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P: Agora essa reportagem também foi impressa no suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo, sábado 18.11 2006, escrita por Patrícia Trucs da Veiga, Marceloa

5.4. Princípios contemplados durante as aulas

5.4.1. Ensino reflexivo

O princípio do ensino reflexivo esteve presente em todas as aulas das duas docentes. Percebemos que as professoras se empenharam em desenvolver em suas aulas momentos em que os alunos pensassem sobre as diferentes propostas de trabalho.

Podemos perceber, durante toda sequência, diferentes momentos em que a abordagem reflexiva tornou-se presente. Selecionamos abaixo um extrato da aula da professora 1 (mód. 2, aula 3):

P: Vou ler uma reportagem e vocês vão ficar espertos para responder as perguntas sobre a reportagem. (Filhos do coração). Agora vou fazer as perguntinhas para vocês. O que vocês acharam?

A: Interessante. A: Importante e triste. P: Por que importante?

A: Porque desde pequenos as crianças esperam a adoção e elas tem que ser adotadas. A: Tem que ser bem tratadas.

A: Porque há um processo pra cada mãe que quer adotar ou o pai. Para a criança ser liberada, uma pessoa tem que ir lá e ver a casa e ver se ela tem condições de cuidar. P: E as crianças nascem em uma família?

A: Nascem.

P: E por que elas precisam de uma família? A: Para cuidar delas.

P: Então, toda criança precisa de uma família para cuidar dela? A: Para dar de comer.

P: Toda família cuida da criança? A: Nem todas.

P: Quando isso ocorre, o que é que acontece quando os pais batem, tentam até vender o filho. O que acontece com as crianças?

A: Vão para o orfanato.

P: E ficam no orfanato fazendo o que? A: Esperando para ser adotado.

P: O que você percebeu através da reportagem? Que demora para que a criança seja adotada? O que provoca essa demora para a adoção?

A: A justiça.

P: A justiça é lenta? A: É.

P: Por que a justiça fica demorando? A: Porque tem muitos.

P: Qual a primeira tentativa da justiça? A: Investigar.

P: Não.

A: Investigar se os pais terão cuidado com os filhos. P: Quase isso, o que provoca essa tentativa?

A: Porque dão preferência aos pais biológicos. P: O que danado são pais biológicos?

A: A mãe e o pai verdadeiro.

P: A mãe e o pai que geraram o bebê. Olha lá, o juiz fica tentando que a criança volte para a família biológica. Quando não é possível?

A: Passa para os pais adotivos.

P: E aí durante esse tempo de espera quem fica cuidando? A: Os donos dos orfanatos.

(...)

Percebemos que as questões propostas pela professora permitem que os alunos reflitam sobre o conteúdo abordado, sobre causas e consequências do assunto discutido, agindo como interlocutores reais, na construção de sentidos. A professora possibilitou também que os alunos refletissem sobre alguns elementos de identificação da reportagem lida, como os autores, o nome do jornal em que ela circulou, o local da publicação.

A professora 2 também desenvolveu este princípio em todas as aulas da sequência, como podemos ver no exemplo abaixo (mód. 5, aula 6):

P: Vamos lá: Lan House. Ou melhor: São Paulo. Lan Houses e outros centros de acesso à internet oferecem um serviço que pode causar prejuízo a terceiros e são responsáveis a responder judicialmente caso os usuários pratiquem conduta ilícita (leitura da reportagem). Então todo mundo aqui que usa lan house, quando vai à lan house, vocês preenchem um documento? Vocês tão usando o computador lá, vocês colocam o nome de vocês, endereço?

A: Não. A: No e-mail.

P: Não, não é no computador, eu tô perguntando para usar, para sentar na cadeira e usar a máquina, vocês preenchem algum documento?

A: Não. A: Preenche.

P: Não. Um formulário como Marília de Freitas, rua num sei o que, tal, telefone. A: Não.

A: Eu boto o nome.

