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3 EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE EM FOCO: UMA IDENTIDADE NORMALISTA CONSTRUÍDA EM SÃO FIDÉLIS-RJ

3.3 O Colégio Estadual de São Fidélis

3.4.1 Das origens à travessia para o outro lado do estado: novos lugares sociais

3.4.1.2 As experiências no Ensino Fundamental

No Ensino Fundamental, a escola sempre se preocupava em executar seu PPP (Projeto Político Pedagógico) vidando a maior interação possível dos sujeitos com aquele ambiente.

Regidas pela professora e coordenadora pedagógica Thereza Solange Jardim Machado, as avaliações sempre eram pensadas “fora do padrão”, ou seja, daquilo que costumeiramente se pensava que uma avaliação deveria ser.

Como exemplo dessa abordagem não tradicional, relembro da aplicação de uma prova de Português, componente curricular que era lecionada pela professora Josinéia Patrício Tavares Arruda. Naquela prova eu escrevi um esquete de romance policial e fiz meus colegas de turma atuarem junto comigo na gravação de um vídeo que ficou horrível em questão de interpretações. Acredito que com ela nenhum de nós ganharíamos um Oscar. Uma caracterização de envelhecimento de atores com farinha no cabelo... a policial à paisana vestida com roupa social de domingo da igreja... “Quem foi quem matou?” O romance contava a história de um crime passional movimentado por um caso de amor e traição numa delegacia de polícia. Mas esses eram tempos novos de liberdade, que me faziam sonhar e me apropriar de novos fazeres, que me construíam como pessoa a cada dia. Mal sabia eu que tudo isto estava me levando a forjar minha vida profissional, para assumir o “ser docente” que estava por vir.

Em outra oportunidade, a turma debateu largamente sobre a importância da coleta seletiva, e realizamos um trabalho de criação de lixeiras específicas e fomos de sala em sala

explicar a diferença entre elas e a importância de reciclagem. E foi assim, entrando na sala do sexto ano, onde minha irmã estudava, que conheci a professora Sonia Sóta. Ela dava aulas de Português naquele momento e viu em mim potencial. Ah! Que sonho! Eram tempos de liberdade e nostalgia, mesclados a um fazer pedagógico de múltiplas interações sociais. Vale aqui repetir que esse lugar, que segundo Bourdieu (2008, p.160) é “ponto do espaço físico onde um agente ou uma coisa se encontra situado, tem lugar, existe”, se apropriava cada vez mais de mim naquele espaço físico de colégio onde me encontrava comigo mesmo cada vez mais. Às vezes tinha a sensação de que era para ser assim

No ano de 2009, com 11 anos de idade, já iniciei o sexto ano do Ensino Fundamental fazendo oficinas teatrais até a professora me colocar, naquele mesmo ano, no elenco da peça teatral “O Mágico de Oz”. Eu fazia o papel de prefeito da cidade dos duendes e tinha umas seis ou sete falas. Na estreia da peça “engoli” duas delas e uma colega de cena “tapou meu buraco”.

Quando a professora Sonia Sóta, aquela mulher sensacional me colocou em um palco, me ensinou a transmitir todos esses sentimentos para a minha atuação isso definitivamente me transformou: ela me salvou te tantas formas que eu nem sei dizer!

Ao chegar ao último ano do Ensino Fundamental, antes mesmo de ocupar o lugar social de um aluno do Ensino Médio, já havia lido todos os livros obrigatórios do currículo mínimo.

Tudo pelas artes! E pensar que tudo isso foi causado por aquela professora, a Sonia Sota...

Figura 9 - Foto do acervo pessoal. Alunos visitando a 7ª Bienal do livro em Campos dos Goytacazes. (na fileira de trás, sou o sexto, ao lado da saudosa professora Sônia Sóta.

De tanto me incentivar, ao olhar o meu potencial, aquela mestra ajudou a enxergar em mim as habilidades necessárias para a carreira docente que estava por vir. Não se trata

simplesmente por ser uma professora incentivadora – a propósito, nos dias de hoje já seria uma coisa fenomenal alguém lutar para dar aulas. Se trata de uma mulher que valorizava muito o que fazia. Da forma que ela encarava a profissão, amando o que fazia e trazendo para a sala de aula o lúdico misturado à inventividade e ao ensino, era impossível não envolver todo mundo na fantasia da sua criatividade. Ah! Tantos foram os jovens que, incentivados por ela, na sua simplicidade, deixaram de estar em lugares errados para estar dentro daquele salão de teatro!

