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No Ensino Médio: as experiências no Curso de Formação de Professores na modalidade Normal

3 EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE EM FOCO: UMA IDENTIDADE NORMALISTA CONSTRUÍDA EM SÃO FIDÉLIS-RJ

3.3 O Colégio Estadual de São Fidélis

3.4.1 Das origens à travessia para o outro lado do estado: novos lugares sociais

3.4.1.3 No Ensino Médio: as experiências no Curso de Formação de Professores na modalidade Normal

No ano de 2014, iniciei os estudos no curso de formação de professores em Nível Médio na modalidade Normal. O curso era oferecido em horário integral, juntamente com os componentes curriculares do núcleo comum do Ensino Médio.

Inicialmente o ingresso no curso foi movido pelo desejo de não me se separar da turma que permanecia unida desde a classe de alfabetização. Eu desejava fazer teatro; dar aulas de teatro. Éramos uma turma grande - a “menina dos olhos” do Colégio. Vários de nós tivéramos boas pontuações nas avaliações estaduais, o que fazia com que a autoestima de ser bem sucedidos em qualquer circunstância fez com que vários de nós decidisse ingressar em um curso de formação de professores com a ideia que seria super simples de lidar… Engano nosso! Mas éramos uma turma bem grande e muito unida!

Figura 13 - Foto do acervo pessoal. Comemoração do meu aniversário na turma (estou posicionado à frente da turma).

Logo no primeiro ano, boa parte da turma não se adaptou ao curso Normal, que era integral, mesmo no primeiro ano com as aulas acontecendo somente às segundas-feiras e terças-feiras até às 16h. Nas primeiras semanas de aula, por conta de um mal-entendido com uma professora, realizamos um protesto silencioso no pátio do colégio. Este acontecimento me colocou “em maus lençóis”, pois estávamos defendendo a pauta com uma visão unilateral.

Com todo o mal-estar causado, solicitei mudança de turma e somente aí comecei a trilhar meu caminho para compreender o papel e importância do professor. Ali eu não possuía mais redes de segurança, pois todos os colegas da futura turma eram oriundos de outras instituições.

Mesmo sendo ainda um adolescente, vivendo a turbulência dos momentos da adolescência, onde as dúvidas, as tensões e os conflitos são constantes, onde as mudanças são repentinas e o desejo de estar em grupo e tomar muitas atitudes de forma inconsciente, eu já tinha certeza de minha escolha profissional. Isto era claramente demonstrado nas aulas dos componentes curriculares do Curso Normal, onde a objetividade e a racionalidade assumem o controle.

Conforme afirma Galindo (2004) a constância é um dos elementos nos quais o sujeito está envolvido, que os representam e os envolvem. E o conceito de identidade profissional é construído neste sujeito, sempre marcado por contingências que o envolvem. Por isso, segundo Galindo (2004, p.15),

(...) mesmo estando a identidade envolvida com movimentos inconscientes, que tendem a estar em conflito, há uma tentativa do sujeito de apresentar uma unicidade naquilo que o define. É nesse sentido que a identidade é vivenciada

como aspecto consciente, inclusive com coerência e unicidade, quando verbalizada pelo sujeito.

Assim, voltei ao meu “ponto de equilíbrio”, novamente ao encontro do meu “eu profissional”, lúcido e consciente daquilo que profissionalmente ia aos poucos me construindo.

No primeiro ano do Curso Normal, tínhamos as aulas de Brinquedoteca, Mídias e Práticas Pedagógicas, além do currículo do Ensino Médio. Durante as aulas fazíamos inúmeras atividades, desde aquelas de abrangência teórico prática, como as de natureza política e social.

Assim, desenvolvemos brinquedos de sucata, debatemos sobre a importâncias e os perigos das redes sociais e nas possibilidades de auxílio docente que elas ofereciam. Fazendo breve digressão, acredito que a formação no curso Normal nos capacitou a lidar melhor com o ensino remoto em tempos de Pandemia COVID-19 devido às inúmeras atividades que aprendíamos a desenvolver.

O aluno do ensino Normal desde cedo aprende a lidar com responsabilidades e desafios, amadurecendo mais cedo para a vida docente. Acredito que o fato de aprender a lidar com responsabilidades cada vez mais cedo leva o adolescente a desenvolver um senso de autoconfiança e altruísmo para lidar com as intempéries que a vida lhe proporcionará. A formação de professores em Nível Médio na modalidade Normal funcional servirá de protótipo de experiências que mais tarde, já amadurecido, o professor haverá de enfrentar. Para os alunos de classes menos favorecidas, a passagem pelo curso Normal significa construir elementos de autoconfiança e responsabilidade ainda maior, pois sabe que na maioria das vezes essa será uma oportunidade única de ter uma profissão que lhe traga emprego e renda.

