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A evolução da educação brasileira, naturalmente, foi influenciada pelos processos educativos construídos mundialmente. No período de colonização, com a alfabetização dos povos indígenas pelos jesuítas, na fase imperial, com o estudo do latim, das ciências exatas e da retórica, por exemplo, da criação do ensino técnico, da criação do EJA e dos programas sociais inseridos na educação, nas últimas décadas. Através desta linha de evolução, percebemos que a educação passou a ser de isolada, inicialmente, para cada vez mais humana, homogênea, voltada às perspectivas sociais, mas ainda permanecendo com características heterogêneas. Os componentes curriculares criados para o currículo escolar permanecem em grande modificação, algumas vezes com avanços, outras com retroação, mas sempre em movimento.

Neste cenário, houve uma importante conceituação acerca da integração das disciplinas no currículo da educação básica ocorrida também no Brasil1, optando não apenas por uma via de aprendizagem tradicionalmente posta por determinado componente curricular, mas valorizando a inter-relação e multiplicação de linguagens e formas de aprendizagens

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De acordo com Carlos (2007), em um resgate histórico acerca da interdisciplinaridade, as questões

interdisciplinares surgiram na Antiguidade Clássica, perpassando diversos momentos históricos, como na França do Século XVIII e XIX, sofrendo, inclusive, por protestos e resistência sobre a sua aplicação. No Brasil, os primeiros temas interdisciplinares documentais integralmente destinados à educação foram registrados a partir do início da década de 1960, num período político, social e histórico conturbado, e desenvolvido através dos documentos oficiais dos anos 1990.

entre conteúdos e disciplinas escolares, podendo ser visto como uma boa forma de aprendizagem e de formações de sentidos na relação entre ensino, aprendizagem, professor, aluno e escola. Este processo é nomeado interdisciplinaridade. Inter, respeitando o prefixo de transgressão de fronteiras, disciplinar, tocando a variedade de componentes curriculares da educação. Na Educação Básica brasileira do Ensino Médio, por exemplo, Língua Portuguesa, Matemática, Biologia, História, Inglês, Química, Física, Educação Física, Sociologia e Geografia. Obrigatoriamente, do ponto de vista do Ministério da Educação, apenas três: Língua Portuguesa, Matemática e Inglês, depois das resoluções da Reforma do Ensino Médio do Governo Federal, em 2016.

A interdisciplinaridade é uma forma de trabalho realizado para integrar outras fontes de saber necessários aos alunos/professores/escola que facilitam o trabalho docente e a compreensão dos alunos se procede por intermédios das múltiplas linguagens que cada disciplina dispõe. Dito de outra forma, a interdisciplinaridade diz respeito ao processo de interação entre as disciplinas. Nestes níveis de relação, ainda surgem os conceitos de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade, propostas e inseridas no ambiente acadêmico por Japiassu (1976) e na obra piagetiana. Não entraremos, aqui, na definição destes três conceitos, que, embora já estejam há um tempo no ambiente acadêmico, ainda não se instalaram com o mesmo peso que o conceito de interdisciplinaridade quando falamos sobre o ambiente escolar. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 89), o trabalho interdisciplinar enriquece o conhecimento a partir das particularidades de cada saber:

A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados.

A primeira afirmação colocada pelos PCN diz respeito a um problema de desordem causado por algumas perspectivas de ensino e de professores. Alguns passam a confundir a proposta da interdisciplinaridade com a diluição das disciplinas. Porém, mantém a individualidade das mesmas, através dos conteúdos, mas utilizando as múltiplas formas de aprendizagem e de caminhos que se relacionam através de temas transversais, temas também elaborados pelos PCN, sendo eles: Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual, Pluralidade Cultura, Trabalho e Consumo e Ética. Dito isto, é importante salientar que a questão

interdisciplinar se insere através de pontos de discussão que devem estar presentes em planejamentos bimestrais, semestrais e anuais, reuniões entre professores e demais momentos de interação pedagógica. Este contexto, porém, segue sendo dificultado muitas vezes pelo próprio professor, ao interferir em questões que se prefere preservar, por receio ou por outros PRWLYRV 'H DFRUGR FRP 6LOYD H %HQHWWL  S   ³R grande desafio da interdisciplinaridade é mudar o comportamento dos professores para que, sem conflitos, FRPSDUWLOKHP VHXV FRQKHFLPHQWRV´ Ki TXH VH WHU GHVWD IRUPD XPD FRQVFLHQWL]DomR GRV professores a respeito do que não é mais uma tendência, mas algo consolidado na realidade da educação brasileira embora ainda não tão bem explorada.

O trabalho interdisciplinar, como visto, objetiva-se na construção e compreensão de significados que contribuem para formação da identidade dos alunos. Para realização de um trabalho interdisciplinar é necessário elencar um eixo integrador, um tema central que oriente todo o trabalho. A partir dessa escolha, devem traçar os objetivos, os conteúdos, a metodologia e quais resultados esperam-se deste trabalho. De acordo com os PCN(BRASIL, 1996, p. 88-89), esse planejamento ocorre a partir de um plano de intervenção elegido pelos educadores em detrimento a realidade de cada espaço escolar, a fim de instigar outras competências cognitivas dos alunos.

É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem um conhecimento que vai além da descrição da realidade mobiliza competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer previsões a partir do fato observado.

