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O aspecto social do design e os não designers

Refletir para recortar e abordar

1 | O COMÉRCIO INFORMAL E SUAS REPERCUSSÕES

1.3 As implicações do design na atividade

1.3.1 O aspecto social do design e os não designers

Philip Pacey (1992) retoma o período um pouco anterior à industrialização e, por conseguinte, à profissionalização da atividade de projetar artefatos e relaciona a emergência da profissão de design com a remoção da dupla de habilidades projetar e fabricar do espaço público para lugares privados. O autor constata que esta remoção se deu no sentido de permitir que fossem desenvolvidas as habilidades e o conhecimento de certas categorias de atividade para atender a um maior número de pessoas. A produção de um artefato deixa de ser feita para benefício próprio, em baixa escala, ou em peça única para ser fabricada por repetição. Esta mudança facilitou a produção de uma escala maior de artefatos para atender a um público também maior. Este fato transfere para um público anônimo o atendimento de expectativas, a partir deste momento, grupais ou mesmo universais, o que confere à profissionalização desta e de outras atividades, a causa deste tipo de dependência entre os indivíduos de uma sociedade.

Diante desta “dependência”, são duas as lentes pelas quais enxergo o aspecto social do design, não somente na atividade do comércio informal em via pública, mas em todo e qualquer produto oriundo desta prática profissional. A primeira, e necessariamente nesta ordem, é a abordagem do artefato como ente intrinsecamente social e a segunda, consequência da primeira, é a atenção sobre a responsabilidade social do design.

Retomo a perspectiva social do design de interação, de Saffer, para destacar a visão sobre a condição inerente de qualquer artefato de ser social, na medida em que compõe com e um ambiente, permite ações e conecta pessoas.

Segundo Abraham Moles (1989), os artefatos podem ser distinguidos de três maneiras diferentes, com base na relação entre os aspectos do ambiente e os indivíduos que interagem com eles: objetos individuais, ambientes domésticos e sistemas de larga escala (ambientes urbanos e de trabalho). Eles variam conforme tamanho e proporção no universo material das pessoas (p. 78). O artefato é, naturalmente, o resultado da tradução de valores e expectativas humanas em formas. O ato da interpretação das possibilidades e limitações funcionais de uma

atividade qualquer é intrínseco a quem projeta, em maior ou menor grau, dependendo do envolvimento com a realidade do que se está projetando.

Os artefatos em uma atividade são tão importantes quanto os agentes e a própria ação. Não considero nenhum dos elementos de entrada do sistema da atividade como elemento mediador de outros mais importantes. Victor Margolin (1995, p. 122) elege o termo “product milieu” que, em sua concepção, agrega os objetos, atividades, serviços e ambientes como partes da “vida do mundo”33. Assim considerando, os artefatos já são concebidos com implicações sociais intrínsecas. Fator este que alinha as abordagens sobre espaço e elementos físicos, pois a grande contribuição da Sintaxe Espacial é considerar os espaços, construídos ou naturais, por suas implicações sociais intrínsecas. Este tipo de implicação dos artefatos conduz à responsabilidade social do design, sobre a qual Papanek discorre.

No “Design for the real world”, ele fala sobre necessidades reais e especiais, ética, pobreza do “Terceiro Mundo” e outras questões que permearam e permeiam a vida material e social humana. Denuncia omissões e inconsistências em projetos, condutas, posturas, cultura dentro do design, mundo afora, pelos mais variados motivos como incremento do consumismo, obsolescência forçada, projetos para uma minoria privilegiada. Como designer e antropólogo, o autor pode se debruçar sobre a diversidade de expectativas humanas – que variam de acordo com códigos universais, grupais, ou individuais. Suas reflexões sobre a própria experiência em diversos países continuam sendo um norte para questões sociais atuais que envolvem o design.

Atualizações da realidade no que se refere “a explosão do mundo digital” são muito bem-vindas e reconhecem a constância dos problemas colocados por Papanek, anos atrás.

O ‘mundo real’ de Papanek já não é mais o mesmo: sobretudo, porque a explosão do meio digital nos últimos anos tem transformado de modo

                                                                                                               

33

“Vida do mundo” é tradução de “lifeworld”, termo utilizado por Alfred Schultz, um dos teóricos sociais (os outros: George Herbert Mead, Max Weber, Talcott Parsons, Thomas Luckmann e Alain Touraine) de quem Margolin “reclama” uma teoria da ação social relacionada com produtos.

profundo a paisagem econômica, política, social e cultural. (...) Não que o ‘mundo real’ tenha deixado de existir! Os problemas apontados por Papanek, de miséria e exploração, violência e degradação, são mais reais do que nunca. Aliás, se examinarmos os dados estatísticos, muitos deles estão piores do que quatro décadas atrás. Apenas foi acrescentada à realidade material uma camada a mais, que tudo envolve e tudo permeia. (CARDOSO, 2012, p. 19-20)

A prática do design ainda é restrita a um tipo de público e ao mercado consumidor. Problemas que não têm vínculo direto com o consumo não são comumente tratados por designers, inclusive e principalmente, os de cunho social.

Papanek diz que “O conteúdo telesic de um projeto deve refletir os tempos e as condições que deram origem a ele e deve ser conjugado com a ordem socioeconômica humana em geral em que está inserido.”34 (1984, p. 17). É o que interpreto como a busca por uma proximidade com o que de fato acontece socialmente. No caso do tema aqui abordado, a observância de vivências e práticas cotidianas no espaço urbano elucidaria variadas questões há muito não resolvidas, tão pouco detectadas.

Nesta linha de raciocínio, por ser parte ativa principal desta realidade cotidiana do espaço urbano, o comerciante informal é o designer das questões de sua própria atividade de trabalho. Aqui está no centro o produto do processo de design deste trabalhador. Na definição “design é o esforço consciente e intuitivo para impor ordem significativa”35, Papanek resume um pensamento abrangente sobre esta atividade:

Todos os seres humanos somos designers. Tudo o que fazemos, quase todo o tempo, é design, por ser a base para toda a atividade humana. O planejamento e a padronização de qualquer ação em direção a um objetivo previsível e desejado é um processo de design. (1984, p. 03)

A ação não especializada dos comerciantes informais, na maioria das vezes, tem como base a bagagem de conhecimento adquirido com a conjunção de estudo (muito pouco, às vezes) e, principalmente, com a experiência de vida, guiada por necessidade de sobrevivência, ambição, idealização, enfim, motivações de toda

                                                                                                               

34

“The telesic content of a design must reflect the times and conditions that have given rise to it and

must fit in with the general human socioeconomic order in which it is to operate.” (Tradução livre)

35

sorte. Eles compõem relações, por meio do que conhecem suficientemente sobre cada um dos elementos acionados na composição da atividade.