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4. DIÁLOGO FICCIONAL/JOGOS DE CENAS SOBRE PRÁTICAS

4.6 O número em cena na sala de aula

Paula – Deixe-me achá-la aqui nos arquivos. Achei. Vamos lá:

Carla315 – Crianças, vejam o que escrevi na lousa:

Ditado de números.

Ontem ditei alguns números e as meninas foram à lousa, hoje serão os meninos. Vou ditar dez números.

Paula – Lembra-se, Marta, no curso de formação, estimulamos os professores/cursistas a colocarem as várias escritas dos alunos na lousa para discutirem com toda a sala as diferentes representações e chegarem à forma convencional de se representar

313

Análise das escritas numéricas.

1. Observar e analisar como as crianças produziram suas escritas, a partir do ditado de números. 2. Reproduzir as escritas das crianças na lousa, colocando-as nas colunas.

3. Explicar como os alunos pensaram ou em que saberes se apoiaram ao escreverem os números ditados.

314 Na numeração falada, nosso sistema de numeração é aditivo, porém na escrita seu princípio é potencial:

dizemos duzentos e trinta e cinco e escrevemos simbolicamente: 235 (dois, três, cinco). As crianças, por sua vez, quando ainda não compreendem o princípio potencial, ou seja, a posicionalidade dos dígitos, registram: 200305.

315

Excertos da videogravação e anotações pessoais da aula da professora Carla realizada no dia sete de novembro de 2012. Aqui descritos em fonte Courier New.

uma determinada quantidade. Carla dita um número e chama uma criança para escrever na lousa, dita outro e chama outra criança, veja:

Carla – 303 (aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus cadernos). Vem, Otávio, escrever na lousa.

Otávio – É assim, prô (professora)? Carla – Está certo, pessoal?

Alunos – Sim.

Carla – 711 (aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus cadernos, enquanto caminha pela sala observando como escrevem).

Agora vem o Luiz na lousa.

(Luiz se levanta e segue até a lousa). Luiz – Pronto (escreve 7011).

Carla – (Observa a resposta na lousa e dirige a pergunta à sala) Está certo, pessoal?

Alunos – Não. Tem que tirar o zero.

Carla (pergunta, se aproximando dele na lousa) – Luiz, de que ordem é o 700?

Luiz – É da centena.

Carla – Então olha aqui (escreve na lousa: CDU e dá a seguinte orientação). Coloca o 11 abaixo de cada ordem (letras iniciais que indicam o valor posicional, ou relativo, dos algarismos).

Luiz (diz ao pegar o giz e virar-se para a lousa) – Vou usar a unidade e a dezena.

Carla – Agora coloca o 700. O 7 não é vezes 100? Então onde deve colocá-lo?

Luiz – Aqui? - pergunta à professora, colocando o giz abaixo da letra C.

Carla – Isso mesmo, na centena. Próximo número: 1315 - aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus cadernos, enquanto caminha pela sala observando como escrevem, com o objetivo de escolher quem vai à lousa.

Vai, Raul, colocar na lousa para mim.

Raul (levanta-se hesitante) – Estou em dúvida (dirige- se à lousa e, depois de alguns instantes, escreve: 100315).

Carla (postada ao lado da janela, observa a resposta e pergunta à classe) – Classe, quantos números vou precisar para escrever 1315?

Alunos – Quatro.

Carla – Vejam - escreve na lousa: MCDU - vamos, Raul, coloque o 15 abaixo da ordem.

Raul (ainda inseguro, segue as orientações da professora e escreve o 1 abaixo da letra D e o 5 abaixo da letra U) – Assim?

Carla – Isso, e agora? Onde vai colocar o 300? Raul – Na centena?

Carla – Isso e onde vai colocar o 1000? Raul – Na milhar?

[...]

Carla – Escrevam agora no caderno: 2012 - em pé, na frente da sala, ao lado da lousa, aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus cadernos - Breno, vai colocar na lousa para mim.

