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Memória imaginativa nas lembranças de Erico Veríssimo: uma leitura de Solo de Clarineta

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

RAIMUNDO PAULINO DA SILVA

MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO

VERISSIMO: UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA

NATAL-RN

2020

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RAIMUNDO PAULINO DA SILVA

MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO VERISSIMO: UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA

Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais apresentado ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientador(a): Profa. Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes

NATAL - RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Silva, Raimundo Paulino da.

Memória imaginativa nas lembranças de Erico Veríssimo: uma leitura de Solo de Clarineta / Raimundo Paulino da Silva. - Natal, 2020.

125f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes.

1. Solo de Clarineta - Dissertação. 2. Erico Verissimo - Dissertação. 3. Memória imaginativa - Dissertação. 4.

Autobiografia poética - Dissertação. 5. Poética memorial - Dissertação. I. Gomes, Ana Laudelina Ferreira. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 821.134.3(81).09

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RAIMUNDO PAULINO DA SILVA

MEMÓRIA IMAGINATIVA NAS LEMBRANÇAS DE ERICO VERISSIMO: UMA LEITURA DE SOLO DE CLARINETA

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes- PPGCS/UFRN (orientadora/presidente) _________________________________________________

Dr. Ozaías Antonio Batista – Universidade Federal do Piauí – UFPI (co-orientador)

_________________________________________________

Dra. Karlla C. Araújo Sousa – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN (Membro externo)

_________________________________________________ Dr. Fagner Torres de França - PPGCS/UFRN - (Membro interno)

_________________________________________________

Dr. Rodrigo Viana Sales - Secretaria Estadual de Educação - RN - Ensino Médio (Suplente)

NATAL- RN 2020

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo.

Ao meu pai João Daniel (in memorian) e a minha mãe Francisca (in memorian) por terem sido os responsáveis pela minha existência.

A minha esposa Graça e aos meus filhos Nícolas Daniel e Natália Letícia pelo apoio incondicional em todos os momentos.

Aos meus irmãos Francisco, Luiz, Sebastião, Maria, Dasneves e Lucinha pela força que me deram ao longo deste trabalho, extensivo a todos/as familiares.

A Coordenação Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro durante os dois ANOS de curso.

A minha orientadora Doutora Ana Laudelina, por tudo e por todos os momentos em que esteve ao meu lado, com a sua paciência, sua sabedoria, sua preocupação, sua contribuição, sua lealdade, sua orientação através da leitura atenta e crítica, uma eterna gratidão.

Ao professor/co-orientador Doutor Ozaías Antonio Batista, o meu profundo agradecimento pela leitura atenta e sua contribuição ao longo da produção desta dissertação.

Aos professores que compõem a banca examinadora, Doutora Karlla C. Araújo Souza, Doutor Fagner Torres de França e Doutor Rodrigo Viana de Sales pela participação e contribuição que deram a este trabalho.

Ao Doutor Alexsandro Galeno e ao professor Doutor Orivaldo Pimentel na condição de coordenador e vice-coordenador, respectivamente, do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS-UFRN), o meu agradecimento.

Aos meus professores e professoras do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS-UFRN) e em especial, aqueles de quem fui aluno.

A todos os pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Myhtos-Logos do PPGCS/UFRN, ao qual me integrei ao longo do percurso desse mestrado.

A professora e pesquisadora Maria da Glória Bordini (PUC-RS) a quem recorri em busca de algumas informações precisas sobre Erico Verissimo.

Aos funcionários da secretaria do PPGCS, Otânio, Nicolas e Daniel, que sempre me atenderam bem naquilo que precisei.

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Aos colegas da nossa turma de mestrado pela força nos momentos de dificuldades.

A todos/as amigos/as que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

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As relações entre ciência e o poético provocaram uma virada epistêmica que ultrapassa a dicotomia entre a visão material e a visão imaginária, sendo no século XX, a obra de Gastón Bachelard um dos marcos desses deslocamentos, como sabemos, transformando a imagem da ciência e o seu funcionamento, considerando que a imaginação do cientista está eivada de elementos poéticos e até ficcionais.