Continuando a narrativa, no Curso Normal em meio às aulas teóricas e práticas, também desenvolvíamos a leitura e a arte da contação de histórias, com clássicos infantis, entre eles Chapeuzinho Vermelho”. Assim, a construção da identidade se valia da veia histórica do município, acostumado com a cultura e a poesia.

Como destaquei, mesmo tendo somente dois dias de aulas semanais teóricas neste início de curso, a forma como o currículo era esquematizado, pensado e executado nos passava a clara mensagem que era nossa responsabilidade (de todos os alunos e professores) questionar e pensar sobre a sociedade, sua construção, seu status quo, suas divisões em "castas" e principalmente como a economia influencia nessa organização.

Nesta caminhada pelo primeiro ano do curso, tínhamos um nítido reflexo dessas formas de organização do pensamento nos componentes curriculares de Sociologia e Filosofia. Por meio delas, pudemos debater fortemente como nosso pensamento se estruturava e qual a função do profissional da educação na sociedade brasileira, sempre embasada por nítidos recortes da situação educacional conturbada do Brasil, mormente de nosso estado do Rio de Janeiro.

Destarte, acredito, que a migração dos alunos do primeiro ano do Curso Normal em significativa quantidade para o curso de Formação Geral, ocorrida logo após o término do ano de 2014, foi um movimento natural de ajuste de identidades marcadas pelas transformações e escolhas características da idade. Assim, as turmas (que eram sempre três em cada ano), de 40 alunos, diminuíam para múltiplos de 30, 20 alunos já no primeiro ano. Segundo Nascimento (2007, p. 208)

Desde a formação inicial, deve realizar-se uma socialização profissional, pelo menos de forma antecipatória, promovendo o conhecimento da realidade da profissão e permitindo o confronto e a (re)elaboração das representações profissionais, incluindo a imagem da profissão e de si próprio relativamente à profissão. Este processo deve articular-se com o esclarecimento e a (re)estruturação do projecto profissional individual, relacionado com a motivação para a profissão.

De certa forma, o papel do professor do primeiro ano do curso de magistério é bem complexo. A mudança dos conteúdos do Curso de Formação Geral para o Curso Normal e vice-versa, é possibilitada no 1º para o 2º ano do Ensino Médio por entender que os currículos dos cursos sofrem pouquíssimas mudanças, e por isso o papel pedagógico dos “professores pedagógicos”7 nas poucas horas disponíveis com os alunos é tão crucial. Naquele espaço o professor além de dar conta do conteúdo, e executar uma pedagogia crítico social dos conteúdos8, ainda precisava dar um gosto do que seria a profissão docente para atuação na Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais, que são as áreas de atuação do professor Normalista.

Em 2015, no segundo ano de formação, a certeza cada vez mais consciente de minha trajetória profissional docente possibilitaram uma relação extremamente viva entre o magistério e os projetos educacionais do colégio, que se estreitaram ainda mais. Muitos deles por parte da

7 Classifico aqui como “professores pedagógicos” os docentes do curso normal, que lidam com os conteúdos próprios da formação docente.

8 Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos é uma tendência pedagógica categorizada por Libâneo (1992), que entende que o conteúdo deve ser indissociado da realidade social, com o intuito de transformação e não reprodução, da sociedade. Tendência pedagógica que está registrada como adotada no PPP do C.E. de São Fidélis.

professora e diretora do “Grupo Teatral Máscaras”, Sonia Sóta, que também sendo professora de Português e Artes, traziam novos significados, quando ela, em nome da formação para a vida, abdicava de suas provas escritas para dar atenção maior aos projetos teatrais do colégio, preferindo-os em relação àquelas. Um desses projetos era a peça teatral “O Grito dos Excluídos", que remonta poesias, telas vivas e músicas de períodos do Romantismo, indo do Indianismo, com “Iracema” ao Ultra Romantismo com Drummond e finalizando com “Navio Negreiro” no Condoreirismo. Essa Peça foi apresentada também na “Semana de Artes”, que aconteceu naquele ano, no Píer Mauá, na cidade do Rio de Janeiro:

Figura 14 - Arte de Bruno Sóta, retirada da página de Facebook do C.E. de São Fidélis. Acesso em 23 de março de 2021.

Também na trajetória do segundo ano em curso, as atividades de estágio começaram a fazer parte da rotina. O curso possui quatro estágios obrigatórios: em Educação Infantil, Ensino Fundamental Anos Iniciais, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial, todos sempre relacionados com a teoria que estava sendo apresentada.

E aqui cabe mais uma indagação: como não compreender a importância do Curso Normal para a formação do professor se a sua formação antecede à formação do Pedagogo no próprio estágio? Não seria um equívoco descontinuá-lo para atender a alguns pensamentos

preferencialistas de estudiosos do campo da formação de professores? A convivência entre o Curso de Ensino Médio na modalidade Normal e as licenciaturas, mormente a Pedagogia não pode ser uma vivência marcada por um crescimento intelectual sólido na vida do professor?

