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Os predios especialmente construídos deverão ter os seguintes

commodos:

1 salão para reunião geral dos alumnos e para solemnidades escholares; 8 salas para aulas com dimensões de 10mx8, sendo 4 para cad sexo; 1 gabinete para o Director e seu auxiliar;

1 sala para os professores, servindo também de deposito do material comum a todas as classes;

1 sala para os professores, servindo também de deposito do material comum a todas as classes da respectiva secção;

1 sala para a biblioteca;

1 salão bastante espaçoso e ventilado para officinas, sendo preferivel para esse fim uma construcção independente;

1 gymnasio, servindo para ambas as secções.

A arquitetura das escolas paulistas na Primeira República foi o produto de um momento em que o país buscava se modernizar. Encontrava-se dentro de um contexto de transformação da ordem política e de renovação cultural, devido ao recrudescimento das relações comerciais entre o Brasil e as nações capitalistas hegemônicas do final do século XIX (WOLFF, 2010, p. 27).

O Governo escolheu Ramos de Azevedo para desenhar o projeto arquitetônico dos prédios que abrigariam a Escola Normal, a Escola-Modelo Preliminar e a Escola Complementar da Capital. Azevedo já vinha afirmando seu papel de arquiteto de obras públicas no Estado de São Paulo desde o final do Império. Marcam seu estilo a

monumentalidade dos prédios construídos com a técnica de alvenaria de tijolos e compostos com ornamentos clássicos. Essa estética inovadora correspondia às expectativas modernizantes dos republicanos paulistas. A participação de Azevedo na concepção de escolas públicas começou pelo desenvolvimento do projeto da Escola Normal da Capital.

O projeto educacional republicano via como necessária a formação adequada dos professores, o que demandava instalações apropriadas em um prédio exemplar. Dentro do ideário republicano, as escolas exerciam papel central na intensão de tirar o país do atraso. Esse propósito deveria ser salientado por meio de prédios monumentais que, além disso, também tinham como função promover a concretude e as qualidades da ação governamental. A arquitetura deveria refletir os conceitos pedagógicos que eram ensinados no seu interior. Para Souza (1998, p. 123), o edifício da escola deveria ser um fator de elevação do prestígio do professor, um meio para dignificar a profissão e provocar a estima dos alunos e dos pais pela escola. Por isso, uma arquitetura escolar pública começou a ser gestada a fim de aliar a configuração do espaço às concepções pedagógicas com as finalidades atribuídas à escola primária. Segundo Wolff (2010, p. 153), o estilo transmitia a ideia de que a arquitetura pública era feita para durar, expressando os ideais de nobreza e da dignidade das nações. O classicismo – mesmo que reinterpretado em uma visão mais flexível – era o modelo que melhor respondia a essas intensões. Por isso, o prédio da Escola Normal deveria ser novo, funcional e digno. Deste modo, tornava-se capaz de desempenhar seu papel de propagador da ideia de educação proposta pelos republicanos.

De acordo com Catini (2013, p. 69), a construção dos prédios escolares obedecia à lógica do “primado da visibilidade”35

que

dava materialidade ao projeto de modernização e à centralidade que os republicanos atribuíam à escola, um dos símbolos do progresso das cidades. Com isso, ocorreu transformação dos “pardieiros” em que se realiza o ensino no período do Império, ou a construção de escolas monumentais como “vitrines” da República, nos dizeres de Vera Lúcia Gaspar Silvia (2006), pois mostravam a nobreza da tarefa dos reformadores, embelezava a cidade, e ostentava poder. No mesmo sentido, montou- se um discurso ideológico oficial acerca das imensas capacidades da escolarização de promover a regeneração do povo e o progresso da nação.