Ela tinha um abraço tão acolhedor. Uma mulher sensacional, que infelizmente a pandemia levou!

O Colégio investia pesado na estrutura cultural, com oficinas nas mais diversas áreas do conhecimento. Oferecia aulas de violão, de sapateado, de jazz e de interpretação poética. Afinal, na “Cidade Poema” não poderia ficar de fora a veia poética! Constantemente o colégio realizava recitais de poesia com parcerias com a Academia Fidelense de Letras e com a Sala de Ensaio.

Esta iniciativa buscava reativar a poesia de tradição fidelense. E foi em um desses saraus onde fiz a minha primeira declamação de poesia. O trecho abaixo pertence à poesia “Meu lugar”, de minha autoria, premiada nas Olimpíadas de Língua Portuguesa que falava sobre São Fidélis, sua história, sua memória e sua forte tradição poética:

O lugar aonde vivo tem poesia,

tem história, coisas belas e lindas que eu guardo na memória Frei Angelo e Frei Vitório vieram aqui fundar uma cidade tão linda que a todos sabe inspirar (...)

Figura 10 - Foto do acervo pessoal. Sarau poético no CESF, ano de 2012.

E essa memória, lembrada pelas atitudes, talentos e valores pessoais, eivada e rica de tessituras de outros sujeitos, como as professoras que passaram pela minha vida, foram se transformando em uma “forma de entender a formação de professores, uma concepção onde a memória vai constituindo uma matéria viva que se articula aos saberes científicos e pedagógicos no momento dinâmico de concretização da prática pedagógica” (BRAGANÇA, 2001, p.110).

Essa “viva memória prática”, tão bem sinalizada por Bragança (2001), ainda vivenciada por uma formação “em formação”, tecida pelos diversos sujeitos que nela se entremearam (familiares, professores, colegas de turma), se mistura ao presente, vivido com as inúmeras lembranças trazidas do Curso Normal, que será abordado doravante, e também no Curso de Pedagogia, como aluno, nas diversas ações cotidianas estudantis, com participação em estágios, diretório acadêmico, PIBID(Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) e outras vivências importantes, capazes de construir com riqueza de detalhes a minha identidade docente como professor forjado no interior norte-noroeste fluminense.

No ano de 2013, ainda cursando o 9º ano do Ensino Fundamental, ao identificar uma falta de representatividade na representação estudantil, me ofereci para compor a chapa Garra

do GEJI6. Era papel do Grêmio, além da representação estudantil nos debates com a Direção e Coordenação Pedagógica, a realização dos eventos para angariar fundos para o funcionamento do mesmo, como o Garoto e a Garota CESF, evento realizado anualmente, para nomear o casal de alunos representantes do Colégio, assim como os eventos do “Dia da Consciência Negra” e evento dos “Dia dos Namorados”, onde organizávamos entregas de buquês de flores, dedicação de poesias e correio do amor, os shows de talentos e a rádio do colégio.

Desde que assumimos (a chapa) por eleição, o principal foco da união estudantil era garantir que a escola fosse o espaço mais democrático possível, ressignificando os eventos de representatividade e abrindo espaços para as manifestações culturais e literárias, como a parceria com o grupo “SuperAção", que era um grupo de alunos assíduos da Biblioteca Escolar Juraci Silveira, que sempre realizavam, ao comando da prof. Maria Pires e fomentados pela Secretária Estadual de Educação, várias campanhas de leitura.

Figura 11- Foto do acervo pessoal. Evento do Dia dos Namorados em parceria com a equipe “SuperAção”

(junho de 2015).

6 O GEJI - Grêmio Estudantil Juventude Idealista é a entidade estudantil representante dos alunos do Colégio Estadual de São Fidélis. A organização é responsável por um dos primeiros estatutos estudantis registrado em cartório no estado do Rio de Janeiro.

Figura 12 - Foto de acervo pessoal. Integrantes do GEJI no evento Garoto e Garota CESF de 2013 (sou o segundo da esquerda para a direita)

Assim formado em um ambiente culturalmente tão rico, aos poucos fui forjado para ingressar no Curso de formação de professores na modalidade Normal, que a escola oferecia como continuidade, pensando não somente na possibilidade de fazer do professorado um espaço de repercussão artístico, mas também considerando o mercado de trabalho no campo da educação e para além dela, que é bem vasto.

3.4.1.3 No Ensino Médio: as experiências no Curso de Formação de Professores na