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Entre as atividades no espaço urbano

Refletir para recortar e abordar

1 | O COMÉRCIO INFORMAL E SUAS REPERCUSSÕES

1.2 O comércio em via pública

1.2.2 Entre as atividades no espaço urbano

As atividades no espaço urbano, de modo geral, passaram por transformações significativas, ao longo da história. Aconteceram de modo intenso na época da cidade industrial, em que a maior parte das trocas comerciais aconteciam em lugares públicos. Apesar das condições precárias dos ambientes em que ocorriam, eram característica marcante das ruas daquele tempo.

Na verdade, o espaço público – mal dimensionado, precário, insalubre – era o que os habitantes mais humildes da cidade industrial tinham de seu. Estavam todos ali, expondo sua miserável condição, facilmente captada por quem percorresse ruas e praças, mas também e fundamentalmente estavam, das formas possíveis, apropriando-se da cidade. (TENORIO, 2012, p. 40).

O impacto desta situação nos que se ocupavam das questões da cidade foi majoritariamente negativo, o que deu origem a projetos com o objetivo principal de expurgá-la. O urbanismo, no início do século XX, como uma área interdisciplinar atuante sobre o espaço da cidade, é acionado para a especificidade de contornar este quadro de desordem. Com certa ortodoxia, seus primeiros profissionais procuravam estabelecer, em seus projetos, modos padronizados de uso das cidades, limitando, reduzindo e homogeneizando a população, como se assim pudessem determinar a vida no espaço público (op. cit., p. 42).

A partir da principal reação à situação das cidades industriais – a cidade-jardim, de Ebenezer Howard – as atividades em via pública começam a ser consideradas de modo diferente. Três são os fatores principais que levam a isso: padronização nos tipos de moradia; separação drástica de funções (o que já começava a ocorrer nas cidades industriais) e transformação gradual da função da rua. Estes dois últimos fatores foram mantidos e estabelecidos no movimento moderno, em que se somou o início da setorização do espaço público para atender atividades específicas (op. cit., p.47-56).

A rua, então, tem a sua função transformada em passagem e entidade que separa, não mais congrega, outros espaços e funções na cidade. Neste contexto, as atividades que antes eram o motim da vida pública, passam a ser marginalizadas como tudo o que se tentou eliminar com o urbanismo moderno: o insalubre, a desordem, o convívio, pelo que as cidades de outrora ofereciam como espaço urbano de plena socialização espontânea.

A preocupação com os efeitos negativos destas medidas na qualidade da vida pública dos espaços da cidade, gera estudos no âmbito da arquitetura e do urbanismo, que nesta tese, se expande para a área do design.

O comércio informal em via pública é apenas um dos diversos tipos de atividade que ocorrem no cotidiano de uma cidade. Com relação a essa diversidade e as respectivas condições físicas favoráveis, Jan Gehl, em seus estudos sobre o incremento da qualidade da vida das pessoas no espaço “entre edifícios”, chega a uma categorização em que as atividades podem ser necessárias, opcionais e sociais (GEHL, 2006, p. 09).

Segundo o autor, o mínimo grau de demanda para ser executada, faz a atividade ser categorizada como necessária. As atividades opcionais envolvem vontade de executá-las, ou melhor, de desfrutá-las. E, finalmente, para uma atividade ser categorizada como social, ela precisa, no mínimo, da presença de pessoas em um mesmo lugar.

Alguns exemplos podem ser citados dentro de cada categoria dessas, porém, como observo o pequeno sistema em que quem vende está ali por necessidade, quem compra está ali por opção e ambos podem desfrutar de relações sociais em decorrência das anteriores, não tomo esta categorização de modo a desvincular uma categoria da outra em toda e qualquer atividade. O autor chega a concluir que algumas (categorias) levam às outras. Estas categorias estão tão imbricadas na maioria das atividades que seria desnecessário encará-las como tal.

Categorizamos quando podemos isolar em grupos os itens com as mesmas características. No caso da atividade específica do comércio em via pública (e acredito que em muitas outras), as três categorias estariam presentes, concomitantemente. Vender é uma necessidade; comprar pode ser uma necessidade ou opcional; vender, comprar, ou passar pela atividade é um ato social. Acredito que ser necessárias, opcionais ou sociais são modos de analisar as atividades e não categorias. Parecem categorias ao primeiro contato com a atividade, mas analisando-a com profundidade, pode-se descobrir outros espectros além daquele percebido inicialmente.

Com esta correção de ponto de vista, utilizo, também, o trabalho do autor na construção do método e na análise dos estudos de caso, mais ainda quando ele

trata das condições físicas do espaço para as atividades, em que esmiúça praticamente todas as possibilidades.

Em sua discussão sobre os equívocos dos processos de reurbanização, Jane Jacobs nos alerta (na verdade, é um incisivo convite) para emergência da aventura pelo mundo real das cidades, de maneira mais próxima, despretensiosa e aberta aos fatos mais comuns. Nesta trilha, tento localizar o comércio informal entre a variedade de atividades que se pode observar no espaço urbano, desde as mais triviais até o próprio comércio, que tem um grau de complexidade, entre outras atividades, significativo.

Diversidade é um atributo natural às grandes cidades e, por isso, a combinação dos usos é um dos principais pontos de partida para se compreender a lógica das cidades como meio social (op. cit., p. 157). A proximidade de diversos tipos de serviços e produtos, que permitem o funcionamento da vida diária, é uma organização que atende às demandas de naturezas, também diversas, das várias regiões e núcleos de uma cidade. Em termos econômicos, para grandes e pequenos empreendedores, de segurança e, principalmente, de incremento da vida social, a diversidade é condição essencial para a garantia de cada um destes aspectos básicos.

Das quatro condições para gerar diversidade no espaço urbano, segundo Jacobs27, destaco duas em relação as quais o comércio informal seria beneficiado e, de certa forma, beneficiaria. A primeira diz respeito à necessidade de usos combinado do espaço de maneira que, em diferentes períodos do dia, haja a garantia da presença de pessoas circulando. A atividade em questão seria beneficiada no que tange ao fluxo de pessoas que passa por ela, o que potencializaria as vendas. A outra condição fala sobre a necessidade de concentração de usos no espaço urbano. Diversificação por usos combinados e por concentração. As escolhas dos lugares para a localização do ponto de comércio, com certeza passam por estas oportunidades.

                                                                                                               

27

As quatro condições são: “a necessidade de usos principais combinados; a necessidade de

quadras curtas; a necessidade de prédios antigos e a necessidade de concentração” (JACOBS, 2009, p. 165).