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3. JOGOS DE LINGUAGEM NO PROGRAMA DE FORMAÇÃO

3.1 Linguagem matemática

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais67 da disciplina de matemática, esta se constitui a partir de uma coleção de regras isoladas provenientes das necessidades e experiências da vida cotidiana. Portanto, não se trata de um sistema logicamente unificado. Embora as regras da linguagem matemática se situem no campo da chamada matemática pura, dos conhecimentos matemáticos teóricos, não se pode negar seu valor prático no campo da matemática aplicada: contar, medir, calcular, organizar68.

Davis e Hersh (1996, p. 98-99), por sua vez, afirmam que as aplicações matemáticas ocorrem por decreto:

Criamos uma variedade de configurações ou estruturas matemáticas. Ficamos, então, tão maravilhados com o que concebemos, que deliberadamente forçamos vários aspectos físicos e sociais do universo a adaptar-se a estes modelos, da melhor maneira possível. Caso o sapato se ajuste, como no caso da Cinderela, temos então uma bela teoria; se não – e o mundo dos fatos concretos é mais semelhante à irmã feia; o sapato sempre aperta – estaremos de volta à prancheta da teoria.

Os autores citados acima são da opinião de que teorias de matemática aplicada são simplesmente “modelos matemáticos”69

. Para Matos e Serrazina (1996) a matemática pura e a aplicada se influenciam mutuamente, não se contrapõem, mas se desenvolvem; o que tem consonância com os argumentos do PCN de matemática quando considera “[...] mediante um processo conflitivo entre muitos elementos contrastantes: o concreto e o abstrato, o particular e o geral, o formal e o informal, o finito e o infinito, o discreto e o contínuo. [...]”70

. Tal conflito não acontece apenas no campo da matemática, mas também, no campo da educação matemática.

Ainda de acordo com Matos e Serrazina (1996, p. 32), a forma como se comunica e se faz a matemática interfere em seu aprendizado. Do ponto de vista do PALMA, com base,

67 Brasil (2001, p. 27).

68 Davis e Hersh (1996, p. 28). 69

Ibid, grifo dos autores.

ainda em Matos e Serrazina (1996, p. 50), o aperfeiçoamento dos professores na forma de se comunicar e de se fazer matemática, é fundamental para proporcionar aos alunos meios de utilização dos termos matemáticos para seus próprios propósitos.

Para Smole e Diniz (2001, p. 12) é responsabilidade do ensino de matemática ensinar os alunos a se comunicarem usando a linguagem específica da matemática em conjunto com as demais formas de linguagem.

Já Lopes (2003, p. 43) relaciona a linguagem matemática às regras dos conteúdos matemáticos escolares quando descreve, por exemplo, o relato de experiência em sala de aula no qual crianças sabiam decompor os numerais em unidades, dezenas e centenas, porém não tinham a noção do “todo”, ou seja, de quantas unidades havia nas dezenas ou ao todo em um numeral, dessa forma então, seria necessário explorar a linguagem matemática no concreto71, retomando alguns conceitos e construindo outros.

Os livros didáticos e materiais apostilados utilizados no município no período desta investigação relacionam linguagem matemática aos símbolos matemáticos, pois trazem em seus pressupostos teóricos a preocupação em inserir o aluno no universo da linguagem matemática72; aos princípios e conceitos, ao tentar garantir que os alunos reconheçam as aplicações matemáticas no mundo73, e partem do pressuposto de que se os alunos se apropriarem dos conceitos e procedimentos matemáticos básicos, contribuirão para a formação do futuro cidadão, que se engajará no mundo do trabalho, das relações sociais, culturais e políticas74.

De acordo com Hogben (1950, p. 23), com a linguagem matemática é possível exprimir, traduzir problemas. Ao relatar o “paradoxo de Aquiles e da tartaruga” 75 salienta, em seguida, que naquela época ainda não haviam elaborado uma linguagem matemática em que

71 Concreto no sentido de utilizar materiais manipuláveis, jogos e brincadeiras. 72 Sistema de Ensino Opet - Fundamentação teórica, p. 113.

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Livro didático Matemática teoria e contexto de Marília Centurión e José Jakubovic, manual do professor, 2012, p. 7.

74 Livro didático Matemática de Luiz Roberto Dante, Coleção Aprendendo sempre, manual do professor, 2012,

p. 12.

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“O filósofo eleata Zenão intrigou os seus contemporâneos propondo-lhes uma série de quebra-cabeças, dos quais o mais comumente citado é o “paradoxo de Aquiles e da tartaruga”. Acerca deste problema, os inventores da geometria didática discutiram a mais não poder. Aquiles aposta uma corrida com a tartaruga. Corre dez vezes mais depressa que ela. Mas a tartaruga parte com uma vantagem de cem metros. Bom – diz Zenão – Aquiles percorre cem metros e chega ao ponto donde parte a tartaruga. Enquanto isso a tartaruga percorre um décimo do que percorreu Aquiles e fica, pois, dez metros a sua frente. Aquiles cobre estes dez metros. Entrementes a tartaruga percorre um décimo do que percorreu Aquiles, fica, portanto um metro na dianteira. Aquiles corre este metro. Enquanto isto a tartaruga percorre um décimo deste metro, isto é, um decímetro adiante de Aquiles. Quando Aquiles cobrir este decímetro a tartaruga estará um centímetro à sua frente. De maneira que – conclui Zenão – Aquiles está sempre a aproximar-se da tartaruga sem jamais alcançá-la.” Hogben (1950, p. 22-23).

