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Percebemos, através dos contextos mundiais, globalizados, uma mescla de culturas, de línguas. Tudo parece ser cada vez mais efêmero. Em tempos anteriores, percebíamos que as mudanças de gerações ocorriam de acordo com o nascimento de uma nova perspectiva de pensamento, ou alguma revolução tecnológica, ou uma nova forma de interação e comunicação. Nos tempos atuais, percebe-se que há uma grande insurgência de conceitos, de modos de pensar, de multiplicações de opinião. A geografia, como uma ciência que estuda o mundo, as relações do ser humano com o seu meio, o seu planeta, o seu lugar, transparece ser um ponto de apoio fundamental às pesquisas destes sistemas em suas esferas e impactos políticos, sociais, culturais e históricos.

No contexto escolar, a Geografia possui perspectivas de ensino que estornam muitas vezes o sentido tradicionalista de ensino, muito debatido sobre a sua eficácia, ainda muito utilizado nas escolas, gerando uma relação de tensão e de contradição em debates e pesquisas acadêmicas sobre pontos de abordagem de ensino. Neste contexto, utilizamos uma perspectiva recente ao ensino de Geografia, que busca uma vivência de mundo, dito da forma mais simples. Nesta pesquisa, elegemos juntos às características de cultura, interdisciplinaridade e todos os outros temas trazidos aqui em discussão, a Geografia Cultural, também chamada de

Geografia Humanista.

Consideramos, portanto, que a Geografia Cultural, diferentemente das perspectivas Tradicionais e Críticas da Geografia, do modo descrito anteriormente, é um meio de produção de conhecimento que apresenta possibilidades de mescla entre todos os tópicos sugeridos em nossa pesquisa.

A Geografia Cultural, enquanto corrente de pesquisa que proporciona um ponto de vista diferente à Geografia e ao ensino de Geografia diz respeito principalmente a proporcionar meios de reconhecimento não apenas do que é de estudo material e materializado, entre as diversas áreas e vertentes de estudo da Geografia. Segue, portanto, a proposta de cultura: se cultura2 é o que é imaterial, tudo que não é transmitido através da genética, como dito por Eagleton (2011, p. 18). Dessa forma, a Geografia persegue a ideia de que Cultura é o estudo de perspectivas não apenas materiais, mas também imateriais (CORRÊA; ROSENDAHL, 2011).

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A Geografia Cultural passou por reformulações, como toda ciência em desenvolvimento. Esta vertente da Geografia passou por fases em crescimento inicialmente na Europa, e logo depois foi desencadeada pelo mundo. Porém, começou a ganhar os contornos DWXDLVORJRGHSRLVGDGpFDGDGHHPTXHVHJXQGR&RUUrDH5RVHQGDKO S ³D geografia cultural passou por um processo de renovação na qual [...] foi submetida a críticas por parte de geógrafos oriundos de diversos caminhos teóricos ou de experiências em distintos FRQWH[WRV FXOWXUDLV´ $ *HRJUDILD &XOWXUDO GHVVD IRUPD Sassou por processos de recontextualizações nas décadas de 1970 e 1980, ganhando finalmente o aspecto renovado, nomeada de Geografia Cultural Renovada, na década de 1990. A chegada do período integral de tal renovação ocorreu a partir de fatores entre mudanças de pontos de vista sobre a cultura nos anos de 1980, após uma valorização dos momentos culturais. Segundo Corrêa e Rosendahl (2011, p. 12),

[...] as mudanças na esfera econômica, o fim da denominada Guerra Fria, a ampliação dos fluxos migratórios da periferia para os países centrais, o movimento ecológico, novas formas de ativismo social e a crescente consciência da necessidade de novos modelos de se construir e entender a realidade, até então calcada no racionalismo moderno, no raciocínio científico e na celebração da técnica.

Esta etapa, dessa forma, gerou uma valorização da cultura nos estudos e pesquisa em geral, ganhando também uma atmosfera em que se baseou a Geografia Cultural. A cultura, portanto, como sendo o principal ingrediente desta vertente científica renovada, engloba um conjunto de fatores que considera as formações sociais concretas e abstratas. De acordo com os mesmos autores, a cultura, após ser vista como um conjunto de saberes, técnicas, crenças e valores, foi vista como parte essencial do cotidiano das pessoas, ganhando, dessa forma, o cunho político.