O edifício escolar tornou-se, portanto, portador de uma identificação arquitetônica que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis. Ao mesmo tempo, a construção se impunha como um espaço próprio, isto é, o lugar específico para as atividades do trabalho docente. Souza (1998, p. 124) acrescenta que a própria arquitetura deveria simbolizar as

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finalidades sociais, morais e cívicas da escola pública. Deveriam atender a essa lógica, não somente o estilo, mas também os espaços no interior da escola. A mesma autora observa:

Em realidade, a escola graduada pressupunha não apenas um edifício de grandes dimensões para abrigar várias salas de aula, mas também outros espaços diferenciados que atendessem às novas necessidades administrativo-pedagógicas: gabinete para diretoria, sala para arquivo, portaria, depósito, biblioteca, laboratórios, oficinas para trabalhos manuais, ginásio anfiteatro e pátios para recreio. (SOUZA, 1998, p. 125-126)

O Decreto nº 400 de 1896 definia rigorosamente como deveria se dar o tempo escolar. Nos artigos 13 e 14, encontramos, por exemplo, que as aulas das escolas complementares se iniciavam em 5 de fevereiro e se prolongavam até 25 de dezembro. Elas aconteciam entre as 10:30 e 15:30, tendo, portanto, a duração de cinco horas por dia. Os alunos tinham direito a trinta minutos de recreio ao ar livre. Havia também dois recreios menores – de dez minutos – um no período da manhã e outro no vespertino. A legislação também orientava os professores a colocar as lições que demandassem maior esforço intelectual no período da manhã e que nenhuma lição deveria exceder quarenta minutos.

O modo de produção capitalista impunha um tipo específico de disciplina, de controle e de intensificação do trabalho que exigia a dedicação, o cumprimento de horários e o correto uso dos meios de produção. Essa indução de novos hábitos adaptados à nova ordem foi imposta pelo capital por meio de diversas instituições (dentre as quais, a educação escolar), leis e processos. Por isso, conforme Catini (2013) a escola tinha a importante tarefa de ensinar a aprendizagem e a interiorização do “tempo abstrato”36

e a disciplina do trabalho, mediante o próprio emprego do tempo em todas as atividades por um longo período, sendo a origem de sua organização alheia e definida por um sistema externo à própria escola. A sala de aula, portanto, se converteu “no lugar apropriado para costumar-se às relações sociais do processo de produção capitalista, no espaço institucional adequado para preparar as crianças e os jovens para o trabalho” (ENGUITA, 1989, p. 30-31).

De acordo com Catini (2013, p. 98):

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[...] o sentido do uso do tempo cronometrado é uma necessidade que só pode ser apreendida a partir das abstrações próprias às relações sociais capitalistas, quando o tempo passa a ser tudo e o homem nada, como assevera Marx ao demonstrar que a principal medida de valor na sociedade capitalista é a quantidade de tempo de trabalho abstrato empregado na produção da mercadoria. Essa transformação revolucionou as relações sociais para além da produção, circulação e consumo de mercadorias. [...] a relação dos indivíduos com o tempo no interior da sociedade capitalista e fundamentalmente dominada por uma medida exata e estritamente quantitativa, o tempo dos relógios, uma temporalidade vazia. O tempo, assim, torna-se uma categoria do capital [...]. Com isso, a medida temporal precisa dos relógios desloca a notação de um tempo qualitativo, e passa a se definir por ele mesmo. Enquanto categoria própria da forma-capital, o tempo abstrato prevalece sobre seus conteúdos, torna-se indiferente em relação às atividades, cindindo a relação entre a atividade e a passagem do tempo. (CATINI, 2013, p. 99-103)

No capitalismo, tudo é calculável, e assim é também com a educação. Aliás, é notável esta característica da educação que se desenvolveu apenas no capitalismo: a educação passa a ser contada e medida pelo tempo do relógio, assim como o tempo de escolarização é completamente preenchido por um cronograma previamente estabelecido, num continuum onde, socialmente, a quantidade tem mais relevância que a qualidade. O tempo escolar vai se moldando em dois sentidos complementares: de um lado, um tempo interno às práticas reguladoras das relações educativas na escola – os tempos das aulas, avaliações bimestres, semestres, séries, ciclos, etc.; e outro, externo: o tempo socialmente necessário de educação, medido em anos e que torna possível a equivalência entre processos particulares de escolarização.

