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Ao buscar-se entender qual o significado de ensino médio para o governo do Estado, encontra este objetivo na LDB:

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) confere ao Ensino Médio o caráter de etapa integradora e finalizadora do processo educacional brasileiro considerado básico para o exercício da cidadania, para o

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acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e para o desenvolvimento pessoal do educando66.

E, segue colocando a importância na formação para o mundo do trabalho e para a cidadania, o aprimoramento como pessoa humana e a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, cuja tendência segundo eles, é tornar-se progressivamente obrigatório e universais, como fator de desenvolvimento econômico, social e de avanço da democracia.

Na formação de um cidadão consciente, segundo a SED de SC, cabe ao processo de ensino aprendizagem tornar esse aluno capaz de interpretar e posicionarem-se diante de temas polêmicos tais como uso indiscriminado das tecnologias e dos recursos naturais.

Historicamente o ensino médio no Brasil tem produzido baixos índices de oferta e de baixa qualidade. Segundo Acácia Kuenzer (2002) os textos oficiais e os elaborados pelos especialistas indicam como raiz do problema a ambigüidade de um nível de ensino, pois prepara para o mundo do trabalho e também para a continuidade dos estudos, colocando como saída o desafio de criar uma concepção de ensino médio “que articule de forma competente essas duas dimensões” (p.25), definindo melhor as finalidades, os conteúdos e os procedimentos metodológicos. Para Kuenzer a definição da concepção é um problema político, ou seja:

[...] o acesso a esse nível de ensino e a natureza da formação por ele oferecida – acadêmica ou profissionalizante – inscrevem-se no âmbito das relações de poder típicas de uma sociedade dividida em classes sociais, às quais se atribui ou o exercício das funções intelectuais e dirigentes, ou o exercício das funções instrumentais. Ou seja, inscreve-se no âmbito da concepção de sociedade. (p.26)

Kuenzer (2002) coloca a categoria “dualidade estrutural” como explicativa na constituição do Ensino médio e profissional no Brasil, pois “desde o surgimento da primeira iniciativa estatal nessa área, até o presente, sempre se constituíram duas redes, uma profissional e outra de educação geral”, que atendem às necessidades socialmente definidas pela divisão social e técnica do trabalho. E dentro dessa divisão o Ensino Médio “inclui os socialmente incluídos”, e para os excluídos “alguma modalidade de preparação para o trabalho” (p.26). E segundo a autora, não tem como compreender o ensino médio no Brasil sem tomá-lo

em sua relação com o ensino profissional, já que ambos compõem as duas faces indissociáveis da mesma proposta: a formação de quadros intermediários, que desempenharão, no contexto da divisão social e técnica do trabalho, as funções intelectuais e operativas em cada etapa de desenvolvimento das forças produtivas. (p.26)

O desenvolvimento histórico do ensino médio e profissional no Brasil é constituído a partir dessa categoria “dualidade estrutural”, pois segundo Kuenzer (2002) há uma “nítida demarcação da trajetória educacional dos que iriam desempenhar as funções intelectuais ou instrumentais”, fruto de uma sociedade que desenvolveu as forças produtivas com delimitações claras de uma divisão entre capital e trabalho inspirada no taylorismo-fordismo, definindo de um lado as atividades de planejamento e supervisão e de outro lado, as de execução (p.26-27). E essa divisão vai se acentuar nos anos 40, em virtude do desenvolvimento dos vários ramos profissionais, do setor secundário e terciário. A partir da reforma Capanema, de 1942, inicia-se uma articulação, com ajuste das propostas pedagógicas às mudanças que estavam ocorrendo no mundo do trabalho, entre as modalidades científica e clássica e as profissionalizantes, dando a esses últimos o direito de participar dos processos de seleção para o ensino superior. Até então era nítida a “dualidade estrutural” de constituição do ensino médio no Brasil, com a existência de dois caminhos: “um, para os que serão preparados pela escola para exercer funções de dirigentes; outro, para os que, com poucos anos de escolaridade, serão preparados para o mundo do trabalho”, na rede pública ou privada. (p.29)

Muito embora promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/1961) que altera significativamente, reconhecendo a integração completa do ensino profissional ao sistema regular de ensino, onde estabelece a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e os “propedêuticos”, para fins de prosseguimentos nos estudos, a dualidade estrutural continua a existir, para distintas clientelas conforme a divisão do trabalho existente na sociedade capitalista de então.