Breno (feliz, se levanta rapidamente e segue em direção à lousa...) – Pronto (... e escreve 212).

Mariana (sentada na primeira carteira, em frente à lousa, fala baixinho para Breno) – Não é assim, tem que tirar o 1 e colocar o 0.

Breno (sussurra) – Assim (e escreve 202)?

Mariana (responde no mesmo tom que Breno, com um ar de preocupação) – Não.

Carla (posicionada próxima à porta da sala, pergunta) – E aí? Conseguiu acertar com as dicas da Mariana?

Breno (com um semblante preocupado e não tão feliz quanto antes, olha para a professora e responde) – Acho que não.

Carla (aproximando-se da lousa, pega um giz e escreve, novamente, as iniciais das ordens do sistema de numeração decimal: MCDU) – Então, coloque os números nas ordens corretas.

Breno (com o giz a postos e mais seguro de si, escreve de acordo com o pedido da professora: 2012, abaixo das respectivas letras) – Agora está certo, prô?

Paula (faz uma pausa na videogravação) – Veja, Marta, que o número 2012 é escrito, com frequência, no caderno ao colocar a data do dia, além de estar visível no calendário pendurado na parede.

Marta – É mesmo, ele não relaciona o ano “2012” com o número 2012 que a professora acabou de ditar.

Paula – Esta aula foi em novembro de 2012. De acordo com a videogravação a qual estamos assistindo, repetir diariamente este número no caderno não garantiu, a Breno, seu aprendizado. Aqui podemos dizer que são dois jogos de linguagem diferentes vivenciados por Breno, um de escrever a data do dia no caderno e outro de escrever os números que a professora dita. Temos o mesmo número em contextos/jogos de linguagem diferentes. Portanto não é a repetição do número num jogo de linguagem que garante seu uso correto noutro jogo de linguagem.

Mas vamos continuar assistindo a gravação da aula:

Carla – Muito bem, Breno!

Último número: 3713 (aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus cadernos, enquanto caminha pela sala observando como escrevem, com o objetivo de escolher quem vai à lousa).

Jonas (hesita em se levantar, mas o faz e caminha para a lousa, meio cabisbaixo. Pega o giz e fica virado para a lousa sem agir. Depois de alguns instantes, escreve o 13 e diz à Carla) – Está difícil, professora.

Carla – Pessoal, vamos ajudar o Jonas. Ele já colocou o 13, e agora?

Alguns alunos – Agora falta 7 grupos de cem e 3 grupos de mil.

Carla – Para representar no material dourado, como ficaria? Quantas unidades preciso pegar (pega as peças do material dourado sobre a sua mesa enquanto fala com as crianças)?

Alunos – 3.

Carla (coloca os 3 cubinhos, que representam as unidades, sobre o suporte de giz da lousa. Na sequência, pergunta sobre a dezena) – Quantas dezenas?

Alunos – 1.

Carla (pega uma barrinha, que representa a dezena e coloca ao lado das outras pecinhas sobre o suporte de giz da lousa. Pergunta, então, sobre a centena) – Quantas centenas?

Alunos – 7.

Carla (se apossa das 7 placas, que representam as centenas posicionando-as no suporte de giz da lousa, ao lado das outras peças. Virando-se à classe, pergunta sobre a unidade de milhar) – E quantos milhares?

Alunos – 1.

(Carla repete a ação, pega o cubo grande, que representa a unidade de milhar e junta às outras peças.)

Marta – Realmente, quando os números são muito altos, supõe-se que se apoiam na numeração falada – segundo Lerner e Sadovsky316 – colocando mais zeros que o necessário. E a professora busca o apoio nas nomenclaturas das ordens para que as crianças cheguem à escrita convencional.

