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Interface – artefato do design ou da arquitetura?

Refletir para recortar e abordar

1 | O COMÉRCIO INFORMAL E SUAS REPERCUSSÕES

1.3 As implicações do design na atividade

1.3.2 Interface – artefato do design ou da arquitetura?

A primeira implicação do design, na análise de uma atividade que ocorre em um espaço construído, externo ou interno, é o usufruto dos artefatos pelas pessoas. Em decorrência disso, a relação entre design e arquitetura se traduz na interface entre os artefatos de ambas as áreas. Busco, então, identificar os artefatos destas áreas na situação da atividade analisada. É fato que elas se distinguem em muitos aspectos, apesar de compartilharem de processos projetuais, como cunho da prática profissional, no atendimento de expectativas na relação homem/meio.

Além de se distinguirem como atividades “utilitárias”, na visão do esteta Evaldo Coutinho (2010), arquitetura e design são diferenciadas como gêneros artísticos. Ele evidencia a distinção entre as artes, ou “a autonomia do gênero artístico” pela escolha da “matéria” em cada um dos gêneros. Matéria é o que traduz a identidade de cada gênero artístico, ou a base norteadora em sua categorização, dentro das artes. A arquitetura tem em comum com a escultura “a parte construtiva, plástica, figurativa (...), o volume palpável” (COUTINHO, 2010) e o que diferencia um gênero do outro é a matéria espaço, exclusiva da arquitetura.

Sinalização e elementos de propaganda, bancas de revista, dispositivos de iluminação e mobiliário urbanos são alguns exemplos de resultados de projeto de design para o espaço urbano, os quais Evaldo Coutinho denomina elementos escultóricos na arquitetura. Neste caso, os artefatos do design seriam comparados às obras da escultura em termos de matéria utilizada.

O autor considera que os artefatos de ambas as áreas se diferem no tipo de volume que geram, dentro da conceituação “matéria palpável” e “matéria espaço” (COUTINHO, 2010). Segundo esta mesma conceituação, a arquitetura se caracteriza pela utilização dos dois tipos de matéria, estabelecendo a relação entre vazios e cheios, para a formação de espaços, sua matéria fim. O design por sua vez, igualado à escultura, tem o seu fim na matéria palpável, na concepção de seus

artefatos. Com isso, poderíamos constatar que a distinção entre as duas áreas, por meio dos tipos de artefato que projetam, está na afirmação de que arquitetura projeta espaços e, design, volumes.

O borrar das áreas está no borrar de seus artefatos – espaços em escalas diversas delimitados por massa edilícia pela arquitetura e artefatos pelo design. Um dos aspectos da interface entre atividade e contexto é ser um espaço específico criado e delimitado por projetos oriundos tanto da arquitetura quanto do design. Espaço em que agentes, ações, elementos físicos e a própria forma deste lugar interagem entre si em prol da atividade e da vida social local.

A interface, então, deve ser definida mediante variáveis morfológicas. Por meio da forma delimitada pelos três âmbitos – contexto, atividade e interface – identifico dois tipos de interface: a de permanência e a de passagem. Imediatamente a partir dos elementos físicos, a interface de permanência é aquela em que tomam lugar as ações de atendimento, consumo, compra/venda do alimento para viagem, ou mesmo um bate papo por quem não consome o produto ali vendido. A interface de passagem começa onde termina a de permanência, mas não toma todo o lugar da área do contexto. Dependendo da configuração do lugar, definida por barreiras como massa edilícia e elementos físicos da atividade, esta interface tem a sua definição ao redor da atividade, na permeabilidade ao movimento de pedestres.

A interação entre elementos é um princípio comum em qualquer projeto de design, com foco em um ou outro aspecto, desde a concepção formal (interação entre partes de um produto) à tradução entre linguagens (interação entre conceitos e matéria). Contudo, o conceito de interação vem adjetivando a prática do design desde os anos de 1990, quando Bill Moggridge denominou design de interação (interaction design) a disciplina do design que reúne conhecimentos de design de produto, comunicação e ciência da computação, basicamente, para tratar da interação entre pessoas, sistemas e dispositivos digitais. (SAFFER, 2010, p. 3).