A valorização das diferentes formações culturais e a evidenciação não apenas das culturas dominantes, mas também culturas advindas de ideologias dominadas, como a ³FXOWXUD GR JXHWR´ QRV (VWDGRV 8QLGRV R VXUJLPHQWR GH JrQHURV PXVLFDLV GH PDVVD QDV rádios, em todo o mundo ocidental, a emancipação e início do desenvolvimento de países antes subdesenvolvidos, propiciou a ascensão da cultura de massa, contribuindo para a emergência do campo dos Estudos Culturais. A política, portanto, propiciou à cultura um patamar maior na emancipação da cultura e na inserção desta em campos de estudo consagrados secularmente, como a Geografia.

Neste cenário, é valorizada principalmente a imaterialidade da cultura e de seus valores na construção da Geografia Cultural, como colocado por Corrêa e Rosendahl (2011). Várias construções, portanto, de uma vertente geográfica que também possui métodos, uma vez que, cientificamente, as pesquisas e correntes devem possuir atribuições metodológicas para se firmarem. Sauer (2011, p. 25) aILUPD TXH R PpWRGR GD *HRJUDILD &XOWXUDO ³p evolutivo, especificamente histórico até onde a documentação permite e, por conseguinte, WUDWD GH GHWHUPLQDU DV VXFHVV}HV GH FXOWXUD TXH RFRUUHUDP QXPD iUHD´ 'HVVD IRUPD p importante atribuir à Geografia Cultural, corrente científica atual em relação às outras vertentes geográficas, uma metodologia que tenha, por si só, o ponto de intervenção de elementos (documentais, bibliográficos, de ação, entre outros) que sejam imbricados a cultura.

Na perspectiva acadêmica, esta vertente, ainda está em difusão. Segundo Rocha  S   ³HVSHFLDOPHQWH QR %UDVLO D *HRJUDILD +XPDQLVWD DLQGD p GLVFXWLGD SRU XP grupo que, proporcionalmente, ainda é reduzido em relação a outras perspectivas de estudo JHRJUiILFR´'HVVHPRdo, a decorrência e o surgimento desta perspectiva/corrente configura esta pesquisa, bem como outras que também a utilizam, o caráter de exploração, vista a pouca disseminação nas áreas científicas, e ainda um cunho de ineditismo na área de ensino.

No ensino da Geografia Cultural é perceptível, uma via de trabalho interdisciplinar. Assim como a cultura é estabelecida pelos PCN (BRASIL, 1998) como um tema transversal, o trabalho com a Geografia Cultural em sala de aula também deve seguir relações interdisciplinares. A cultura popular, por exemplo, passa a ser uma das ferramentas de trabalho estabelecidas pela Geografia Cultural. De acordo com Corrêa e Rosendahl (2011, p. 17):

[...] a cultura popular, negligenciada pela geografia brasileira, constitui-se em importante temática para a inteligibilidade do país. Ela se opõe a uma cultura hegemônica. Os significados das diversas práticas espaciais associadas ao cotidiano, envolvendo as coisas correntes, e as manifestações menos frequentes ou periódicas estão, com raras exceções, a serem evidenciados pelos geógrafos brasileiros. As festas e a música popular estão, entre outras manifestações, entre aquelas merecedoras de atenção.

O trabalho com tais manifestações culturais, dentro da cultura popular, mas também em formas da cultura de elite, devem ser fortemente valorizadas em um contexto escolar. Os alunos, ao viverem em um mundo com formações culturais cada vez mais heterogêneas, mas que ainda permanecem com suas individualidades, devem possuir e construir conceitos acerca do papel de sua formação cultural, em seus respectivos grupos sociais, na sociedade. Uma vez

que os sujeitos não vivem de maneira isolada, a Geografia Cultural, através das questões imateriais propostas pela cultura, age como uma importante ferramenta que valoriza e reconhece as particularidades e universalidades existentes nos alunos, na escola, nos lugares, nas paisagens, na constituição física, econômica e geral na qual os alunos estão inseridos.