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RESUMO

A presente pesquisa tem a finalidade de observar lembranças da autobiografia Solo de Clarineta do escritor brasileiro Erico Verissimo (1905-1975) buscando refletir sobre as articulações entre memória e imaginação criadora. Para dar conta da investigação, formulei a seguinte pergunta de partida: o que é possível dizer da memória autobiográfica de Erico Verissimo tendo Solo de Clarineta como balizador? Falar não do conteúdo das memórias somente, mas do modo como elas operam. Parti do pressuposto que se trata de uma poética memorial autobiográfica no sentido de que ela é um pouco ficcional pois também do imaginário poético do escritor memorialista. Quanto aos objetivos, o objetivo geral consistiu em refletir sobre as lembranças da autobiografia Solo de Clarineta buscando identificar as articulações entre memória e imaginação criadora. Como objetivos específicos, sublinhei: a) identificar em Solo de Clarineta elementos que possam visualizar Erico Verissimo em vida e obra, além de trazer alguns elementos históricos mínimos do tempo em que ele viveu e escreveu sua obra e essa autobiografia em especial; b) observar lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos oníricos, articulando memória e imaginação criadora. O referencial teórico-metodológico para pensar as memórias de Erico Verissimo enquanto poética autobiográfica se amparou principalmente nos estudos da complexidadade, na filosofia estética de Gaston Bachelard em estudos do imaginário de Jean-Jacques Wunenburger, em estudos de Psicologia Arquetípica de James Hillman, além de comentadores e estudiosos da imaginação literária, nomeadamente de minha orientadora Ana Laudelina Ferreira Gomes, meu co-orientador Ozaías Batista e da professora Karlla C. de Souza, todos com alguma vinculação ao Grupo de Pesquisa Mythos-Logos do PPGCS/UFRN, ao qual me integrei ao longo do percurso desse mestrado. Ademais, para chegar aos remates finais de um solo poético de clarineta, digo que é como Solo de Clarineta e como solo de chão que Verissimo é imaginado pelas imagens de sua autobiografia. De fato, mesmo acompanhado, o percurso de cada um na Terra é sempre solo, pois singular e com sua tônica própria. No caso de Verissimo, pelo título desse livro de memórias, sua tônica singular é musical. Isso é um pouco do que ele me ajuda a dizer através de sua poética de vida observada em suas memórias autobiográficas.

Palavras-chave: Solo de Clarineta. Erico Veríssimo. Memória Imaginativa. Autobiografia Poética. Poética Memorial.

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ABSTRACT

This research aims to observe memories from the autobiography Solo de Clarineta by the Brazillian author Erico Veríssimo (1905 - 1975), aiming to reflect upon the articulations between memory and creative imagination. In order to back up the investigation, the research formulated the following starting question: what is possible to say about Erico Verissimo’s autobiographical memory having Solo de Clarineta as a guide? To talk not only about the content of those memories, but about the way they operate. The research is based on the principle that the work is a poetic autobiographical memorial, in a sense that it is somewhat ficcional because it also comes from the memorialist author’s poetic imagery. About the objectives, the general one consists of reflecting upon the memories present in Solo de Clarineta, aiming to identify the articulations between memory and creative imagination. As specific objectives, the research highlighted: a) identify in Solo de Clarineta elements that are able to visualize Erico Veríssimo’s life and work, and also able to bring some minimal historical elements of the time when he lived and wrote his work, specially in this autobiography; b) observe Verissimo’s memories that have references to dream content, articulating memory and creative imagination. The theoretical/methodological references used to think about Erico Veríssimo’s memories as a poetic autobiography was mainly backed up by studies on complexity, Gaston Bachelard aesthetic philosophy, Jean Jacques Wunengurger’s studies of the imaginary, James Hillman’s archetypal psychology, and by commentators and scholars of the literary imagination, the study supervisor Ana Laudelina Ferreira Gomes, the co-supervisor Ozaías Batista, and professor Karla C. de Souza, all of them somehow linked to PPGCS/UFRN’s Grupo de Pesquisa Mythos-Logos, which has had the participation of the author of the research through his master’s degree journey. In addition, to arrive at the final finishing touches of a clarinet poetic solo, I say that it is like Solo de Clarineta and as a solo solo that Verissimo is imagined by the images of his autobiography. In fact, even if accompanied, each person's journey on Earth is always solo, since it is unique and with its own tonic. In the case of Verissimo, by the title of this memoir, its singular key is musical. This is a little of what he helps me to say through his poetics of life observed in his autobiographical memories.