Dan Saffer expõe quatro abordagens de trabalho nesta área: ‘design centrado no usuário’; ‘design centrado na atividade’; ‘design de sistemas’ e ‘design de gênio’.

Destaco a abordagem “design de sistemas”, corroborando a ideia de que devo tratar o meu objeto como tal.

Design de sistemas é uma forma muito analítica de abordar problemas de projeto; se utiliza de arranjo de componentes para criar soluções em design. Considerando que, no design centrado no usuário, o usuário é como o centro do processo de design, aqui um sistema – conjunto de entidades que atuam uns sobre os outros – o é. Um sistema não é, necessariamente, um computador, embora possa ser. Sistemas também podem consistir de pessoas, equipamentos, máquinas e objetos. Os sistemas podem variar do simples ao muito complexo. Design de sistemas é uma abordagem de projeto estruturada, rigorosa, excelente para resolver problemas complexos e oferece uma visão holística para a concepção. Design de sistemas não descartam objetivos e necessidades do usuário – eles podem ser usados

para definir o objetivo do sistema.36 (p. 38)

É possível considerar como sistema tanto um artefato sozinho, quanto um conjunto de artefatos integrados em uma ação. Um único artefato é concebido para cumprir uma determinada função que envolve um número de sub-funções. Por exemplo, uma poltrona, artefato único, cumpre a função de assento com significativo conforto para compor ambientes de estar ou espera. Para isso, tem como elementos o próprio assento, o encosto e suportes para braços, todos a certa altura do chão. Esta composição não deixa de ser um sistema, uma vez que todos os elementos foram compostos e integrados com foco no cumprimento da função principal da poltrona, projetada para a ação simples de sentar com conforto (figura 1.9)37.

Da mesma forma, a atividade do comércio em via pública, com seus elementos integrados e voltados para uma ação principal, constituem um sistema tanto quanto a poltrona. A diferença está na interligação entre os elementos. Neste caso, são os espaços de ação os conectores dos elementos. Todo o ambiente com seus suportes, produtos para venda etc. compostos são o artefato, o sistema (Figura 1.10).

                                                                                                               

36 “Systems design is a very analytical way of approaching design problems; it uses an established

arrangement of components to create design solutions. Whereas in user-centered design, the user is as the center of the design process, here a system – a set of entities that act upon each other – is. A system isn’t necessarily a computer, although it can be. Systems can also consist of people, devices, machines and objects. Systems can range from the simple to enormously complex. Systems design is a structured, rigorous design approach that is excellent for tackling complex problems and offers a holistic approach to designing. Systems design doesn’t discount user goals and needs – they can be used to set the goal of the system.” (Tradução livre)

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A escolha deste artefato em específico é uma homenagem a Sérgio Rodrigues, arquiteto que conheci na época de minha formação, em um evento no IAB/RJ, e que faleceu no decorrer do meu doutoramento.

Figura 1.9 – ‘Poltrona mole’, exemplo de artefato considerado como sistema. Fonte: Instituto Sérgio Rodrigues

Figura 1.10 – ponto de comércio de frango grelhado, no Comércio Local Norte 207/208, exemplo de sistema por composição de vários artefatos e espaços de ação. Fonte: autora.

Além disso, no cerne do conceito de sistema está a questão do comportamento de pessoas e sistemas em relação ao funcionamento dos produtos resultantes. No estudo sobre design de interação como disciplina, são três as maneiras ou visões de abordá-la: a centrada na tecnologia, a behaviorista e a chamada design de interação social. Essa última visão é a que mais contribui com a análise da interface da atividade em questão por ser inerentemente social, por ter como foco a facilitação da comunicação entre as pessoas por meio dos artefatos (SAFFER, 2010, p. 5).

Desta maneira, a interface entre o contexto e a atividade, representada pela intersecção entre os espaços delimitados pelos elementos físicos da arquitetura e do design, possibilitam o desempenho da atividade, bem como as relações entre as pessoas nela envolvidas.