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4. DIÁLOGO FICCIONAL/JOGOS DE CENAS SOBRE PRÁTICAS

4.1 Ensino significativo no PALMA

Marta – Um ensino que faça sentido ao aluno, oposto a um ensino mecânico e descontextualizado do universo da criança e que, por isso, possa favorecer uma aprendizagem significativa.

Paula – Você quer dizer, então, que o ensino de matemática que parte da realidade do aluno torna-se significativo para ele?

Marta – É isso mesmo.

Paula – E você acha que o ensino no PALMA é significativo?

Marta – Estive lendo sobre o assunto e, sem uma compreensão única do que seja um ensino significativo, Villela e Archangelo (2013) discutem três abordagens clássicas sobre o ensino significativo: uma voltada às necessidades cognitivas e afetivas do aluno e que, para tanto, o ensino deve partir da realidade do aluno. A abordagem piagetiana indica que o ensino significativo é aquele que possibilita uma compatibilidade com o desenvolvimento das estruturas de pensamento do aluno, ou seja, a realidade do aluno é entendida em termos cognitivos e o ensino deve ser progressivo; a segunda, apoiada em Ausubel116, considera que o ensino significativo depende de um vínculo entre o conteúdo escolar e o conjunto de referências conceituais que a criança já possui, ou seja, o ensino deve partir do que a criança já sabe. Uma terceira vertente baseia-se na perspectiva de que a escola e o ensino devem respeitar as experiências sociais e culturais da criança, portanto os conteúdos devem estar embasados nelas.

Paula – É uma abordagem denominada de socialista ou populista, não é?

Marta – Isso mesmo, sem feições teóricas muito definidas117, é uma perspectiva também considerada ingênua, mas com a qual muitos professores se identificam.

Paula – E com relação à abordagem que fazemos no PALMA, você pensa o quê? Marta – Penso que não há uma definição fechada do que seja um ensino significativo. A segunda abordagem defendida por Ausubel118, considera que a aprendizagem significativa depende de um vínculo entre o conteúdo que a escola apresenta ou ensina à criança e o conjunto de referências conceituais que a criança já possui. Talvez se

116 Ausubel (1978) apud Villela e Archangelo (2013, p. 67). 117 Villela e Archangelo (2013, p. 66).

inspire nesta abordagem a proposta do curso de se levar sempre em consideração o que os professores/cursistas já sabem sobre os conteúdos conceituais e didáticos.

Sob meu ponto de vista, quando abordamos a história da matemática no sentido de mostrar aos cursistas que a linguagem matemática surgiu com a necessidade do homem de contar, calcular e medir, que os conceitos matemáticos se desenvolveram ao longo da vivência, da ação humana, estamos tornando-a significativa. O que se opõe ao ensino mecânico que tive na minha época de estudante, no qual era obrigada a memorizar regras.

Paula – Uma abordagem com rastros na filosofia Iluminista que crê nos poderes da razão, na ideia de evolução. A estruturação do programa com suas etapas e conteúdos organizados a partir de sequências didáticas que se baseiam na fragmentação, não só de conteúdos, como da forma de aprender isoladamente, com a qual temos a intenção de promover um aperfeiçoamento em educação matemática, também pode ser alvo de revisão.

Será que não há outra maneira de se ensinar/aprender matemática em programas de formação na área de educação matemática além dessa visão privilegiada, na qual a realidade é um sistema de causalidade em que é possível manter o controle?

Marta – Não havia pensado no curso por esse ponto de vista. Talvez tenhamos nos acomodado nessa forma de organização.

Paula – Por exemplo, a disciplina119 de Estágio da Faculdade de Educação da Unicamp, ministrada para os cursos de Licenciatura da Unicamp que acompanhei enquanto mestranda, pautou-se no desenvolvimento de um Projeto de Estágio denominado “Desconstruindo a educação escolar disciplinar”, que teve como propósito produzir conhecimentos que pudessem sustentar e viabilizar novas formas de educação escolar não mais centrada no princípio de organização disciplinar da cultura escolar120. Orientou-se, como expresso na ementa, pela problematização (in)disciplinar121 de práticas culturais122 e não mais por dicotomias tais como teoria/prática, ensino/aprendizagem, forma/conteúdo, etc.

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Departamento de Ensino e Práticas Culturais (DEPRAC/HIFEM/PHALA); Curso: Licenciaturas; Sigla das Disciplinas: EL 774 ‐ Turma C e EL774 – Turma E; Nome da disciplina: Projeto de Estágio Supervisionado I: “Desconstruindo a educação escolar disciplinar”; Período: 2º Semestre de 2012 ‐ Período Diurno – 5ª Feira das 14h às 18h.; Locais: FE/Bloco A ‐ térreo/Sala LL02; Professores Responsáveis: Antonio Miguel (FE‐DEPRAC/PHALA/HIFEM); Anna Regina Lanner de Moura (FE--‐DEPRAC/PHALA).

120 Objetivo Geral da disciplina EL 774: Projeto de Estágio Supervisionado I. 121

(In)disciplinar no sentido do não envolvimento de disciplinas como são organizadas no contexto escolar.