A proposta de generalização da profissionalização do ensino médio estabelecida pela Lei 5.692/1971, durante o regime militar, antes mesmo de ser implantada é reelaborada pelo Parecer nº 761/197567, que restabelecia a modalidade de educação geral, posteriormente consagrada pela Lei nº 7.044/1982, normalizando, segundo Kuenzer (2002),

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A Lei 5.692 pretendeu substituir a dualidade pelo estabelecimento da profissionalização compulsória no Ensino médio, todos teriam uma única trajetória, objetivando ajustar-se à nova etapa de desenvolvimento , marcada pela intensificação da internacionalização do capital e superação de importações pela hegemonia do capital financeiro, onde demandava por força de trabalho qualificada, e que por razões várias, a implantação desse novo modelo não se deu.(Kuenzer, 2002, p.29-30)

[...] um novo arranjo conservador que já vinha ocorrendo na prática das escolas, reafirmando a organicidade da concepção de ensino médio ao projeto dos já incluídos nos benefícios da produção e do consumo de bens materiais e culturais: entrar na Universidade. Os historicamente excluídos desses benefícios, que se mantiveram na escola, não colheram frutos que pudessem permitir a superação da sua situação de classe, já que a ‘qualidade’ dessa escola, que é a qualidade do propedêutico, do academicismo livresco, não lhes forneceu elementos para o necessário salto qualitativo, [...]. (p.30)

A pedagogia do trabalho taylorista-fordista, segundo Kuenzer (2002), priorizou os modos de fazer e o disciplinamento, sendo desnecessário ao trabalhador o acesso ao conhecimento científico “que lhe propiciasse o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas e a construção de sua autonomia” (p.31).

Com a globalização novas mudanças ocorrem, exigindo um novo tipo de trabalhador com capacidades intelectuais que lhe permitam adaptar-se à produção flexível Kuenzer (2002) destaca como principais mudanças:

A capacidade de comunicar-se adequadamente, com o domínio dos códigos e linguagens, incorporando, além da língua portuguesa, a língua estrangeira e as novas formas trazidas pela semiótica; a autonomia intelectual, para resolver problemas práticos utilizando os conhecimentos científicos, buscando aperfeiçoar-se continuamente; a autonomia moral, através da capacidade de enfrentar as novas situações que exigem posicionamento ético; finalmente, a capacidade de comprometer-se com o trabalho [...]. (p.32)

Tendo em vista essas novas determinações, muda o eixo da educação média e profissional. No entanto, não é assegurada a todos, pelo contrário como é colocada por Kuenzer (2002) em cima das pesquisas que vem sendo realizadas, a oferta de oportunidades de sólida educação científico-tecnológica se dá para um número cada vez menor de trabalhadores incluídos, que na verdade cria-se uma “nova casta de profissionais qualificados”, e por outro lado uma grande massa de excluídos cresce a cada dia no trabalho cada vez mais precarizado, que é característico do capitalismo pelo padrão de acumulação. (p.32)

E diante desse quadro, Kuenzer (2002) conclui que a “efetiva democratização da educação só será possível com a efetiva democratização da sociedade, em outro modo de produção, em que todos os bens materiais e culturais estejam disponíveis a todos os cidadãos”. (p.33)

