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O romancista, efetivamente, cria seus romances de modo que convença o leitor que a narrativa que escreve é como se fosse real. Verissimo, por sua vez, tentou fazer isso, conforme discorre:

Uma das muitas provas por que tem de passar o romancista para convencer-se a si mesmo e aos leitores de que não é apenas um memorialista nem um fotógrafo ambulante, é a de criar com verossimilhança uma personagem que seja diferente dele em matéria de gosto, temperamento, caráter. Dizer – como sugeriu um amigo – que deleguei a Rodrigo procuração para fazer por mim tudo quanto desejei ter feito na vida, mas não fiz por timidez ou falta de coragem moral ou física, é uma explicação não apenas simplista mais simplória (VERISSIMO, 1973, p.297, grifo do autor).

Assim, o escritor romanesco tem que ser um pouco ator. Para Verissimo, o romancista deve entrar de corpo e alma em seus personagens para dá vida, seja que papel tais personagens representem na trama.

Para dar verossimilhança a uma personagem não autobiográfica, o novelista tem de usar toda a sua capacidade de empatia, isto é, a faculdade de meter-se no corpo de outras pessoas, e que lhe permite sentir-se, ser alternadamente um herói ou um covarde, um bandido ou um santo, uma dama virtuosa ou uma prostituta (VERISSIMO, 1973, p.297, grifo do autor).

Aparece aqui, uma observação de Verissimo que me leva a pensar como a ficção está inerente a realidade, ou seja, o fictício na literatura é pensado a partir do real, pois é a partir do real que o ficcionista imagina.

Uma das dificuldades para Verissimo, antes se tornar um escritor profissional, foi conciliar a sua atividade de criação literária com o trabalho bancário num banco de Cruz Alta, em 1925.

Na agência bancária meus devaneios artístico-literários eram constantemente interrompidos por alguns dos comerciantes que traziam dez, quinze, vinte duplicatas para descontar. Creio que ainda hoje me “lembro” do cheiro de suor de cada cliente importante, do perfume que usava ou do tom de voz de cada um[...]. (VERISSIMO, 1973, p. 183, grifos do autor).

Verissimo, apesar de ter esclarecido que não é um cientista, procurou misturar, relacionar história e ficção em suas narrativas romanescas, tal como mostra a seguir.

Parece mentira, mas todos os fatos históricos que aprendi sobre D. Dinis e sua esposa Isabel parecem ficção quando comparados no meu espírito com a estória e as personagens inventadas por Eça de Queirós em seu romance O Crime do Padre Amaro (VERISSIMO, 1976, p.124).

Para Wunenburger (2003), a imagem serve para criar um espaço de percepção, e portanto, para tornar, no sentido estrito, um objeto visível, mas igualmente para melhorar a prestações do olhar. Ou seja, Verissimo não foi um homem de ciência, e para Wunenburger, o cientista “só vê as coisas que estiverem dispostas de forma a serem vistas” (2003, p. 267). Porém, o que Verissimo fez, de fato, foi “romance” histórico.

Essa observação me ajuda a ler as lembranças verissimianas através da imaginação, esta não como uma mera faculdade humana, mas uma atividade da alma à qual a imaginação humana presta testemunho. Não somos quem imagina, mas nós que somos imaginados (HILMANN, 1995).

Ainda em se tratando de ficção e realidade, Verissimo, conforme está em sua obra, criou uma relativa quantidade de personagens considerados de personalidade forte, tais

como exemplifica. Rodrigo Cambará12, Ana Terra13, Bibiana14, entre outros. Sobre esses personagens do sexo feminino, criados pela sua imaginação criadora, certa vez foi questionado por um leitor.

Como pode um romancista do sexo masculino – perguntou-me alguém um dia – descrever com verdade e autenticidade os sentimentos duma mulher? Expliquei-lhe que, no meu caso, sempre que tinha de fazer isso eu procurava ser essa mulher. Meu interlocutor me olhou meio espantado e calou-se, aparentemente insatisfeito, e talvez até meio desconfiado de minha masculinidade (VERISSIMO, 1973, p. 298, grifos do autor).

A esse fato, Verissimo relaciona a um dos romancistas norte-americano, muito conhecido do público, que também se sentia como “mulher” para dá verossimilhança a seus personagens femininos. Trata-se de Ernest Hemingway, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1954.

Ninguém negará grandeza e importância literária à obra de Ernest Hemingway. Mais de um crítico, porém, tem mencionado o fato de não se encontrar nos contos, novelas e romances desse escritor uma única personagem feminina verossímil, viva, plenamente realizada em sua condição de fêmea. Creio que isso se deve à obsessão que o grande escritor americano tinha de provar que era macho – o caçador de leões, o explorador, o aficionado das corridas de touros. No momento de descrever suas personagens do sexo oposto ele recusava, imagino, liberar seu componente feminino e meter-se no corpo delas, sentir como elas, amar como elas... (VERISSIMO, 1973, p. 298-299).

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Principal personagem masculino de “O tempo e o vento”. Em 1970, Verissimo publicou “Um certo capitão Rodrigo” pela Editora Globo de Porto Alegre. A edição consultada é de 1996b, conforme está nas referências.

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Principal personagem do sexo feminino de “O tempo e o vento”. Em 1971, Verissimo publicou “Ana Terra” pela Editora Globo de Porto Alegre. A edição consultada é de 2005, conforme está nas referências.

Em ambos os casos, é possível perceber que ainda é muito forte a presença do “machismo” em nossa sociedade.

No fundo talvez isso fosse um sinal de insegurança quanto à sua própria condição de macho, o temor de que alguém pudesse pôr em dúvida sua virilidade (VERISSIMO, 1973, p. 299).

Para Verissimo, isso podia ser uma escapatória, ou mesmo uma saída pela tangente do escritor estadunidense.

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