Paula – Parece-me, nessa aula, que Carla tem a preocupação de que as crianças, do segundo ano do Ensino Fundamental, saibam grafar convencionalmente os números e coloca em jogo os seus conhecimentos de regras do sistema de numeração.

Não tem a intenção de ensinar os números de acordo com a sua ordem sequencial, ou mesmo dos mais simples para os mais complexos. O que se assemelha com as propostas que apresentamos na segunda Etapa do programa, na perspectiva de Lerner e Sadovsky317.

Marta – Em contrapartida, enquanto colocamos várias escritas de um mesmo número na lousa para discutirmos com os alunos, qual estaria mais próxima de uma escrita convencional, de acordo com a regra de posicionalidade do sistema de numeração decimal, Carla coloca apenas uma escrita e questiona se está certa para, em seguida, levá-los à resposta correta.

Paula – Podemos observar, neste momento, uma semelhança com a maiêutica socrática quando Carla parte do conhecimento da criança a respeito da constituição do número escrito e introduz (a partir de sua fala) as questões que a leva a reformular suas ideias. Para isso, escreve as letras iniciais das ordens do sistema de numeração (MCDU)318 e espera que “por si mesma”, a criança coloque os números na posição correta. Mais uma vez, podemos presenciar, na prática desta professora, rastros das abordagens que fizemos no curso, como neste caso, rastros da abordagem de Lerner por nós apresentada nas aulas de formação.

Marta – Concordo com seus argumentos, neste caso. Você presenciou outros tipos de atividades, nas quais os números eram o conteúdo abordado?

Paula – Presenciei a aula da professora Iara, no 2º ano do ensino fundamental, na qual abordou os números ordinais. Quer ver?

Marta – Quero.

Paula – Deixe-me encontrar nos arquivos... Você vai ver que a professora Iara319 distribui uma folha de atividade para cada aluno e ao mesmo tempo já tem traçado o desenho

316 Lerner e Sadovsky (2001). 317 Ibidem.

318 M – (unidade de) milhar; C – centena; D – dezena; U – unidade. 319

Excertos da videogravação da aula da professora Iara, no 2º ano do Ensino Fundamental, realizada no dia3 de outubro de 2012. Aqui descritos em fonte Courier New.

de um trenzinho na lousa (desenhado enquanto as crianças estavam na aula de Educação Física) para fazer a atividade junto aos alunos. Aqui está a videogravação:

Profª. Iara – Pronto, estão todos com a folhinha? Agora é aula de matemática. Nós vamos fazer esta atividade juntos, certo (como havia algumas crianças distraídas, repetiu)? Juntos (esperou um instante e iniciou a atividade, lendo em voz alta).

Número 1 - olhem aí em cima do trenzinho, vou ler: “Numere os vagões do trenzinho com os números ordinais.”

Figura 8 - Atividade da Professora Iara.

Renato – Professora, é para contar a cabine do motorista?

Profª. Iara – Não.

Ana – Eu não estou entendendo nada.

Profª. Iara (aproxima-se da carteira de Ana apontando com o dedo indicador as partes do trem desenhado na folhinha e vai falando em voz alta a todos os alunos) - Estão vendo os

vagõezinhos? Vocês vão numerar em cima, colocar os números ordinais. Lembram-se da musiquinha? Como começam os números ordinais?

Alguns alunos: Um, dois, três, quatro...

Outros alunos – Primeiro, segundo, terceiro, quarto... Todos – Quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono e décimo. Profª. Iara – Então, podem começar a escrever em cima dos vagões (dirigindo-se à lousa, pergunta). Como que eu faço o primeiro?

Marina – Põe o número 1, um risquinho e uma bolinha em cima.

Profª. Iara – Isso (escreve sobre o primeiro vagão: 1º).

João – Prô, é dentro do vagão?

Profª. Iara – Em cima, eu falei em cima. E o próximo, qual é?

Renata – Segundo.

Profª. Iara – E o outro? Marina – Terceiro.