Para fins de retomada e de situação da pesquisa, nosso estudo possui como objeto mediador de aprendizagem a Literatura de Cordel, obedecendo às formações metodológicas e teóricas da Geografia, uma vez que posiciona um elemento da cultura popular ± o cordel ± dentro de um universo de ensino de Geografia, em parceria com a interdisciplinaridade nos contextos da Literatura de Cordel e dos temas presentes nos folhetos selecionados para a aplicação da pesquisa.

A Geografia Cultural, por se preocupar não apenas com o que é material, concreto, mas se encarregando de descobrir os elementos imateriais dos contextos gerais geográficos3, revela não apenas as formações culturais desenvolvidas historicamente e suas consequências, mas também os seus sentidos, os significados e a relevância dos estudos culturais não apenas para as aulas de Geografia, mas também para outros componentes curriculares. Discutiremos, a seguir, a importância do estudo dos sentidos para a Geografia Cultural e, consequentemente, para o contexto escolar.

1.5.1 Semântica cultural e relações nas aulas de Geografia

As aulas de Geografia, na perspectiva da Geografia Cultural abrangem, sobretudo, uma percepção da cultura, da vivência e das experiências encontradas no significado e nos sentidos que a Geografia apresenta através do meio, do lugar e de suas representações sociais, considerando o sujeito, a identidade e o meio social. O estudo dos significados é, dessa forma, importante para a Geografia Cultural, uma vez que se insere nos meios que se manifestam as formas de linguagem e seus correspondentes.

A Semântica é uma vertente científica das ciências Humanas, mais aproximada da Linguística que tem como objeto de estudos os sentidos e/ou significados. De acordo com )HUUDUH]L-U S ³$VHPkQWLFDpFLrQFLDTXHHVWXGDDVPDQLIHVWDo}es linguísticas do significado. Esta significação traça uma linha divisória entre significado e sentido. Nela, o

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A Geografia, em suas áreas de estudo, é dividida em duas grandes áreas: a Geografia Geral e a Geografia Regional. A Geografia Regional não estabelece divisões diretas, ao contrário da Geografia Geral, que se divide em duas grandes áreas: a Humana e a Física. Em Geografia Humana, estudam-se os contextos urbanos, agrários, econômicos, políticos, culturais e demográficos. Em Geografia Física, a Geomorfologia, Climatologia,

Biogeografia, Hidrogeografia e Cartografia. As correntes de estudo e de ensino da Geografia no contexto escolar advém destas vertentes científicas, estando presentes no Ensino Fundamental e Médio da Educação Básica.

significado é visto como aquilo que é cognitivamente ativado pela linguagem no nível QHXUROyJLFR´2DXWRUH[SOLFDTXH

Os sentidos (que são as manifestações linguísticas do significado) podem ser GHILQLGRV FRPR µDV SRQWHV¶ TXH ID]HP DV OLJDo}HV HQWUH RV VLQDLV PDLV próprios da língua [...], os sinais de natureza estritamente gramatical (morfologia e ordem) e os outros sinais adotados como pertinentes do processo de comunicação (como o aparato gestual entre outros elementos significativos do processo de enunciação) e os elementos e eventos dos mundos que são representados pela língua. (FERRAREZI JR., 2008, p. 22, grifo do autor)

Quando colocada em associação com a Cultura, tornando-se, portanto, Semântica Cultural, esta filiação considera as questões de significação e de produção de sentidos dentro das questões culturais, respeitando as múltiplas possibilidades de acordo com as formas de FXOWXUD RX GH &XOWXUD  'H DFRUGR FRP $OPHLGD H )RVVLOH  S   ³D 6HPkQWLFD Cultural se preocupa em compreender o como, o porquê e o grau de interferência dos aspectos culturais na construção e na compreensão dos enunciados das línguas naWXUDLV´ (VWD perspectiva, portanto, se associa a uma perspectiva mais linguística, de contenção de estudos de palavras, seus valores e significados. Tentaremos aproximar a concepção de semântica FXOWXUDOSDUDRVHXXVRHP*HRJUDILDDGLVFLSOLQD³FHQWUDO´ de nossa pesquisa.