P: Não filho, eu não to falando no computador não, eu to falando de você pagar a lan house e usar naquela hora. Então essa lei existe. Essa lei existe em SP, em Recife, em todo lugar. Então, porque não preencher? Mas por que não preencher os documentos? Aí a lan house é responsável pelo que você fez lá. Essa reportagem tá dizendo porque a moça ganhou. Imaginem alguém como vocês que usam lan house, usou, e não foi nem com o computador da lan house, chegou lá com um laptop, um notebook, uma coisa parecida e usou pela rede wireless.

A: Ham?

P: Pela rede sem fio. A gente aqui usa. Na lan house, eles não pediram a identificação da pessoa. O que foi que aconteceu? Quem consegue lembrar? O que foi que um usuário de uma lan house fez? O que foi que um usuário da lan house fez com a administradora de empresas? Quem consegue lembrar? O que foi que aconteceu aqui nessa reportagem? Ela processou por que, Carolina? Não prestou atenção. Você consegue lembrar, Daiana? O que aconteceu?

A: Ofendeu ela. P: Como?

A: Botando pra fora.

P: Não. Teve o que no computador? Xingou, falou mal dele, onde? Mandando e-mails pra quem?

A: Pra ela.

P: Para os clientes dela. Dizendo que ela era desonesta. Aí, o que ela fez? A: Ele botou na justiça.

P: Ele quem? A: O homem. A: Ela foi na justiça. P: Ele quem? A: A internet. A: O homem.

P: Muito bem. Fernanda quer dizer o seguinte: ela foi conseguir na justiça rastrear para saber de onde partiu aquele e-mail. Aí pelo IP que é uma identificação que tem, localizou que foi naquela internet, então quem foi processado?

A: O dono.

P: O dono de quê? A: Da lan house.

P: Por que ele foi processado? A: Por danos morais.

P: Danos morais. E por que ele foi processado por danos morais? O que foi que ele fez? Qual foi a falha dele?

A: Permitiu.

A: Que os outros usassem.

P: Por isso que eu perguntei: vocês se identificam? A: Não.

P: Então se você fizer alguma coisa quem vai penar é o dono da lan house. A: Lan house.

P: Porque vão descobrir que foi dali que saiu. Mas essa reportagem escutou só a mulher? Quem foi a outra voz que falou aqui nessa reportagem?

P: Mas teve uma outra voz que é o advogado. O advogado, professor da Universidade Católica de Salvador. É uma coisa recente. Ele concordou com a juíza que puniu a lan house a indenizar. Indenizar é quando você recebe algo porque eles fizeram alguma coisa errada. Um mal, um dano. Quando bate no seu carro indeniza. Quando fala mal de você, indeniza. Então nesse caso ela foi indenizada em 10 mil reais porque uma pessoa mandou e-mails para os clientes dela falando mal dela.

A professora 2 realizou uma boa discussão a partir da reportagem lida. Os alunos construíram relações sobre as situações que acontecem na sociedade de forma crítica, responderam perguntas de leitura diferenciadas, identificaram as vozes das pessoas envolvidas no fato abordado na reportagem, bem como estabeleceram outras relações sobre a mesma situação. Destacamos que a condução da professora permitiu que os alunos desenvolvessem habilidades sofisticadas, como a identificação de inserção de voz das pessoas da reportagem.

O ensino pautado na reflexão está apoiado numa concepção de língua como discursos e enunciação. Como já discutimos anteriormente, no referencial teórico, uma concepção de língua enquanto discurso e enunciação “implicará uma postura educacional diferenciada, uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 1997, p. 41).

Assim, percebemos que as professoras não realizaram apenas a leitura das reportagens, elas discutiam as temáticas e fatos abordados e faziam perguntas de modo que os alunos refletissem sobre os assuntos, fazendo relações entre as diferentes informações apresentadas e sobre as características do gênero, assim demonstram que o ensino pode ser desenvolvido de modo articulado em que a reflexão sobre as características do gênero e as temáticas juntas são complementares e interativas, permitindo que os alunos aprendam numa situação maior de reflexão.