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Os principais sujeitos da contratação pública/aquisição pública, são, de um lado, as entidades adjudicantes [art.2° do RJAP e alínea p) do art.1° do RRJAP], e, de outro, os operadores económicos ou os interessados em contratar [alínea s) do art.1° do RRJAP].

Apesar de o art.2º do RJAP não fornecer o conceito de entidade adjudicante206, indica,

de forma exaustiva, as entidades adjudicantes, a saber: «a) O Estado;

b) Os organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública;

c) Os serviços personalizados do Estado; d) Os fundos autónomos;

e) As autarquias locais e entidades equiparadas sujeitas a tutela administrativa; f) As associações exclusivamente formadas por autarquias locais ou por outras pessoas colectivas de direito público mencionadas nas alíneas anteriores ».

Debrucemo-nos sobre algumas dessas entidades adjudicantes elencadas supra, designadamente sobre aquelas cuja interpretação parece não ser muito pacífica.

A alínea a) do art.2° do RJAP, ao referir-se a «Estado», enquanto entidade

adjudicante, parece-nos que se quis referir ao Estado-Administração207 e a outros órgãos (de

soberania) do Estado no exercício de poderes materialmente administrativos, desde que autorizados por lei.

A alínea b) do art. 2° do RJAP, faz referência aos «organismos públicos dotados de

personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública». Este conceito foi importado da alínea b) do art. 2° do

Decreto-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho (português), que regulava os procedimentos pré- contratuais no âmbito da aquisição de bens móveis e aquisição de serviços.

206 Adaptando o conceito dado por Jorge Andrade da Silva, A entidade adjudicante é a entidade que celebra o contrato no exercício de funções materialmente administrativas, ver SILVA, Jorge Andrade da, Dicionário dos contratos públicos, Almedina, 2010, p. 194

207 Sobre o conceito de Estado-Administração, ver SOUSA, Marcelo Rebelo de, «Estado», - Dicionário Jurídico da Administrativo Pública, Vol. IV, Lisboa, 1991, p. 210-214

No actual direito da União Europeia (concretizado fundamentalmente na Directiva 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da agua, da energia, dos transportes e dos serviços postais e na Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitada de obras publicas, dos contratos de fornecimento e contratos públicos dos serviços), o conceito de «organismo de direito público» abrange actualmente para além das tradicionalmente consideradas pessoas colectivas de direito público (Estado, Institutos Públicos, Autarquias Locais e Associações Públicas) as entidades privadas criadas para satisfazer necessidades de interesse geral (sem carácter comercial ou industrial)208-209.

A noção do «organismo de direito público» vastamente desenvolvida por CLÁUDIA

VIANA210, segundo a jurisprudência do TJCE (Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias, actualmente Tribunal de Justiça da União Europeia), exige a verificação cumulativa de três requisitos: deve ser «criado para satisfazer especificamente necessidades

de interesse geral sem carácter industrial ou comercial, dotado de personalidade jurídica, e estreitamente dependente do Estado, das Autarquias locais ou de outros organismos de direito público» (art. 2º, n.º 1 da Directiva 2004/17/CE e art. 1º, n.º 9 da Directiva

2004/18/CE).

De acordo com a jurisprudência do TJCE, o conceito «necessidades de interesse geral

sem carácter industrial ou comercial» à luz de um conjunto de critérios que constituem o guia

necessário para a sua aplicação uniforme e homogénea em toda a União Europeia, e os objectivos prosseguidos pelas directivas211, é definido como «necessidades que por um lado são satisfeitas de modo diferente da oferta de bens ou de serviços no mercado e que, por outro, por razões ligadas ao interesse geral, o Estado opta por satisfazer ele próprio ou em relação às quais pretende manter uma influência dominante»212.

Avança ainda CLÁUDIA VIANA que «…se o organismo opera em condições

normais de mercado, prossegue um fim lucrativo e suporta as perdas associadas da sua

208 V. SILVA, Jorge Andrade da, -Código dos contratos Públicos, comentado e anotado, 3ª edição, Almedina, 2010, pp.62-64 209 É o caso de pessoas colectivas de utilidade pública reguladas pelo Decreto-Lei n.°59/2005, de 19 de Setembro.