Profª. Iara – E depois do terceiro? Olha, não esqueçam da bolinha. Que tamanho tem que ser a bolinha?

Alguns alunos – Pequena.

Profª. Iara – Isso, a bolinha deve ser pequena para que não fique parecendo com dez, vinte, trinta.

(Enquanto as crianças realizam a atividade, a professora alterna-se entre colocar a resposta na lousa e caminhar entre os alunos para ver se estão todos juntos, ou seja, todos na mesma atividade.)

[...]

Profª. Iara – Calma, ainda não. Vamos fazer todos juntos.

Renata – Mas eu já terminei o 1.

Profª. Iara (após ter certeza de que todos terminaram a atividade 1, passa para a atividade 2, fazendo a leitura em voz alta) - No número 2 está escrito o quê? Agora pinte os

vagões de acordo com a legenda. Então, vamos pintar de acordo

com o que a professora vai falar: tem as letrinhas a, b, c, d, e, f, g.

Daiana (diz interrompendo a professora Iara) - Professora, pode começar a pintar?

Profª. Iara – Calma, a Edna vai ler a letrinha “a”. O que está pedindo?

Edna – “O 1º vagão de vermelho”.

Profª. Iara – Então, o 1º vagão de vermelho. Podem pintar.

Dênis – O grande, professora?

Profª. Iara – Não, o grande não vai contar. É o 1º. Dênis – Mas não é o grande que é o 1º?

Profª. Iara – Mas o grande não conta, é o 1º dos pequenos (Iara cola uma forma retangular vermelha no primeiro vagão da lousa).

Edna – Pode pintar os outros? Profª. Iara – Não, espera.

João – Eu já pintei tudo, professora.

Profª. Iara (diz caminhando até a carteira de João) - Quero só ver se pintou algum errado.

Letrinha “b”: O 3º vagão de azul. Prestem atenção, o

TERCEIRO (diz com ênfase).

João – Olha, professora.

Profª. Iara – Não falei pra esperar senão ia fazer errado (Iara cola uma forma retangular azul no terceiro vagão

e lê a próxima letra)? Agora é o 5º vagão, de verde. O QUINTO (repete, com ênfase).

Daiana – Qual é, professora?

Profª. Iara (aproxima-se de Diana e diz, apontando para sua folha) - Conta: 1º, 2º, 3º, 4º e 5º. O quinto de verde. Tem que contar primeiro (e repete). Quinto de verde.

Érica – Posso continuar, professora? Profª. Iara – Érica, dá pra esperar?

Érica – Mas por que não é pra pintar os dois?

Profª. Iara – Porque não é. Não está pedindo para pintar, então não é.

Érica – Mas eu pintei!

Profª. Iara – Olha, é nessa sequência (e cola a forma retangular verde no 5º vagão da lousa).

[...]

Profª. Iara (lê a próxima letra de atividade) - O 9º

vagão de roxo. Prestem atenção. Quem não tem roxo, pinte de

preto – depois de alguns instantes, vê Daniela com o braço erguido, pedindo para fazer a próxima leitura e diz –Daniela, leia a letra “f”.

Daniela – Os outros vagões de laranja.

Profª. Iara – Todos os vagões que sobraram, de laranja. Quais sobraram?

Alunos – 2º, 4º e 8º.

Profª. Iara – Então escrevam aí embaixo os números dos vagões que vocês pintaram de laranja.

Profª. Iara (após algum tempo) - Chega de colorir, agora é a outra atividade. Olha a atividade 2: Suba a escada

escrevendo os numerais ordinais até o 9º degrau e depois faça o que se pede:

Profª. Iara – É – aguarda que todos terminem e continua a leitura da próxima atividade – Agora: Desenhe uma joaninha

embaixo do 7º degrau (explica e, em seguida, começa a

contagem). Então vai contar desde o 1º e vai desenhar a joaninha embaixo do sétimo degrau. Vamos lá, contem comigo.