No entanto, a mesma autora ressalta, apoiando-se em Faria Filho (1996), que essa relação do tempo escolar com o tempo fabril não se realizou como uma mera transposição de modelos. Isso ocorreu através de um complexo e dinâmico processo de incorporação e recriação, dentro de uma mentalidade mais racionalista que já vinha sendo gestada há mais de três séculos. Essa relação do tempo escolar com o modo de produção também não anula as especificidades da forma escolar:

Quer dizer, a relação dos tempos da escola com os tempos da fábrica, do ritmo da cidade, próprios da modernidade, não se dá abstratamente, de modo puramente teórico e com a qual se pode fazer uma simples analogia. Nem por isso, sustentamos que a escola seja apenas um reflexo da organização do trabalho fabril, uma aplicação direta do seu modo de funcionamento. [...] sob uma aparência de autonomia e independência, a forma escolar se desenvolve no interior desse complexo de relações sociais, e é aqui que estabelece suas especificidades, num processo de autonomização. (Catini, 2013, p. 105)

Na República, mediante a análise da legislação sobre a instrução pública, nota-se o ímpeto de manter maior controle sobre as atividades. Almejava-se criar uma homogeneidade temporal, colocando “todas as escolas numa mesma cadência, todos os professores e alunos num mesmo ritmo” (SOUZA, 1998, p. 139). A forma de organizar o tempo escolar introduzido pela reforma paulista tinha por meta sincronizar todas as atividades.

Antes da instituição dos grupos escolares, o período das aulas não era regulado e a prática educacional era pouco ordenada. Não existia uma previsão para o término do processo de aprendizagem, por exemplo. Assim, os exames aconteciam quando os mestres indicavam que os aprendizes estavam prontos. A reforma paulista instituiu os tempos regulares na educação formal. A organização temporal foi se delimitando em cada nível do sistema educativo. Assim,

Essa possibilidade do cálculo transforma o tempo numa justaposição de coisas ou de instantes que não tem relação entre si, e torna impossível a experiência de uma temporalidade que não seja abstrata. Numa sociedade onde a relação entre as pessoas se realizam como uma relação entre coisas, relações reificadas portanto, o tempo se transforma em espaço, ou seja, se reduz a uma dimensão que não é

temporal porque se torna uma presença de coisas num espaço sem qualidades. E a transformação do tempo numa imagem espacial está presente na forma peculiar pela qual se organizam as escolas, o que pode ser constatado pelos simples fato se empregarem agendas onde são preenchidos os horários de toda semana com as atividades previstas – aulas das disciplinas, intervalos, provas, etc., ou nos cronogramas de atividades dos bimestres, semestres, anos. Essa necessidade de visualização do tempo com fragmentos espaciais a serem preenchidos é a própria coisificação temporal, que nos objetifica e nos integra a ele. (CATINI, 2013, p. 122- 123)

A aplicação da mesma medida de tempo para indivíduos desiguais reduz as características individuais às características gerais. Essa abstração das pessoas acontece em torno da ideia de uma média. Um exemplo disso é a definição de conteúdos que devem ser ensinados a todos e incorporados por todos até a avaliação final dentro de um tempo considerado ideal. De fato, “o tempo com caráter disciplinar aos poucos vai se impondo à prática pedagógica e às relações educativas de modo geral” (CATINI, 2013, p. 125)

Esse controle sobre o tempo escolar foi objeto de críticas por parte dos docentes e diretores das escolas complementares. A respeito disso, em 1910, o diretor da Escola Complementar de Campinas expressou sua contestação do seguinte modo:

O regime de reclusão, durante cinco horas seguidas, está condenado pela experiencia, como altamente prejudicial á saude, e portanto ao desenvolvimento intellectual dos alumnos.