210

VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.420- 451 e «A globalização da contratação Pública e o Quadro Jurídico Internacional», Estudos de Contratação Publica I, Coimbra, 2008, p.32

211 O objectivo das directivas relativas à contratação Pública, é «excluir simultaneamente o risco de preferência dos proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicação de contratos públicos por entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo financiado ou controlado pelo Estado, pelas Autarquias Locais ou por outros organismos de direito público se deixar levar por considerações não económicas» Ver acórdão «Adolf Truley», de 27 de Fevereiro de 2003, apud VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., p.424

actividade, é pouco provável que as necessidades que visa satisfazer não sejam de natureza industrial ou comercial»213.

Parece-nos que no ordenamento jurídico de Cabo Verde, para os contratos públicos, nada impede a adopção da definição dada pelo TJCE, o que até aportaria vantagens, por ser também o conceito utilizado no âmbito do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial de Comércio, de que Cabo Verde é membro, tendo o estatuto de ―observador‖ em relação ao referido acordo214.

Em relação ao segundo requisito exigido para a qualificação como «organismo de direito público» - personalidade jurídica -, a jurisprudência europeia, numa interpretação funcional e teleológica do conceito de «organismo de direito público», considera que a natureza da personalidade jurídica - de direito público ou de direito privado -, é irrelevante para efeitos da qualificação como «organismo de direito público»215.

No direito cabo-verdiano, parece-nos que se o legislador quisesse abranger apenas as entidades tradicionalmente consideradas pessoas colectivas de direito público, excluindo as empresas públicas, dispensaria a expressão «organismo público». Por isso, afigura-se que ele

quis que houvesse uma interpretação funcional216 do «organismo público», desconsiderando a

natureza da personalidade jurídica, tal qual acontece na jurisprudência da U.E.

O terceiro requisito exigido para a qualificação como «organismo de direito público», é a existência de uma situação de dependência efectiva do Estado, das Autarquias locais ou de outros «organismos de direito público».

As directivas acima referidas enumeram três critérios alternativos, para a avaliação dessa dependência: i) actividade financiada maioritariamente por uma entidade adjudicante;

ii) controlo de gestão; e iii) participação maioritária em órgão de administração, direcção ou

fiscalização.

Para que se esteja perante o primeiro critério - actividade financiada maioritariamente por uma entidade adjudicante, é necessário que se verifique a existência de «prestações de

213 Ver acórdão «Korhoen oy», de 22 de Maio de 2003, apud VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.428

214 VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.420- 451 e «A globalização da contratação Pública e o Quadro Jurídico Internacional», Estudos de Contratação Publica I, Coimbra, 2008, p.32; ver ainda o Estatuto de «observador» de Cabo Verde no ACP da Organização Mundial do Comércio em http://www.governo.cv/documents/Adesao_OMC.pdf, p.60, acedido em 22.09.2011.

215

VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., p.436

216 VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., p.436; ver ainda CAUPERS, João, «Âmbito de aplicação subjectiva do Código dos Contratos Públicos», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 64, 2007, p. 9

financiamento ou de apoio, ou auxilio financeiro sem contraprestação especifica», e que estas

prestações se traduzam em mais de metade da utilizada pela entidade «dependente»217.

O segundo critério - controlo de gestão -, segundo o TJCE, consiste na criação de

«uma dependência do organismo em causa em relação aos poderes públicos, equivalente à que existe quando um dos outros dois critérios alternativos está preenchido, ou seja, um financiamento proveniente maioritariamente dos poderes públicos ou a nomeação por estes da maioria dos membros que compõem o órgão de administração, de direcção ou de fiscalização deste organismo, de modo a permitir aos poderes públicos influenciarem as decisões do referido organismo em matéria de contratos públicos»218.

Segundo CLÁUDIA VIANA, para haver controlo de gestão, basta que se verifique a possibilidade de exercer um controlo indirecto sobre as decisões dos organismos em matéria de contratos públicos219.

Quanto ao terceiro critério, relativo à participação maioritária em órgão de administração, direcção ou fiscalização, ele ocorre quando os órgãos de administração, direcção ou fiscalização, do organismo sejam compostos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, autarquias locais ou por outros organismos de direito público220.

Se conjugarmos os três requisitos de qualificação de uma entidade como «organismo de direito público» - «satisfazer especificamente necessidades de interesse geral sem carácter

industrial ou comercial», «personalidade jurídica» e a «existência de uma situação de dependência efectiva do Estado, das Autarquias locais ou de outros organismos de direito público», entendemos que estão abrangidos pelo RJAP os institutos públicos em todas as suas

modalidades (serviços personalizados dos Estado, fundações públicas e estabelecimentos públicos221) e as agências reguladoras222 que têm também um substrato institucional. Ainda fora do sector público administrativo tradicional, o organismo público deve abranger as pessoas colectivas de utilidade pública223, algumas associações de direito privado sem fins lucrativos, desde que dotados de personalidade jurídica224 .

217 VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.445-446

218 Ver acórdão «Adof Truley», de 27 de Fevereiro de 2003, apud VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.448

219

VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., p.450 220 VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., p.450

221 Ver o art. 2°, n.º 2 da Lei n.º 96/V/99, de 22 de Março – Regime jurídico dos serviços autónomos, dos fundos autónomos e dos Institutos Públicos

222 Ver o n.º 1 do art. 2° da Lei n.º 20/VI/2003, de 21 de Abril – Regime jurídico das agências reguladoras do sector económico e financeiro. 223

É o caso das pessoas colectivas de utilidade pública reguladas pelo Decreto-Lei n. °59/2005, de 19 de Setembro.

224 Pois há associações de direito privado sem personalidade jurídica (ver art. 21° da Lei n.º 25/VI/2003, de 21 de Julho - Regime Jurídico Geral da Constituição de Associações de fins não lucrativos

Podia-se questionar se o «organismo público» não abrange as empresas públicas que assumem a forma de pessoas colectivas de direito público [art. 4°, 1, a), ii) da Lei n° 47/VII/2009, de 7 de Dezembro – Regula o Regime do Sector Empresarial do Estado]. Afigura-se-nos que não, porque o art. 4°, n.º1, a), ii) da Lei n.º 47/VII/2009, de 7 de Dezembro, estabelece expressamente que as entidades públicas empresariais, têm a «natureza empresarial», enquanto o art. 2°, n.º 1, b), do RJAP, exclui da qualidade de entidade

adjudicante os organismos públicos que revestem a natureza de empresa pública225.

A expressão «serviços personalizados do Estado» é uma outra importação que se fez da doutrina e direito positivo português para abranger todas as espécies de «institutos públicos» e que se reconheceu na mesma doutrina que não era a mais adequada porque

abrangia apenas uma das suas espécies226. Apesar de o direito positivo cabo-verdiano (Lei n.

°96/V/99, 22 de Março - Regime Jurídico Geral dos Serviços Autónomos, dos Fundos Autónomos e dos Institutos públicos), prever que existem três espécies de institutos públicos, em várias leis continua-se a utilizar a expressão «serviços personalizados do Estado» para abranger todas as espécies de institutos públicos. Assim, a expressão «serviços personalizados do Estado» utilizada na alínea c) do art. 2° do RJAP, deve abranger todas as espécies de institutos públicos (serviços personalizados do Estado, fundações públicas e estabelecimentos públicos), apesar do equívoco do legislador. Convém acrescentar que esta alínea c) art. 2° do RJAP é dispensável, na medida em que os institutos públicos integram a alínea b) deste mesmo artigo, ou seja os «organismos públicos».

Relativamente à alínea d) do art. 2° do RJAP (referente a fundos autónomos), se considerarmos na linha da definição de JORGE ANDRADE DA SILVA, que a entidade adjudicante é a entidade que celebra o contrato, e esta celebração deve efectuar-se, em princípio, por sujeitos dotados de personalidade jurídica227, os fundos autónomos, por não

disporem de personalidade jurídica228 não devem ser considerados entidades adjudicantes.

225 Não é esta a interpretação actual no direito da U.E. no direito português e no Acordo sobre os Contratos Públicos da Organização Mundial do Comércio (Ver VIANA, Cláudia, Os princípios comunitários na contratação pública… cit., pp.422-451; ver ainda art. 1º, n.º 9 da Directiva 2004/18/CE). Ver também LEITÃO, Alexandra, «contratos de prestação de bens e serviços celebrados entre o Estado e as empresas públicas e relações in house» Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 65, Setembro/Outubro 2007, pp.16-17, em que a doutrina portuguesa entende que o Decreto-Lei n°197/99, de 8 de Junho (este diploma excluía as empresas públicas do seu âmbito pessoal), deve ser interpretado conforme à Directiva n.º 93/36/CEE, abrangendo empresas públicas, sem carácter industrial e comercial. Se Cabo Verde aderir ao Acordo dos Contratos Públicos da Organização Mundial do Comércio, terá de alterar esta disposição (art. 2°, n.º 1, b), do RJAP), de forma a abranger as empresas públicas sem carácter industrial e comercial.

226

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 2005, pp.343-344

227 ESTORNINHO, Maria João, Direito europeu dos contratos públicos: um olhar português, Almedina, 2006, p.322. Ver ainda OLIVEIRA, Mário Esteves de, e OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p.99; Ver também LEITÃO, Alexandra, «contratos de prestação de bens e serviços celebrados entre o Estado e as empresas públicas e relações in house» Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 65, Setembro/Outubro 2007, p.13

228

O art. 2°, n.º 2 da Lei n.º 96/V/99, de 22 de Março, estabelece que «consideram-se fundos autónomos, os fundos do Estado ou de outra pessoa colectiva publica, destinados a fins especiais, sujeitos a um regime legal especifico de financiamento e dotados, nos termos da lei de autonomia administrativa, mas não de personalidade jurídica própria»

Convém realçar que, do lado da Administração, de acordo com a alínea q) do art.1° do RRJAP, actuam as seguintes entidades: «A ARAP, o Primeiro Ministro, as entidades

adjudicantes e adquirentes, as UGAs, a UGAC e os responsáveis directos do sistema de informação das contratações públicas».

A Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas229 é uma autoridade administrativa

independente, que, conforme estabelece o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2008, de 8 de Maio, visa alcançar uma administração cada vez mais eficaz e transparente, que sirva bem os cidadãos e as empresas e facilite o relacionamento entre a Administração, os cidadãos e as empresas.

Em termos genéricos, a ARAP, no procedimento de formação do contrato, é a única e última instância de recurso administrativo (art. 135º do RRJAP), cujos órgãos têm a competência, nos termos do art. 9º RRJAP e do art. 10º do Decreto-Lei n.º 15/2008, de 8 de Maio, para:

a) Acompanhar e supervisionar todo o processo de aquisições para que as mesmas se processem em conformidade com as normas, procedimentos e princípios previstos na Lei e sejam introduzidas as correcções que se imponham oportunamente;

b) Dirimir conflitos entre concorrentes e entidades adjudicantes (através do seu órgão – Comissão de Resolução de Conflitos- art.31° do Decreto-Lei n.º 15/2008, de 8 de Maio, art. 135º RRJAP);

c) Conduzir auditorias ao processo das aquisições públicas, sem prejuízo de outras levadas a cabo por outras entidades públicas competentes;

d) Coordenar a preparação e aprovar a redacção dos cadernos de cláusulas técnicas gerais;

e) Elaborar e aprovar o Código de Conduta dos integrantes das UGAs e dos júris e de todos quantos participem nos procedimentos de aquisição;

f) Manter o seu «website» na Internet onde sejam efectuadas as publicações previstas na Lei ou no Regulamento, nomeadamente os documentos de concurso e as suas alterações e quaisquer recomendações relacionadas com aquisições futuras, bem como os contratos celebrados;

g)Exigir das Entidades Adquirentes e das UGAs relatórios circunstanciados sobre todos

os processos de aquisição e os contratos celebrados;

229 As atribuições da ARAP e as competências dos respectivos órgãos estão regulados nos arts. 8º a 10º do RRJAP e no Decreto-Lei n.º 15/2008, de 8 de Maio (diploma legal que cria a ARAP e regula os respectivos estatutos).

h) Zelar para uma adequada formação dos integrantes das UGAs;

i) Certificar os integrantes das UGAs, e desqualificar as UGAs ou seus integrantes sempre que o comportamento destes deva razoavelmente acarretar perda de confiança na sua capacidade ou idoneidade para condução dos processos de aquisição em conformidade com a lei.

Uma das questões mais relevantes que se suscita é relativa à existência de uma eventual redundância entre as atribuições da ARAP, em matéria de contratação, e as do Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas intervém na contratação pública, após o término do procedimento pré-contratual, para apôr ou recusar o visto, sobre a minuta do contrato, ou sobre o contrato celebrado, e ainda no julgamento das contas de gerência e no parecer sobre a

Conta Geral do Estado (art. 9° da Lei n.°84/IV/93, 12 de Julho)230. A ARAP, contrariamente,

acompanha todo o procedimento de contratação pública, nomeadamente na sua programação anual, em que é informada das interacções entre a Unidade de Gestão das Aquisições e a Unidade de Gestão das Aquisições Centralizadas (art.10°do RRJAP). Aqui, a sua actuação verifica-se durante o procedimento, oferecendo maior garantia de boa gestão dos dinheiros públicos, da concorrência, do combate à corrupção, do respeito pelos princípios da contratação pública (art.9° do Decreto-Lei n. ° 15/2008, de 8 de Maio) e dirime os litígios entre os concorrentes e a entidade adjudicante, com maior independência do que se fosse a Administração Central (art.31° do Decreto-Lei n.º 15/2008, de 8 de Maio, art. 68°, 3 e 4 do RJAP e art.135° do RRJAP), podendo vetar uma contratação que viole os princípios da contratação pública, nomeadamente a prossecução do interesse público e a concorrência (arts. 43° a 46° do RRJAP). A ARAP pode exigir das Entidades Adquirentes e das UGAs relatórios circunstanciados sobre todos os procedimentos de contratação e os contratos celebrados e ainda realizar auditorias aos processos de contratação pública.

Em resumo, podemos dizer que a ARAP exerce vários tipos de controlo - controlo a

priori, controlo concomitante e a posteriori (ou seja acompanha, supervisiona, visa ou veta e

audita as aquisições públicas - arts.8° e 9° do RRJAP) - e o Tribunal de Contas faz controlo

a priori (através do visto) e a posteriori (através do julgamento das contas de gerência e da

emissão do parecer sobre a Conta Geral do Estado).

Prima facie, podemos dizer que existe redundância. Contudo, devemos ter em conta

que o Tribunal de Contas de Cabo Verde é, nos termos da Constituição e da lei, uma instituição superior de controlo financeiro externo (art. 219°,n. °1 da CRCV), que prossegue

uma missão independente de controlo e responsabilização da gestão financeira pública, o que inclui a evidenciação pública dos resultados desse controlo. Nisto se distingue de forma radical de quaisquer outros órgãos de controlo eventualmente instituídos pelo Governo que prossigam objectivos de controlo de gestão e a ele reportem os seus resultados231.

Podemos dizer que, em matéria de controlo dos contratos públicos, podem intervir várias entidades: os controladores financeiros232, a Inspecção Geral das Finanças (este serviço, enquanto serviço vocacionado para o controlo financeiro, pode ao longo da sua fiscalização, verificar se as despesas realizadas na celebração de contratos executados ou em execução, respeitaram ou não lei) e a ARAP, que são órgãos de controlo interno.

Perfilhamos a posição segundo a qual o facto de o Tribunal de Contas exercer, entre outros, o controlo financeiro dos contratos públicos, não significa redundância de actividades, que justifique ou aconselhe a redução das competências do Tribunal de Contas, sob pretexto de eliminar uma suposta redundância com alguns desses órgãos ou de querer delimitar áreas de intervenção do Tribunal em função de existência ou não existência de entidades de controlo interno alegadamente eficazes e competentes233.

Em nosso entender, a função do Tribunal de Contas é de natureza diferente e de nível superior ao daqueles órgãos. Esse órgão é um órgão de controlo externo e independente da Administração, enquanto os demais acima referidos são de controlo interno; o controlo do Tribunal de Contas tem a natureza jurisdicional, enquanto que o dos demais órgãos tem a natureza administrativa. Os demais órgãos de controlo interno reportam ao Tribunal de Contas os casos de infracção financeira originados da sua actuação234, cabendo a este (ao Tribunal ) a responsabilização da gestão financeira pública. É por isso que o Tribunal de Contas enquanto órgão superior de controlo das Finanças Públicas, pode verificar a eficácia e validar o

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