Marta – Essa disciplina de formação de professores não prevê a utilização no estágio dos conteúdos curriculares escolares?

Paula – Isso mesmo. Mas isso não quer dizer que os nega. O Projeto pressupõe que os conhecimentos ditos disciplinares estão presentes nas práticas culturais humanas. Por exemplo, ao se problematizar a prática de locomoção, espera-se o deslocamento analítico dessas práticas por diferentes contextos de atividade humana nos quais elas são efetivamente realizadas123. Esse deslocamento leva a conhecimentos que extrapolam a organização disciplinar. A problematização das práticas culturais não tem a preocupação de correlacionar os saberes nelas mobilizados aos conteúdos curriculares.

Marta – Não consigo imaginar a escola sem a organização disciplinar e o PALMA sem a organização em etapas.

Paula – Esta é uma abordagem contemporânea na qual a hierarquia de temas, conteúdos, objetos, é inexistente. Então, quando você fala em mudanças, o que quer dizer com isso?

Marta – Não sei. Talvez mudanças no sentido de alterar alguns textos e algumas atividades práticas.

Paula – De qualquer forma continuaremos privilegiando um tipo de conhecimento matemático, do qual ainda determinamos os conteúdos a serem ensinados e os objetivos a serem atingidos. Como ressalta Oliveira124, é como se a ciência tivesse tido em toda a sua história sempre um único objetivo, o objetivo inteiramente explícito de descobrir a verdade, de conhecer e explicar o mundo.

Marta – Mas com outros textos, outras atividades práticas. Lembra-se quando lhe perguntei se havia visto alguma das atividades vivenciadas no PALMA em suas observações em sala de aula, enquanto coletava dados para sua pesquisa?

Paula – Lembro-me.

Marta – Você disse-me que não. Praticamos tantas atividades no curso e você afirma que nada acontece! Isso me preocupa. O que me leva a pensar que o curso não foi significativo a ponto de os professores/cursistas utilizarem em suas práticas escolares o que aprenderam. Se elaborarmos o curso de outros modos, talvez apliquem o que aprenderam em sala de aula.

123

Eleição das práticas a serem problematizadas nos campos de estágios da disciplina EL 774: Projeto de Estágio Supervisionado I.

Paula – Será que o fato de não ter reconhecido nenhuma atividade do PALMA nas salas de aula observadas por mim significa necessariamente que nada aconteceu, isto é, que o curso não teve nenhuma repercussão na formação dos professores/cursistas?

Marta – Penso que sim. Aí me pergunto: o programa de formação que ajudamos a elaborar, que todos os professores gostam tanto, que temos lista de espera para formar turmas, cumpre o seu objetivo que visa o desenvolvimento profissional docente?

Paula – Você quer dizer que o fato dos cursistas não repetirem as atividades do curso na sala de aula é por que não houve uma aprendizagem significativa? Ou, ainda, que o curso não atingiu seus objetivos de ampliação do conhecimento desses professores?

Marta – Claro! Recuperamos no curso diferentes práticas do ensino de conceitos matemáticos e temos a expectativa de que estes sejam levados para a sala de aula no intuito de ampliar o conhecimento dos alunos. Se isso não ocorre, tudo continua como está!

Paula – Já pensou que talvez a razão dos professores/cursistas não repetirem as atividades esteja no fato de experimentarem, em suas práticas, métodos diferentes de ensino dos conceitos matemáticos e não obterem sucesso no aprendizado das crianças? E chegarem, de modo empírico, à conclusão de que, tanto faz o método, pois o resultado é o mesmo? E é por isso que, mesmo após o curso, eles recorrem ao modo/método que lhes é mais familiar? E, ainda, pode acontecer que os professores tenham utilizado atividades que desenvolvemos no curso e, uma vez feito isto, as abandonaram por deixarem de ser novidade. Talvez, o fato do curso ser tão procurado pode residir no desejo dos professores por atividades diferentes das que eles já têm em seu repertório e/ou das que encontram nos livros didáticos. Essas suposições podem nos levar a entender que não seriam nem métodos diferentes e nem abordagens psicológicas da aprendizagem que estariam sustentando o sucesso ou o fracasso do ensino de matemática, mas talvez modos de problematizar diferentes usos das matemáticas nas diferentes práticas culturais, ou seja, deslocar as abordagens de ensino centradas na psicologia da aprendizagem para perspectivas socioculturais inspiradas em Vygotsky125, pois, como discutem Miguel e Vilela126, as perspectivas psicológicas, mesmo as atuais, não permitem compreender por que uma pessoa bem sucedida em lidar com certo tipo de conhecimento em uma prática social teria dificuldades em lidar com esse mesmo conhecimento em outras práticas127. Como, por exemplo, crianças que conseguem fazer

125 Vygotsky (1991).

126

Miguel e Vilela (2008),

cálculos na feira ou em outras situações de comércio e não conseguem realizar as operações fundamentais da aritmética usando os algoritmos de cálculo. Dizem ainda Miguel e Vilela128 que essas abordagens também não explicariam a dificuldade que encontramos em estabelecer “pontes” entre a matemática escolar e outras matemáticas usadas nas muitas e diferentes práticas não-escolares.