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CAPÍTULO 1 ORALIDADE: HISTÓRIA, CONSTITUIÇÃO E ENSINO

2.7. Unindo a ponta dos fios

Apresentados de forma isolada, os conceitos aqui elencados podem não dar conta da dinamicidade que engendram para a caracterização do que entendemos como oralidade na perspectiva bakhtiniana. Dessa forma, faz-se necessário sintetizar e amarrar cada um deles de modo a facilitar a compreensão do que buscamos demonstrar.

Primeiramente, deixamos registrado que os conceitos discutidos nesse capítulo também se aplicam ao texto escrito, ou seja, os estudos bakhtinianos evidenciam que a interação verbal acontece não só no diálogo face a face, mas, inclusive, quando o escrevente considera seu interlocutor, sua relação com ele, a situação comunicativa imediata e mais ampla, o tempo sócio-histórico em que se produz o discurso etc. Ele não está, assim, apartado da realização concreta da língua e, por isso, com ela realiza um diálogo constante, que determina, inclusive, suas escolhas linguísticas sobre o dito. Essa forma de dizer, constituída no interior de uma esfera e caracterizada por um gênero discursivo, concretiza-se em forma de um enunciado concreto que, como tal, está carregado de valor axiológico.

Já os enunciados produzidos oralmente no interior de uma dada situação comunicativa também se apresentam dentro de uma interação verbal concreta, com interlocutores que produzem seus enunciados a partir de uma avaliação da situação comunicativa global e que dialogam constantemente com a pequena e a grande temporalidade que envolvem o discurso.

No nosso ponto de vista, as convergências aqui apresentadas só reforçam a tese de uma não oposição entre essas duas formas de materialização do discurso: pelo som ou pela grafia. E, em matéria de ensino, são bastante úteis para levar o aluno a trabalhar com essas formas de realização do texto pelas semelhanças, mais que por suas diferenças.

Embora sejam nítidas algumas diferenças da situação de produção do discurso oral e do escrito – como a presença/ausência física dos interlocutores no momento da constituição do enunciado – entendemos que o caminho bakhtiniano de trabalho com a linguagem seja mesmo observar, pelo viés dos gêneros discursivos, como esses enunciados constituem-se no momento de interação. Mas, mais do que isso, considerar quais valores estão em diálogo constante nesse processo, interferindo na própria constituição do discurso e, principalmente, na decisão de como ele deve ser apresentado: se oral ou escrito.

Nesta visão, énecessário não esquecer que “os sujeitos que se envolvem nessas relações dialógicas não são entes autônomos e pré-sociais, mas indivíduos socialmente organizados.” (FARACO, 2009, p. 121)

Os estudos que tratam das especificidades dos textos no modo de realização oral, apresentando suas marcas linguísticas verbais (repetição, correção, parafraseamento, referenciação), prosódicas (pausas, alongamentos) ou não verbais (olhar, risos, postura do corpo) têm a usa relevância, pois, vistos do interior de um enunciado concreto, darão possibilidade de compreender que a estrutura da língua reflete o evento da inter-relação entre os falantes, ou seja, essas são marcas que podem ajudar a perceber a valoração do enunciado e as relações dialógicas que nele se estabelecem.

Compreendendo que “o estilo se constrói a partir de uma orientação social de caráter apreciativo”(FARACO, 2009, p. 137) que evidencia uma tomada de posição axiológica, o aluno poderá fazer uso da linguagem de forma mais consciente, assumindo efetivamente sua voz e sua posição autoral dentro das mais diversas situações de que participa na vida.

Buscamos, neste capítulo, mostrar como os diversos conceitos bakhtinianos elencados relacionam-se e podem servir de base para a compreensão da oralidade no interior dos estudos do Círculo. Como dissemos, não se trata de negar as concepções desenvolvidas pelos pesquisadores que descreveram algumas marcas linguísticas específicas da oralidade – como vemos, por exemplo, na Gramática do Português culto falado no Brasil –, nem os que trataram da relação da produção oral em sua situação imediata de realização – como se pode observar nos estudos da

Pragmática e da Análise da Conversação. Na verdade, os estudos bakhtinianos os reconhecem como válidos, mas acrescentam outros aspectos significativos que não podem ficar de fora, como o reconhecimento de que esse dizer dialoga com uma realidade social mais ampla – não aquela apenas imediata – e que está carregado de uma valoração, esta, inclusive, tão fundamental que pode orientar toda a constituição do discurso.

É nesse sentido que o sujeito falante se torna autor, pois é ele que dá forma ao conteúdo e faz escolhas linguísticas refletidas – não aleatórias –, de acordo com sua intencionalidade dentro do grande e do pequeno tempo de sua produção. Revela-se, assim, sua posição axiológica, ou seja, seu posicionamento social ligado a valores construídos na/para a vida.

CAPÍTULO 3

A COMPOSIÇÃODO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS DE

ENSINO MÉDIOPARA O PNLD 2015

Toda a cultura na sua totalidade vem integrada no contexto unitário e singular da vida do qual eu participo. (...) Cada valor que apresente validade geral se torna realmente válido somente em um contextosingular.

(BAKHTIN, 1920-24/2010, p. 90)

A compreensão do livro didático como um acontecimento nos leva a um distanciamento de generalizações e à busca da singularidade de cada obra. Para esse estudo, destacamos as seguintes especificidades que envolvem nosso corpus: trata-se do livro didático de Português, dirigido ao ensino médio, cujas coleções foram aprovadas no PNLD 2015 e distribuídas a escolas públicas brasileiras.

Considerando essas singularidades, faz-se misterconhecer como elas se constituem, evidenciando as características do ensino médio, do PNLD 2015, do edital que deu base legal a sua realização e do guia do livro didático de português, fruto desse processo.