Em um determinado trabalho e tema em uma escola, é necessário, portanto, abrir portas para os efeitos positivos causados pela interdisciplinaridade. É possível, apesar de haver diferenças entre os componentes curriculares, haver uma aproximação. Pode-se tratar, portanto, assuntos de Geografia em Matemática, de História em Química, entre contextos possíveis. Dessa forma, há uma ampla possibilidade de construção de aprendizagem de forma compartilhada, importante para as questões escolares. É necessário ressaltar também que, segundo Carlos (2007, p. 42):

[...] a interdisciplinaridade também pode ser exercida individualmente, ou seja, que apenas um professor, por exemplo, possa ministrar sua disciplina

de forma interdisciplinar e, principalmente, que a sua aceitação e o exercício da interdisciplinaridade não implica na negação e/ou anulação da disciplinaridade.

Assim sendo, um professor não depende exclusivamente do grupo de trabalho para que ocorra o processo interdisciplinar. Isto não implica, contudo, a uma realização de trabalho isolado, mas de outra forma de realização do processo em pauta.

Contribui, neste processo de inserção e de familiarização da interdisciplinaridade, o coordenador pedagógico, que deve intervir na construção interdisciplinar. Cabe então, ao coordenador pedagógico, servir como uma liderança aos professores. Como explica Carlos (2007, p. 141),

[...] o papel do coordenador pedagógico é comparável ao de um professor em sala de aula, não no sentido de exercer autoridade, superioridade e ser o detentor do saber, mas no sentido pedagógico de ter que preparar as atividades a serem realizadas com os demais professores durante a coordenação. Enfim, ele deve ser uma liderança.

O coordenador pedagógico age, assim, como um sujeito que interfere e intervém no desenvolvimento de características de desenvolvimento para os professores. O incentivo deve vir através de toda a etapa do processo escolar, desde o planejamento, realizado de forma anual, semestral e/ou bimestral, nos planos de aula, em projetos pedagógicos e outros momentos que abrangem (ou que devem abranger) a perspectiva interdisciplinar.

Deslocando-se para o ponto de vista do aluno, devemos saber que este possui uma cultura, um ponto de vivência e de convivência com o seu grupo social. O aluno, portanto, na qualidade de sujeito, é formado pela sociedade e por seus contextos políticos, culturais, ideológicos e históricos. Dessa forma, é de extrema importância, portanto, que haja uma referenciação às experiências dos alunos. Nesta perspectiva, cabe a valorização dos estudos de multiplicação das formas de aprendizagem, e a interdisciplinaridade surge como uma delas.

Naturalmente, categorizar é um processo humano. Na escola, os alunos passam a categorizar as disciplinas. Na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, os alunos recebem, de forma categorizada e distribuída em áreas de conhecimento, inúmeras disciplinas, variando de instituição para instituição. É importante, no meio de tantas disciplinas, haver pontos de interação entre elas, não isolando e tornando cada vez mais heterogêneas, mas, também homogêneas, em sua relação e preservando as individualidades.

Seguindo a relação entre alunos e interdisciplinaridade, Carlos (2007, p. 16) explica TXH³DLQWHUGLVFLSOLQDULGDGHSDUDDYLGDSRGHVHUYLVWDFRPRXPDQRYDPDQHLUDGHSURSLFLDUDR

aluno uma formação mais consciente e completa que lhe garanta as prerrogativas de um FLGDGmR DWXDQWH QXP PXQGR JOREDOL]DGR PDUFDGR SHOD FRPSOH[LGDGH´ 9r-se assim que o caráter fundamental da educação, o de formar cidadãos, aproxima-se deste caráter, uma vez que os alunos encontrarão um mundo cada vez mais globalizado, homogêneo, mas que ao mesmo tempo preserva particulares, este deve estar preparado, semelhante às condições econômicas, políticas e socioambientais do mundo.

Neste ponto de vista, no Ensino Médio, um dos alvos de maior preocupação do aluno é o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que já conta com uma proposta interdisciplinar. Desde 2009, com a reformulação no sistema de questões e o mesmo formato que se apresenta até hoje, o exame se divide em 4 áreas de conhecimento e a redação. As áreas de conhecimento se relacionam entre si e propõem uma intenção interdisciplinar; é comum, por exemplo, observar questões dentro da área das Ciências Humanas, na qual a Geografia se insere, que englobam propostas de Química e Física, presentes na área de Ciências da Natureza. A interdisciplinaridade entra, conforme o exposto, como um processo de preparação não apenas para as situações escolares, mas também para exames externos, que servem de entrada para Universidades, e também para a vida, situando o aluno/sujeito/cidadão em um mundo homogêneo, de uma modernidade líquida (BAUMAN, 2013), onde tudo é construído e se desfaz rapidamente. A preparação, portanto, é fundamental.

Apesar de apresentar uma boa proposta de novas perspectivas para o ensino, o processo de interdisciplinaridade ainda não é utilizado de forma consistente no panorama da educação brasileira em sua integralidade. O processo interdisciplinar não é mais uma nova tendência, efêmera, mas uma realidade, efetiva e duradoura, que ainda necessita ultrapassar mais fronteiras, principalmente à resistência de alguns modelos de ensino. No entanto, estes modelos não são reestruturados, mas adaptados à realidade escolar e de interação entre componentes curriculares.

Em nosso projeto de pesquisa, a interdisciplinaridade é tomada como um conceito- chave por tentar associar os componentes curriculares da Geografia às perspectivas culturais históricas, linguísticas, literárias e sociais, além de outros componentes curriculares. É importante, portanto, redirecionar conceitos e assegurar o processo de interdisciplinaridade em novas perspectivas. Iremos tratar sobre as questões culturais em uma perspectiva relativamente recente da Geografia: a Geografia Cultural.