métodos, mas também à configuração de novos tempos e novos espaços escolares. O Regulamento das Escolas (Decreto nº 218 de 1893) previa para as escolas a delimitação de um espaço amplo para a realização de recreios e exercícios físicos. Além disso, previa e existência de salas apropriadas para as aulas de trabalhos manuais, laboratório para as aulas de física e química, além de objetos e instrumentos necessários, como podemos observar no trecho abaixo:

Artigo 226. – Em cada escola complementar haverá uma pequena bibliotheca, uma gabinete e laboratorio de physica e chimica e colleções de historia natural, com o

material mais apropriado ao ensino, além dos objetos taes como lousas, mappas, etc. (art. 15 da lei n.88)

Artigo 227. – Em cada escola complementar haverá também um officina apropriada com as ferramentas mais empregadas em trabalhos simples, de madeira e ferro, a que ficam obrigados os alumnos (art. 13, § unico da lei n.88).

No tocante aos prédios, o Decreto nº 400 de 1896 apontava as exigências legais para a instalação de uma escola complementar: