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CAPÍTULO 1 ORALIDADE: HISTÓRIA, CONSTITUIÇÃO E ENSINO

2.5. Entonação expressiva e valoração da linguagem

A relevância da valoração do enunciado encontra-se bastante presente em diversos momentos na obra bakhtiniana.

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, o autor afirma que “a palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana”(VOLÓCHINOV, 1929/2017, p. 181).Ele se afasta, uma vez mais, de um estudo de língua focado apenas no sistema e mostra que a consideração do contexto ideológico é tão necessária quanto a atenção que normalmente se dá ao momento em que se produz o discurso. Dessa forma, segundo o autor, “nunca pronunciamos ou ouvimos palavras, mas ouvimos uma verdade ou uma mentira, algo bom ou mal (sic), relevante ou irrelevante, agradável ou desagradável (...)”. (VOLÓCHINOV, 1929/2017, p. 181) Em suma, são palavras carregadas de valoração.

No ensaio A construção da enunciação, Volóchinov(1930/2013b) vai mostrar que o valor da palavra pode ser observado no enunciado concreto a partir da entonação, a qual é definida como “a expressão sonora da valoração social” e “a expressão da valoração da situação e do auditório” (VOLÓCHINOV, 1930/2013b, p. 175 e 177, respectivamente).Com isso, vai evidenciar como essa entonação sofre a influência tanto do auditório – da valoração que o falante faz dele – quanto da orientação social do enunciado e, em menor medida, do próprio tema da conversação.

O esquema a seguir, elaborado por nós a partir dos estudos realizados por Volóchinov (1930/2013b, p. 180-181), evidencia ainter-relação desses elementos.

Figura 4 – Relação entre situação,

A defesa do conceito

palavra na vida e a palavra na poesia intrínseca entre a obra e a vida e

forma do todo do enunciado não se dá sem um julgamento de valor.

Acima de tudo, as valorações determinam a seleção das palavras pelo autor e a percepção desta seleção (co

Porque o poeta não escolhe suas palavras de um dic

contexto da vida no qual as palavras se sedimentam e se impregnam de valorações. Deste modo, escolhe as valorações relacionadas com as palavras e, além disso, desde o ponto de vista dos portadores encarnados desta valorações.

A valoração do enunciado

conteúdo do que é dito, mas é reconhecível pelas escolhas linguísticas empreendidas pelo enunciador, bem como pela forma que dá ao seu discurso. Em outras palavras, pode-se afirmar que tanto o estilo, quanto a forma composicional evidenciam esse juízo de valor, esse posicionamento do sujeito em re

SITUAÇÃO E AUDITÓRIO

ORIENTAÇÃO SOCIAL DO ENUNCIADO (Sobretudo)

Entonação

DETERMINA

Relação entre situação, auditório e entonação

Fonte: VOLÓCHINOV,1930/2013b

conceito de entonação já estava presente na obra de 1926, palavra na vida e a palavra na poesia, em que Volóchinov,

entre a obra e a vida e vai mostrar que a seleção do material forma do todo do enunciado não se dá sem um julgamento de valor.

Acima de tudo, as valorações determinam a seleção das palavras pelo autor e a percepção desta seleção (co-eleição) pelo ouvinte. Porque o poeta não escolhe suas palavras de um dic

contexto da vida no qual as palavras se sedimentam e se impregnam de valorações. Deste modo, escolhe as valorações relacionadas com as palavras e, além disso, desde o ponto de vista dos portadores encarnados desta valorações.

(VOLÓCHINOV,

valoração do enunciado, desta forma, não é observável

conteúdo do que é dito, mas é reconhecível pelas escolhas linguísticas empreendidas pelo enunciador, bem como pela forma que dá ao seu discurso. Em se afirmar que tanto o estilo, quanto a forma composicional juízo de valor, esse posicionamento do sujeito em re

SITUAÇÃO E AUDITÓRIO

ORIENTAÇÃO SOCIAL DO ENUNCIADO (Sobretudo)

Gesticulação

TEMA DA

CONVERSAÇÃO

dependem parcialmente

DETERMINAM DETERMINA auditório e entonação CHINOV,1930/2013b.

já estava presente na obra de 1926, A chinov, aponta a relação vai mostrar que a seleção do material verbal e da forma do todo do enunciado não se dá sem um julgamento de valor.

Acima de tudo, as valorações determinam a seleção das palavras eleição) pelo ouvinte. Porque o poeta não escolhe suas palavras de um dicionário, mas do contexto da vida no qual as palavras se sedimentam e se impregnam de valorações. Deste modo, escolhe as valorações relacionadas com as palavras e, além disso, desde o ponto de vista dos portadores CHINOV, 1926/2013, p. 88)

é observável apenas no conteúdo do que é dito, mas é reconhecível pelas escolhas linguísticas empreendidas pelo enunciador, bem como pela forma que dá ao seu discurso. Em se afirmar que tanto o estilo, quanto a forma composicional juízo de valor, esse posicionamento do sujeito em relação ao dito.

TEMA DA

CONVERSAÇÃO

Volóchinovdestaca, ainda, que essa visão avaliativa realiza-se na entonação, ou seja, no “tom” do discurso, e pode ser observada também pelos gestos, pois é “entonando e gesticulando [que] o homem ocupa uma posição social ativa com respeito aos valores determinados, determinadas pelas mesmas condições de sua existência social.” (VOLÓCHINOV, 1926/2013, p. 85). Com isso o autor coloca tanto a entonação quanto os gestos na fronteira entre o verbal e o extraverbal e, mais uma vez, evidencia o aspecto social imbricado em sua produção.

Segundo o autor, há duas direções possíveis para a qual a entonação está orientada: uma voltada para o interlocutor e a outra para o próprio objeto do discurso. Assim, evidenciam-se três participantes na produção do enunciado: o falante (autor), o ouvinte (leitor) e o tópico da fala (o que ou o quem da fala: o herói). Esta relação entre os três elementos deixa claro que qualquer trabalho que se deseja fazer em relação ao estudo de gêneros discursivos (orais ou escritos) deve levar o produtor do texto a perceber que seu enunciado é orientado para um interlocutor dentro de uma realidade social concreta e que ele, ao assumir o dito, posiciona-se frente a ele, responsabilizando-se por sua palavra.

A responsabilidade deste dizer está claramente marcada emPara uma filosofia do ato responsável, ocasião em que Bakhtin defendea unicidade do ser e do evento, afastando-se das generalizações que não consideram o ato singular e das teorizações que afastam-se da vida: “cada valor que apresente validade geral se torna realmente válido somente em um contexto singular” (BAKHTIN, 1920-24/2010, p. 90)

Por ser único, este ser torna-se responsável, uma vez que, no interior de um ato concreto, “tudo o que pode ser feito por mim não poderá nunca ser feito por ninguém mais, nunca”. É nessa direção que Bakhtin assevera o “não-álibi no existir”, ou seja, a partir do momento em que o sujeito reconhece sua singularidade e compreende sua participação concretana unicidade do evento singular, já se responsabiliza e assume um posicionamento. (BAKHTIN, 1920-24/2010, p. 96)

A entonação, segundo a visão defendida pelo autor, ocupa um papel fundamental, visto que “uma palavra realmente pronunciada não pode evitar de ser entoada, a entonação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada”(BAKHTIN, 1920-24/2010, p. 85). Esse conceito é então compreendido, mais uma vez, como

uma tomada de posição que o sujeito assume para si, evidenciando sua atitude avaliativa em relação ao outro (o objeto do discurso e seu interlocutor). Ou seja, a entonação é um momento imprescindível do ato e, desta forma, não pode ser apartada do enunciado concreto.

Considerando nosso interesse em refletir sobre aspráticas orais no LDP de ensino médio, em especial com o gênero debate, entendemos que o conceito de entonação será fundamental para compreender se de fato o aluno é levado a refletir sobre a valoração do seu discurso e, com isso, assumir sua posição autoral diante de seu dizer. Assim, faz-se necessário levá-lo a perceber que o dito é mais que uma palavra, é um agir sobre a realidade, é uma tomada de posição observada não só pela escolha do dito, mas, inclusive, do não-dito.

É preciso reforçar mais uma vez que essa valoração a que o Círculo faz menção não pode ser entendida como algo subjetivo, resultado de uma apreciação meramente pessoal. Como o próprio sujeito é social, o tom avaliativo de seu discurso é constituído na relação entre a posição socialmente determinada pela realidade e o ponto de vista que o sujeito tem sobre ela. Nessa direção é que Volóchinov questiona: “palavras como ‘classe’, ‘revolução’, ‘comunismo’ (...) não serão acompanhadas de avaliação diferente em enunciações de um lavrador e de um burguês (...)?” (VOLÓCHINOV, 1930/2013c, p. 199).

No processo de ensino de gêneros orais na escola, no que tange à reflexão sobre a entonação, acreditamos que seja necessário levar o aluno a refletir sobre as diferenças de valoração, mesmo em enunciados potencialmente “iguais”. E, ampliando um pouco mais essa visão, é preciso ajudá-los a perceber, assim como exposto por Sobral (2005, p. 22), que “(...) o valor é sempre um valor para sujeitos, entre sujeitos, numa dada situação”.