Key-words: Solo de Clarineta. Erico Verissimo. Imaginative Memory. Poetic Autobiography. Memorial Poetic.

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LISTA DE FIGURAS

Fotografia 1 – Pais de Erico Verissimo ... 31

Fotografia 2 – Casa onde Verissimo nasceu ... 31

Fotografia 3 – Erico Verissimo na idade de 5 anos ... 32

Fotografia 4 – Fachada do Colégio Cruzeiro do Sul em Porto Alegre ... 33

Fotografia 5 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (1973) e II (1976) (1ª edição), Editora Globo ... 33

Fotografia 6 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (2005) e II (2005) (20ª edição), Editora Companhia das Letras ... 34

Fotografia 7 – Capa de Fantoches, 1932 (1ª edição) ... 35

Fotografia 8 – Capa de Incidentes em Antares, 1971 (1ª edição) ... 36

Fotografia 9 – Capa de Saga, 1940 (1ª edição) ... 37

Fotografia 10 – Capa de O continente, 1949 (1ª edição) ... 38

Fotografia 11 – Capa de O continente, 1995 (33ª edição) ... 39

Fotografia 12 – Capa de O continente, versão em espanhol, 1953 ... 40

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Sumários dos dois volumes de Solo de Clarineta ... 25 Quadro 2 – Obras publicadas de Erico Verissimo... 26 Quadro 3 – Erico Verissimo: obras traduzidas e respectivos anos de edição ... 28

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

I – SOLO DE CLARINETA NA VIDA E OBRA DE ERICO VERISSIMO ... 22

II – TEMPO E ESPAÇO NOS SONHOS DE ERICO VERISSIMO: CONSIDERAÇÕES SOBRE INFÂNCIA E CASA ... 42

2.1 A relação tempo-espaço ... 45

2.2 Tempo/infância ... 47

2.3 Recordações familiares ... 51

2.3.1 Os avós paternos ... 52

2.3.2 Os avós maternos... 53

2.3.3 Diferença entre os pais ... 54

2.3.4 Sua mãe ... 55

2.3.5 Seu pai ... 55

2.3.6 O único irmão ... 59

2.3.7 Dois tios que recorda ... 59

2.4 1922: um ano para lembrar ou para esquecer? ... 61

2.5 O encontro com Mafalda ... 62

2.6 O amor pelas crianças ... 62

2.7 O nascimento de Clarissa e Luís Fernando ... 64

2.8 A Nespereira do Japão ... 64

2.9 O gosto pela leitura ... 66

2.10 O gosto pelas artes – música, poesia, cinema ... 67

2.11 O gosto por lápis de cor ... 69

2.12 Gosto pelo circo ... 69

2.13 As amizades ... 70

2.14 Dois vizinhos ... 71

2.15 Sobre sexualidade e erotismo ... 71

2.16 As raparigas de Nazaré ... 73

2.17 Lembranças do Titanic ... 74

2.18 Casa-Sonho ... 75

III – POÉTICA (S) DA MEMÓRIA EM SOLO DE CLARINETA: DO SONHO DE SER PINTOR (NÃO REALIZADO) AO ESCRITOR CONSAGRADO ... 78

3.1 O sonho de ser pintor (não realizado) ... 79

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3.3 Primeira vez que viu o mar ... 82