Tratando-se dos professores, cabe a mesma observação, pois para executarem o programma complexo das escolas complementares, seria de urgente necessidade reduzir-lhes as horas de trabalho na escola, augmentando-lhes o tempo de preparo de lições, correção de trabalho de classes, julgamento de provas etc.37

A divisão de matérias entre os professores era outro objeto de críticas constantes entre os profissionais dessa modalidade de ensino. O diretor da Escola Complementar de Itapetininga, Pedro Voss, em relatório enviado ao Secretário do Interior, Dr. Gustavo de Oliveira Godoy, tece, em 1906, algumas críticas à forma como as disciplinas eram divididas:

Quanto à Escola Complementar continuam a subsistir os mesmos inconvenientes já apontados em relatorios anteriores.

Julgo de necessidade uma reforma nessas Escolas no sentido de serem as materias divididas em cadeiras e entregues somente a professores.

Neste ponto peço-vos licença para reproduzir as considerações apresentadas em relatorio anterior:

Como está presentemente feita a divisão das materias da Escola Complementar, por mais trabalhador que seja o professor, por mais robusta que seja a sua constituição

physica, não poderá dar grande desenvolvimento às diversas materias do programma e à sua saúde será naturalmente sacrificada.

Em relação às professoras essas difficuldades são muito maiores e mais prejudiciaes. Não só é muito raro encontrar-se uma professora com o preparo necessario para ensinar na Escola Complementar, como ainda as vigilias continuas a que estão sujeitas com os filhos e outros misteres de casa, fazem com que as professoras não possam se dedicar, como devem, às obrigações escolares. Por outro lado, são demasiadamente benevolentes e nem sempre fazem a devida justiça, o que vem confirmar a maxima de que o homem é o cerebro e a mulher o coração [grifos do autor].

Penso, portanto, que às professoras deve ficar entregue o ensino preliminar e somente aos professores o ensino complementar.

Outra necessidade, e como consequente corollario das considerações acima expostas, é a divisão das materias em um certo numero de cadeiras, conforme a primitiva organização dessas Escolas, a fim de se poder aproveitar as aptidões. Pela actual organização é preciso que o professor seja encyclopédico...38

O artigo 238 do Regulamento da Instrução (Decreto nº 218) define que a matrícula nas escolas complementares é gratuita e permitida apenas aos alunos que concluíram o curso da escola preliminar. Mais tarde, o Regimento Interno das Escolas Complementares (nos artigos 5º, 6º e 7º) fixou que os alunos deveriam apresentar o certificado de habilitação geral nos estudos preliminares. Na ausência desse certificado, os candidatos se submeteriam a um exame de habilitação, mediante arguição oral. Exigia-se, ainda, que os candidatos não padecessem de nenhuma doença contagiosa e que tivessem sido vacinados contra a varíola.

Posteriormente, a Lei nº 861, de 12 de dezembro de 1902, estabeleceu que os alunos aprovados pelos cursos preliminares do Estado teriam preferência na matrícula. O critério de escolha passou a ser as médias obtidas no curso preliminar. A estes alunos era reservada 80% das vagas. As vagas restantes destinavam-se aos alunos pertencentes às outras modalidades de escola do Estado. A classificação se daria por meio de concurso que versava sobre o conteúdo do curso preliminar.

O grande desafio a que se propuseram os reformadores paulistas pode ser resumido nos seguintes pontos: estabelecer uma racionalização na administração da instrução pública, disseminar a instrução popular por meio de estabelecimentos públicos de ensino e uniformizar os métodos de ensino, adequando-os aos moldes da educação dos países hegemônicos. Deste modo, o Estado propôs uma organização hegemônica tendo por meta

uma nova conformação da sociedade, mantendo o controle ideológico da formação social e transferindo para a escola a função de detentora e propagadora dos valores republicanos.

Instaurada nos últimos anos do século XIX, e buscando romper com o passado, a Reforma do Ensino no Estado de São Paulo não conseguiu levar a termo o projeto inicial. A ideia de modernizar e uniformizar métodos pedagógicos e a organização estrutural das escolas mostrou-se mais complexa que o imaginado pelos republicanos paulistas.