No entanto, Kuenzer (2002) coloca que apesar das contradições e efeitos da globalização da economia, alguns pontos são positivos, no reconhecimento da nova legislação e do discurso oficial da necessidade de expansão da oferta de ensino médio, até que atinja a toda a população de 15 e 16 anos. Como também já não se entende possível a formação profissional sem uma sólida base de educação geral, não repousando mais na aquisição de modos de fazer, como no taylorismo-fordismo. Ao contrário:

[...] passa a ser concebida como resultante da articulação de diferentes elementos, através da mediação das relações que ocorrem no trabalho coletivo, resultando de vários determinantes subjetivos e objetivos, como a natureza das relações sociais vividas e suas articulações, escolaridade, acesso a informações, domínio do método científico, riqueza, duração e profundidade das experiências vivenciadas, tanto laborais quanto sociais, acesso a espaços, saberes, manifestações científicas e culturais, [...] (p.33)

São colocados ao ensino médio dois novos desafios. Segundo as novas determinações68 do mundo social e produtivo, a sua democratização e a formulação de outra concepção, articulando formação científica e a sócio-histórica à formação tecnológica. Mas, como coloca Kuenzer (2002) essa elaboração não é um problema pedagógico, mas sim um problema político, pois:

Não é suficiente para transformar a realidade de uma sociedade dividida na qual crescem as exclusões na mesma proporção que diminuem os recursos públicos que permitiriam a formulação das políticas e projetos necessários à garantia dos direitos mínimos de cidadania. (p.35)

Segundo Kuenzer (2002) essas soluções são ideológicas e limitadas ao pedagógico, desconsideram a realidade brasileira, que reproduz internamente a mesma desigualdade existente entre os países, no âmbito da internacionalização do capital. É necessário compreender as verdadeiras causas para entender os novos desafios colocados ao ensino médio. “Uma concepção só ganha concretude quando tomada em relação às condições reais de sua implantação” (ibid). Para um ensino médio que pretenda garantir conhecimento tecnológico para todos é necessário investimento em espaço físico, equipamentos, contratação de professores e sua capacitação. A legislação estimula, mas a escola pública real é pauperizada, insuficiente em oferta de vagas e inadequada enquanto proposta, inserida numa sociedade cujo modelo econômico conduz à redução dos fundos públicos e à exclusão da

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maioria. Segundo Kuenzer, essa realidade “exige mediações diferenciadas no próprio ensino médio, para atender às demandas de uma clientela diferenciada e desigual”.(p.37)

Na nova LDB, o que Kuenzer afirma de novidade existir, relacionado à finalidade para todos os níveis de ensino está no desenvolvimento da capacidade de “usar conhecimentos científicos de todas as áreas para resolver as situações que a prática social e produtiva apresenta ao homem cotidianamente”, tendo em vista as exigências da atual fase de desenvolvimento da sociedade capitalista. E especificamente no ensino médio dentro das finalidades e objetivos assumem o compromisso de

[...] educar o jovem para participar política e produtivamente do mundo das relações sociais concretas com comportamento ético e compromisso político, através do desenvolvimento da autonomia intelectual e da autonomia moral. (p.40)

Mas como coloca Kuenzer, para que esse compromisso seja atingido é necessário que o projeto político pedagógico de cada escola para o ensino médio possibilite a cada aluno, no transcorrer de sua vida:

Aprender permanentemente; - refletir criticamente; - agir com responsabilidade individual e social; - participar do trabalho e da vida coletiva; - comportar-se de forma solidária; acompanhar a dinamicidade das mudanças sociais; - enfrentar problemas novos construindo soluções originais com agilidade e rapidez, a partir da utilização metodologicamente adequada de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos; - ter utopia, a orientar a construção de seu projeto de vida e de sociedade. (p.40)

No entanto a autora adverte que as finalidades no ensino médio se concretizarão por diferentes mediações, tendo em vista as condições concretas de cada região, de cada localidade, de cada escola, de cada clientela. Isto também considerando que apesar do trabalho ser produtor de mercadorias que geram riqueza para o capital, ele cada vez mais se tem apresentado “como espaço para poucos, em face das características do modelo de desenvolvimento em curso, marcado por ganhos crescentes do grande capital internacional” (p.40). E nos países periféricos, as contradições ainda são maiores entre o capital e trabalho, corrói fundos públicos, extingue postos de trabalho, aumenta exclusão criando alternativas de mais precarização do trabalho através da flexibilização. E para atingir os objetivos da democratização do ensino médio as condições materiais no caso brasileiro não estão dadas.