3.4 O médico e amigo Eduardo Faraco ... 83

3.5 Os problemas cardiovasculares e a memória-sonho ... 84

3.6 O fascínio pelo “demônio” das viagens ... 87

3.6.1 Os viajantes imaginários ... 87

3.7 Primeira viagem a Portugal ... 88

3.8 Reflexão sobre cidades ... 92

3.9 As estações do ano ... 94

3.10 Entre a vida pessoal, acadêmica e profissional ... 96

3.11 Sobre o processo de criação romanesca ... 97

3.12 Alguns personagens de seus romances ... 101

3.13 Um escritor erótico/pornográfico? ... 102

3.14 Entre ficção e realidade ... 103

3.15 Sobre escritores/literatos ... 106

3.16 Relação livro versus mídias audiovisuais ... 106

3.17 Relação de Verissimo com a natureza ... 107

3.18 Os professores inesquecíveis do ginásio ... 108

3.19 Algumas despedidas ... 110

3.20 Despedida(s) da figura paterna ... 111

3.21 A despedida da mãe ... 113

3.22 Reflexões sobre a morte ... 114

3.23 A procura do lar perdido... 115

CONCLUSÃO - ARREMATES FINAIS DE UM SOLO POÉTICO DE CLARINETA ... 117

REFERÊNCIAS ... 123

Nota explicativa: Optei por adotar, neste texto, o nome de Erico Verissimo sem acento gráfico, no “E” de Erico e no primeiro “i” de Verissimo. Segundo a professora Maria da Glória Bordini, em e-mail recebido dia 19 abr. 2019, “Erico não usava os dois acentos. Embora a ortografia oficial diga que se pode corrigir o que foge a ela nos nomes, eu sempre respeito à vontade do escritor.

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INTRODUÇÃO

O amor, como a arte, é uma das mais legítimas formas de conhecimento.

Erico Verissimo No verão de 1998, em Natal, numa linda tarde de sol, conversava com um colega sobre os mais diversos assuntos do cotidiano. Por gostar muito de literatura e sempre andar com um livro em mãos, esse colega, que não gosta de ler, me perguntou se queria receber dele uns livros que tinha em sua casa, presenteados por seu irmão que mora no Rio de Janeiro. Logo respondi afirmativamente e, no dia seguinte, ele me entregou um pacote com seis livros. Entre eles, estava Solo de Clarineta, volume II, de Erico Verissimo.

Não obstante ter o hábito de anotar meu nome e data em todo livro que adquiro, não é mais possível lembrar quais eram os autores dos cinco livros recebidos do colega, por ter priorizado o do escritor gaúcho. Até então não tinha lido qualquer um de seus livros, apenas dados biográficos em obras que tratam da história da literatura no Brasil. Embora soubesse que ele era o escritor de “O Tempo e o Vento” e de “Olhai os Lírios do Campo”, não sabia que, junto com Jorge Amado, eram os mais populares do Brasil.

Ambas essas obras se evidenciavam em termos de popularidade, pela razão de terem sido adaptadas para a televisão: “O tempo e o vento”, na TV Excelsior, direção de Dionísio Azevedo, em 1967 e “Olhai os lírios do campo”, novela de Geraldo Vietri e Wilson Aguiar Filho, direção de Herval Rossano, TV Globo, em 1980.

Na década de 1970, o crítico literário Otto Maria Carpeaux informava que o escritor brasileiro continuava sem poder sustentar-se apenas com as atividades literárias, havendo apenas duas: Jorge Amado e Erico Verissimo (CARPEAUX, 1972). Isso tornou Verissimo, não apenas um dos mais populares escritores brasileiros de seu tempo como também um dos poucos que teve a atividade literária como principal fonte de sustento econômico.

Mesmo tendo gostado muito de ler o livro de Verissimo que me foi presenteado, a ideia de ingressar no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS-UFRN) só amadureceu em 2016, quando tentei a seleção de mestrado, com o projeto “Erico Verissimo e Solo de Clarineta: um estudo sociológico”, porém sem sucesso, tendo conseguido aprovação na seleção do ano seguinte. Como a linha de pesquisa para a qual

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entrei não orientava na linha do projeto que apresentei, a banca consultou-me sobre a possibilidade de rever a abordagem caso fosse aprovado, e concordei prontamente. O mais importante para mim era trabalhar com o livro Solo de Clarineta, somente. E fui aprovado.