Alunos – 1º, 2º, 3º, [...] 7º, 8º, 9º.

Profª. Iara – Era para parar no 7º que é aonde vai ser desenhada a joaninha, mas tudo bem (vira-se para a lousa e desenha a joaninha embaixo do 7º degrau).

[...]

Profª. Iara (depois de alguns instantes faz novas orientações) - Pronto, agora olhem na lousa: Escreva por

extenso os números ordinais. Então vamos lá, do 1º ao 9º. Como

eu vou escrever “primeiro”?

Paula (dá pausa na videogravação) – E assim, ao estabelecer a regra que todos devem fazer, ao mesmo tempo, cada exercício na ordem em que se seguem na folha, a professora Iara dá continuidade à atividade até o final.

Marta – Em nenhum momento trabalhamos, no curso, atividades com números ordinários. Destacamos as atividades e situações-problema para trabalhar números como memória de posição como, por exemplo, “O edifício de Mercedes tem 20 andares. Ela mora no andar 14. Se divide a viagem no elevador com seus vizinhos dos andares 19, 3, 15 e 7, em que ordem deverá apertar os botões do elevador se partem do andar térreo?”320

Paula – Então, a que a professora recorre para ensinar os números ordinários? Percebe que, nesta aula, ela não utiliza nem o material apostilado com o qual deveria trabalhar em sala de aula, nem atividades que sugerimos sobre este assunto no curso?

Marta – Recorre a uma folhinha avulsa com uma atividade direcionada à sistematização por repetição. Pois se observarmos atentamente, tanto na atividade do

320 Moreno (2006, p. 69-70).

trenzinho quanto na atividade da escada são solicitadas as mesmas ações de ordenação numérica com uma pequena variação na ordem numérica.

Paula – Ao escolher esta atividade para trabalhar com as crianças, a professora, pelo menos nesta proposta, parece acreditar que os alunos aprendem pela repetição. A todo o momento ela repete o que é para fazer e qual é o caminho para se chegar à resposta correta. Ao querer que todos sigam juntos, tem a preocupação de que façam corretamente, como ela está pedindo. Ao mesmo tempo, procura ter o controle da situação para garantir que todos comecem e terminem cada exercício ao mesmo tempo.

Marta – Ou seja, a autonomia, a interação, o conhecimento que os alunos trazem, a reflexão, não são contemplados nesta atividade. Será que esta atividade de repetição garantiu o aprendizado dos números ordinais?

Paula – É uma boa pergunta. Mas como já discutimos anteriormente, será que também as situações-problema que destacamos no curso garantem tal aprendizado?

Algo garante, afiança, assegura a aprendizagem? Não estamos sendo ingênuas em supor que temos esse poder de assegurar o conhecimento?

Marta – Faz sentido, mais uma vez faço uso de palavras sem pensar em seu significado. Não temos como garantir nada. Nossas escolhas, como você mesma diz, são privilegiadas e deixam de fora muitas outras práticas pedagógicas.

Ao repassarmos todas essas práticas escolares de mobilização de matemática parece-me que, na ação pedagógica de formação, fazemos um sincretismo de todas elas com predominância intencional de alguma que cultivamos com a crença de ser a que melhor responde às nossas expectativas sobre o ensino.

Creio que a abordagem pedagógica mais presente na escola se relaciona ao ensino por transmissão, acompanhado por repetições frequentes como, por exemplo, as atividades que tenho visto em cadernos dos alunos nas visitas pedagógicas às escolas, nas atividades das avaliações mensais e bimestrais elaboradas pelos professores.