Kuenzer (2002) coloca que “mais do nunca” o ensino médio do novo século deverá superar a concepção conteudista, substituindo por “mediações significativas entre os jovens e o conhecimento científico, articulando saberes tácitos, experiências e atitudes” (p.42).

Neste sentido, lembramos do autor João Luiz Gasparin (2005) que, baseado na pedagogia histórico-crítica, fala de uma metodologia de ensino de preparação ou mobilização do educando para a construção do conhecimento escolar. O trabalho inicial do educador é desafiar e sensibilizar o educando, mostrando a ele a relação entre o conteúdo e sua vida cotidiana, suas necessidades, problemas e interesses, fugindo da concepção conteudista e colocando-o também como sujeito do processo ensino-aprendizagem.

Kuenzer (2002) lembra-nos de outro aspecto: o ensino médio brasileiro tem exercido a função de “referendar a inclusão dos incluídos, justificada pelos resultados escolares”. Pois além dos incluídos vivenciarem experiências sociais e culturais que lhes proporcionam vantagens na relação com o conhecimento sistematizado, tem também as condições materiais que lhes favorece. Em geral, são os que melhor se comunicam, tem melhores aparências, dominam mais conhecimentos e adotam as condutas de disciplinamento exigidas na vida escolar, produtiva e social. A escola de ensino médio deverá fazer essa diferenciação para que os menos favorecidos estejam em condições de identificar, compreender e buscar suprir, ao longo de suas existências, suas necessidades em relação à produção científica, tecnológica e cultural. E cabe aí à escola construir um projeto político-pedagógico que permita o enfrentamento dessas limitações.

No que se referem aos dados quantitativos69, no Brasil existem 26.665 escolas que oferecem ensino médio, sendo que destas 18.608 são estaduais; 172 são federais; 924 municipais e 6.961 são escolas particulares.

Em 2008, no Ensino Médio, a rede estadual continua a ser a grande responsável pela oferta (86%). No ano de 2008 houve um decréscimo de somente 3.269 matrículas. Na maioria dos estados, as comparações dos dados de matrícula de 2007 e 2008 mostram somente pequenas oscilações (entre -3,7 e +3,41%), excluindo-se alguns estados70.

Na educação profissional a divisão da matrícula é mais igualitária: a rede pública conta com 46% e a rede privada de ensino 54%.

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Retirado site www.inep.gov.br, em 18/06/2009. 70

Segundo Inep Pará e Distrito Federal, teve queda de 8% e 7%, respectivamente. Acre houve crescimento de 8% e Amazonas de 7%.

Diferentemente em 2008 a oferta de Educação Profissional, “de forma concomitante e subseqüente ao Ensino Médio cresceu 15% em relação a 2007, significando a ampliação da matrícula em 101.849 vagas” 71.

Na educação de jovens e adultos (EJA), verifica-se um crescimento de 31.878 matrículas (2,0%) no ensino médio em relação ao ano de 2007. Esse dado confirma a EJA, principalmente no ensino médio, como uma alternativa para o prosseguimento dos estudos em nível superior daqueles que não tiveram acesso, ou possibilidade de continuidade de estudos, na idade própria.

Dada essa contextualização do ensino médio público, no próximo item é colocado a situação das escolas públicas na região de Florianópolis, segundo a pesquisa de campo realizada pelos estudantes da UFSC.