Não seria, em grande parte das vezes, a escolha dos normalistas pelos cursos de licenciatura marcada pelo desejo de ser professor, de forjar sua identidade docente de forma permanente e continuada? Extinguir o curso Normal não seria sepultar de vez essas escolhas, em muitos casos (como a minha) feitas ainda na adolescência? Mas certamente essas não são questões a serem discutidas neste trabalho, ficando para outros lugares.

Voltando ao segundo ano do Curso Normal, nas disciplinas pedagógicas sempre existiu um apelo muito grande para um debate sobre realidades. Quando entrávamos no campo de estágio, existia uma liberdade muito grande de - respeitando a autonomia docente-, debatermos sobre as práticas da sala de aula e podermos compreender na prática os exemplos que gostaríamos de desenvolver. Uma característica nítida do trabalho docente, que era sempre trazido nas aulas pelos professores, era o cuidado com a subjetividade da criança, um olhar atento para as suas necessidades, suas liberdades, e um respeito muito grande ao seu espaço de desenvolvimento.

Enfim, o ano de 2016 chegou e com ele o terceiro ano do Curso Normal, com seus estágios e atividades rotineiras, marcadas pela correria em um ano de finalizações. Esse seria o meu último ano de formação. Nele, as aulas de CDPs (Conhecimentos Didáticos Pedagógicos) definitivamente me fizeram construir uma sólida percepção sobre o atuar docente, sobre a educação como prática de liberdade9.

Por meio das disciplinas de Sociologia de Educação e Política Educacional, pudemos debater sobre a importância da nossa manifestação política e na ocupação dos espaços de deliberação das políticas públicas. Guiados pelo professor Fábio Willemen Alonso, realizamos vários debates - assim como entrevistas com cidadãos e interações sociais diretas, como a organização para votação de representantes do Conselheiro Tutelar, debate sobre a anulação do voto e a montagem de um mercado dentro de sala para ambientar cenas de cotidianos de machismo, racismo, xenofobia, dentre outros comportamentos sociais. O conteúdo da disciplina também nos levava a compreender como as políticas públicas são formuladas, quem seríamos

9 Freire (2014) utiliza este conceito como instrumento de transformação do homem e da sociedade.

nós enquanto agentes desse sistema educacional e com que realidades da cidade estaríamos lidando.

Figura 15 - Teatro sobre desigualdades sociais / Figura 16 - Debate sobre anulação do voto

Figura 17 - Votação para o Conselho Tutelar, 2016.Acervo pessoal.

Tanta riqueza me levou, ao final daquele ano, a ter certeza da continuidade de minha trajetória profissional: queria realmente continuar a ser professor! Essa inspiração teve a participação mais efetiva de dois professores: a professora Sônia Sóta10, que em meio a mercadinhos montados em salas, leituras interpretativas, eventos para a copa e para as olimpíadas, os inúmeros saraus românticos no CESF, o cuidado e carinho para com os seus

10 (Por Matheus Berriel – Folha 1) - “Sônia Sóta lecionava língua portuguesa e artes no Colégio Estadual de São Fidélis (Cesf), onde também foi coordenadora pedagógica e durante muitos anos esteve à frente do Grupo Teatral Máscaras. Entre os espetáculos por ela dirigidos está “A Fantástica Fábrica de Natal”, tradicionalmente apresentado aos finais de ano no auditório do CESF. À frente do grupo, também organizou saraus e o Bloco Bal Masqué, este com objetivo de relembrar os antigos Carnavais nas ruas do Centro fidelense. Além da AFL, também

integrou a Associação Zona Cultural Fidelense”. Disponível em:

https://www.folha1.com.br/_conteudo/2020/05/geral/1261467-morre-a-professora-sonia-sota-sexta-vitima-da-covid-19-em-sao-fidelis.html. Acesso em 22 abr.2021.

alunos e que por sua inegável experiência de vida, me levou a encarar a profissão com responsabilidade. E o professor Fábio Alonso, que ao lecionar as disciplinas de Políticas Educacionais e Sociologia da Educação me apresentou a riqueza do Curso Normal e defendê-lo com unhas e dentes.

As experiências da trajetória até o final do curso Normal, aulas, atividades, experiências diversas e os exemplos deixados por aqueles professores foram elementos decisivos para que eu me certificasse decisivamente de que a Pedagogia seria o campo e formação profissional que eu haveria de seguir. Afinal, como afirma Bragança (2001, p.63), esses são “lugares e objetos que trazem marcos e que nos ajudam a evocar os acontecimentos que testemunharam: a rememoração do passado traz fatos marcados por um espaço e um tempo determinados”.

Fechou-se um ciclo, mas segui em frente com grandes expectativas e confiante sobre o que haveria de vir!

4 DO CURSO NORMAL AO CURSO DE PEDAGOGIA; DO CURSO DE PEDAGOGIA