Ainda numa perspectiva linguística, de acordo com Ferrarezi Jr. (2013), a cultura não apenas interfere no sentido da palavra, mas também em sua estrutura gramatical. Isto se torna ainda mais evidente no fenômeno de variação linguística, estudado dentro dos campos conhecidos por sociolinguística e sociologia da linguagem. Exemplificando, o sotaque dos sujeitos falantes dos interiores mineiros, vistos de forma estereotipada como espertos, que ³FRPHPSHODVEHLUDGDV´JDQKDQGRDFDUDFWHUtVWLFDGHUDSLGH]HVXWLOH]DFRVWXPDPIDODUGH uma maneira rápida, mas também eficiente e, obviamente, compreensível. Este traço de rapidez e sutileza da cultura e identidade linguística de Minas Gerais corresponde, portanto, a uma marca de cultura que, por sua vez, transfere-se para uma marca de oralidade na língua. O processo de construção de uma língua, de seus sentidos, significados e usos influenciam a cultura, e a identidade do sujeito falante. Assim como a língua muda (com fatores históricos, sociais e políticos), a cultura também é influenciada pelos mesmos fatores. Como afirma FHUUDUH]L -U  S   ³XPD OtQJXD QDWXUDO SRGH VHU HQWHQGLGD FRPR XP VLVWHPD VRFLDOL]DGRHFXOWXUDOPHQWHGHWHUPLQDGRGHUHSUHVHQWDomRGHPXQGRVHVHXVHYHQWRV´'HVVD forma, todas as influências, formações e valores culturais são valorizadas e valorizáveis conforme a sua significação.

1DGHILQLomRGH)HUUDUH]L-U S DVHPkQWLFDFXOWXUDOpGHILQLGDFRPR³XPD vertente [...] que estuda a relação entre os sentidos atribuídos às palavras ou demais expressões de uma língua e a cultura em que eVVD PHVPD OtQJXD HVWi LQVHULGD´ $ HVWH conceito, colocamos em evidência o nosso objeto mediador da pesquisa-ação: o folheto de cordel. A relação entre sentidos, palavras dentro de uma mesma cultura e também dentro da mesma língua condizem com as perspectivas de cultura, de cordel e de ensino, na Geografia Cultural, inseridas em nossa pesquisa: se, portanto, há uma relação entre palavra e cultura, logicamente a cultura regional nordestina, trabalhada em nossa pesquisa, é imbricada a esta uma possibilidade de inter-relação, ao se trabalhar com as múltiplas formas de sujeito, de identidade e de formação social.

A Geografia Cultural, portanto, se estabelece como também tendo em comum alguns dos elementos estabelecidos pela Semântica Cultural. Consequentemente, o estudo de uma perspectiva da Geografia que trate como objeto o eixo de ensino-aprendizagem dos sentidos e significados das questões culturais torna-se relevante para a sala de aula. Segundo Almeida e )RVVLOH S ³SRUPHLRGD6HPkQWLFD&XOWXUal, o docente terá a possibilidade de OHYDURDOXQRDSHUFHEHUDUHODomRTXHH[LVWHHQWUHDVXDFXOWXUDHDVXDOtQJXD´2VHOHPHQWRV culturais utilizados na Geografia se manifestam, portanto, na relação entre Semântica Cultural e Geografia, possuindo, consequentemente, objetos de análise, de ensino e de aprendizagem semelhantes, embora ainda heterogêneos.

Nas aulas de Geografia, a construção da Semântica Cultural é de grande importância em associação à Geografia Cultural. Segundo Almeida e Fossile (2016, p ³D6HPkQWLFD Cultural contribui, especificamente, para que possamos entender que os aspectos culturais de uma dada comunidade linguística podem interferir e influenciar na constituição dos sentidos que são submetidos às palavras/expressões da línguD´eFRQVHTXHQWHPHQWHUHODFLRQiYHOjV questões colocadas em nossa pesquisa sobre os aspectos culturais, sociais e históricos que inter-relacionam as discussões de Lugar, Paisagem e Literatura de Cordel.

1.6 LUGAR E PAISAGEM: O ENSINO DOS CONCEITOS CHAVE DA GEOGRAFIA NA