pudessem traduzir livremente esse problema, porém seus contemporâneos exprimiram em números a distância que a tartaruga percorre nos diversos estádios da corrida a partir da saída de Aquiles. Assim, é possível transformar a questão em linguagem matemática, ou seja, em linguagem numérica que exprime perfeitamente o problema de Zenão. Segundo o ponto de vista de Hogben (1950, p. 33-37), as regras da matemática são da natureza das gramaticais76, é preciso aprendê-las. À primeira vista podemos achá-las horríveis porque são estranhas e desconhecidas, assim como são “os gerúndios e os nominativos” da gramática de nossa língua materna. Só é possível ler e interpretar a linguagem escrita após conhecer e decorar “muitas regras e palavras”. O mesmo acontece com a linguagem matemática. “Não são verdades eternas. São conveniências, sem cujo recurso não poderia comunicar a nosso próximo as verdades77 sobre as espécies de coisas deste mundo”.

O entendimento da expressão linguagem matemática no contexto do PALMA baseia-se na interpretação dos autores citados acima. Amplio tal entendimento de acordo com a perspectiva do segundo Wittgenstein.

Para Wittgenstein (1979), a linguagem matemática se constitui de regras gramaticais, assemelhando-se ao que confirma Hogben (1950), porém a semelhança se encerra aí, pois numa perspectiva wittgensteiniana, a matemática se constitui em jogos de linguagem com suas próprias regras.

Ainda segundo Wittgenstein (1979), é possível entender matemática enunciada de outra forma, não mais centrada em linguagem simbólica de matemática que são declaradas como objetos matemáticos, essências matemáticas como, por exemplo, uma linguagem numérica que representa quantidades essencialistas como se existisse o ‘4’, se existisse o ‘5’. O 4 representa algo 4 que existe, em lugar nenhum. É na contagem, no uso, que a linguagem numérica existe.

76 Gramaticais no sentido de que assim como na língua materna, na matemática há regras que precisam ser

entendidas para serem aplicadas ou mesmo para entender a sua aplicabilidade. ”A verdadeira inteligência social está em utilizar a língua, em saber aplicar palavras exatas em contextos exatos.” (HOGBEN, 1950, p. 33). As regras gramaticais evoluem/modificam-se/simplificam-se com o uso e a necessidade social, como por exemplo, o percurso gramatical de vossa mercê/vosmecê/você/ocê/cê Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_3/2535-2550.pdf >, acesso em: 11 abr. 2015. Na matemática encontramos a simplificação das operações aritméticas, por exemplo: a potenciação entendida como simplificação da multiplicação que é entendida como a simplificação da adição (CARAÇA, 2002). Na gramática é possível encontrar palavras homônimas, iguais no som/escrita, mas possuem classes gramaticais, ou seja, significados diferentes, por exemplo, caminho (substantivo, caminho (verbo caminhar); cedo (advérbio), cedo (verbo ceder). Na matemática, “em análise vetorial, por exemplo, as regras que regulam o uso do “+” já não são as que aprendemos no colégio.” (HOGBEN, 1950, p. 36), numa adição “2 + 2 = 4”.

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Verdade no sentido metafísico do termo e não no sentido lógico do termo que se preocupa em dizer se algo é verdadeiro ou não. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade. Acesso em: 16 set. 2014.

Segundo Caraça (2002), “o homem não criou o número pra depois contar, ele criou o número contando e até hoje, quem aprende número, aprende seu significado na prática de contar, do contrário, a linguagem numérica se limita a uma palavra, a um símbolo como qualquer outro”. O significado da palavra “quatro”, por exemplo, é o exercício de contar, o exercício de operar. Não há um significado puro, essencial para a palavra “quatro”.

Tal abordagem tem semelhança de família com a perspectiva wittgensteiniana no que se refere a Caraça dizer que o número foi criado pela ação de contar, pela necessidade do homem de controlar as quantidades. Porém, se diferem no aspecto de que Wittgenstein (1979) considera a matemática como um jogo de linguagem, ou seja, como uma atividade e não como linguagem que expressa um nível de abstração, ou seja, como um modo essencialista de pensar matemática.

Esta análise discursiva sobre linguagem matemática ocorre de modo a suscitar estranhamento, posterior aos estudos sobre a filosofia wittgensteiniana, diante a expressão no nome de um curso de formação que não está dando conta do que se propõe a fazer, ou seja, tratar da linguagem matemática.

Desconstruir no sentido de buscar os rastros, deslocar os significados únicos da expressão linguagem matemática trouxe duas constatações: primeiro, ficou evidente que o curso trata de práticas pedagógicas da matemática escolar e segundo que, sendo a linguagem matemática um conjunto de símbolos, não há como aperfeiçoar, melhorar ou aprimorá-la visto que são símbolos já postos.