Paula – Nessa conversa, até aqui, citamos algumas abordagens pedagógicas na educação escolar, mas muitas outras tiveram influência no ensino. Podemos dizer, no entanto, que atualmente as abordagens mais enfocadas pelo discurso pedagógico são o construtivismo inspirado em Piaget e o sociointeracionismo inspirado em Vygotsky. É bom ter presente que essas duas abordagens surgiram ao fazerem a crítica à teoria behaviorista elaborada por

Skinner321, para quem ensinar é simplesmente o arranjo de contingências de reforço sob os quais estudantes aprendem. Skinner não é adepto do método da descoberta, ele considera que este método - defendido pelo construtivismo - não é solução para o problema de educação e que para uma cultura ser forte é preciso que seja transmitida. É possível perceber que essas teorias, sob alguns aspectos, se aproximam, se assemelham.

No caso do construtivismo e do sociointeracionismo, ambas pressupõem no aprendiz um “ente”, uma essência psicológica, não observável, chamado de cognitivo que se desenvolve. Já para o behaviorismo, no processo educativo, o único observável é o comportamento. Parece-me, porém, que essas três teorias, quando interpretadas pedagogicamente, diferem na caracterização do papel do professor.

Paula – Embora o construtivismo e o interacionismo estejam hoje na ordem dos discursos pedagógicos, no que se refere ao ensino da matemática, essas abordagens têm-se mostrado insuficientes para estabelecer relações entre práticas escolares e não escolares322. Miguel e Vilela323, por exemplo, afirmam que as abordagens cognitivistas não permitem compreender a dificuldade de se estabelecer ‘pontes’ entre a matemática escolar e outras matemáticas mobilizadas em atividades não escolares. Ou seja, como já disse anteriormente, as perspectivas cognitivistas não explicam porque pessoas que possuem bom desempenho em operações matemáticas em contextos não escolares (por exemplo, no comércio ou na construção civil) não conseguem realizar operações semelhantes na escola.

A concepção psicológica não dá conta do aprendizado matemático. Todo o curso, ainda baseado no ensino científico, numa visão positivista de história, desvaloriza os saberes ligados a outros jogos de linguagem, outras situações que não a ciência, como por exemplo, o mundo do trabalho.

Marta – É isso que quer dizer quando se refere a estabelecer “ponte” com “outras matemáticas”? Na verdade, apesar de toda essa discussão, soa-me estranho a expressão “outras matemáticas”. Sempre tratamos de ensino da matemática e não de ensino das matemáticas.

321 O psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) desenvolveu a teoria behaviorista,

corrente que dominou o pensamento e a prática da psicologia, em escolas e consultórios, até os anos 1950. O

behaviorismo restringe seu estudo ao comportamento (behavior, em inglês), tomado como um conjunto de

reações dos organismos aos estímulos externos. Seu princípio é que só é possível teorizar e agir sobre o que é

cientificamente observável. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/per07.html>. Acesso em: 26 mar. 2014.

322

Miguel e Vilela (2008, p. 106).

Paula – No PALMA referimo-nos à matemática no singular porque partimos do pressuposto platônico de que existe uma matemática universal, única e verdadeira. Para Vilela324, o termo “matemática” vem sendo usado na literatura acadêmica da Educação Matemática para diversas práticas matemáticas que não convergem para uma essência, na perspectiva de Platão, por exemplo, mas constituem sistemas de significados associados aos contextos em que se desenvolvem. Ainda para Vilela325, a quem já me referi anteriormente, existem matemáticas no contexto sociocultural e não apenas essa que, tradicionalmente, ensinamos na escola. Estas constituem esquemas teóricos específicos, que indicam as condições de sentido, significado e inteligibilidade específicos nas situações, épocas e lugares da vida ou na linguagem de diferentes jogos de linguagem.

Marta – Poderia exemplificar?

Paula - Tive a oportunidade de conhecer o trabalho da professora Érica326, que se fundamenta no pressuposto da não essencialidade da matemática bem como de um cognitivo que aprende. Em sua dissertação de mestrado, a professora Érica não propõe uma solução para o ensino da matemática, mas propõe outra forma de vê-lo, a partir da problematização