De fato, para esta dissertação, do projeto inicial que entrei no Programa, resta muito pouco, somente Erico Verissimo e Solo de Clarineta. Hoje, ao olhar essa versão, penso que não tinha muito sentido o que propus àquela altura, é tanto que boa parte dos autores citados no projeto inicial saíram da lista de referências, a mudança em termos conceituais e em termos gerais foi muito positiva, ao meu ver.

Enfim, nesta dissertação, busco pesquisar uma obra de memórias autobiográficas: o livro Solo de Clarineta do escritor gaúcho Erico Verissimo.

Nascido em 17 de dezembro de 1905, na cidade de Cruz Alta, localizada na região Centro-Norte do Rio Grande do Sul, a 346 km de Porto Alegre, Erico Verissimo é o primogênito de uma família de apenas dois irmãos. Seus pais pertenciam a famílias ricas e tradicionais desse estado. Faleceu a 28 de novembro de 1975.

Verissimo é autor de uma vasta obra, aproximadamente 40 livros; entre os vários gêneros contemplados, encontram-se literatura infantil, contos, narrativas de viagem, romances e suas memórias, sendo que grande parte desses livros foi traduzida para diversos idiomas (CHAVES, 1972), como por exemplo: “inglês, espanhol, alemão, italiano, holandês, norueguês, russo, etc.” (FRESNOT, 1977, p. 1). Do gênero autobiográfico, além de Solo de Clarineta, escreveu as seguintes narrativas de viagem: “Gato preto em campo de neve” de 1941, “A volta do gato preto” de 1946, “México” de 1957 e “Israel em abril” de 1969 (CHAVES, 1972). Além de escritor, foi tradutor de várias obras, pois dominava o inglês, o francês e o espanhol.

Veríssimo afirmou ter escrito Solo de Clarineta para ter a chance de contar sua própria história, já que tantos o fizeram antes. A obra é composta de dois volumes, o primeiro foi publicado em 1973, aos 68 anos do autor, e o segundo em 1976, após seu falecimento há um mês antes de completar 70 anos. Ele deixara revisadas e impressas as primeiras 251 páginas desse segundo volume. Com o aval da família do escritor, a editora Globo organizou e transcreveu os originais restantes a fim de juntá-los ao que já estava pronto (CHAVES, 1976). Verissimo tinha planos de escrever um terceiro volume de memórias, já que pensava focar-se nas pessoas reais e personagens imaginários que marcaram a sua existência e a gênese de seus romances, mas não teve tempo, a morte chegou primeiro (VERISSIMO, 1999).

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O período quando escreveu essas suas memórias não está explicitado em qualquer momento dos dois livros. Antonio Hohlfeldt, professor e pesquisador da PUC-RS, em uma entrevista com o escritor gaúcho, no ano de 1971, chega a questioná-lo sobre isso, mas ele desvia o assunto: “acho que para fazer um trabalho sério, preciso muito tempo, e depois... francamente não ando interessado na personagem principal. A gente precisaria sangrar a gente mesmo e outras pessoas, para ser sério, e isso não está me interessando” (HOHLFELDT, 2003, p. 95). Não obstante a sua resistência a falar sobre a escrita dessa obra, dois anos após veio essa revelação, “numa carta a Autran Dourado, em 20 de julho de 1973, diz Verissimo: adoeci dum livro, desta vez de memórias” (HOHLFELDT, 2003, p. 95, grifos do autor).

Um livro de memórias, onde se escreve lembranças da infância, da adolescência e da vida adulta, que narra aquilo que o memorialista quer e consegue se lembrar. Segundo os historiadores, é menos difícil escrever acontecimentos passados do que do presente (HOBSBAWM, 2002). Contrariamente, Veríssimo adoeceu de suas memórias, muito provavelmente por não tratar-se de sua própria história, ou daquilo que ele lembrava dela e também do que suas memórias ajudavam a inventar.

O escritor narrou suas memórias especialmente nos últimos cinco anos de vida. Em carta escrita à amiga e escritora Ligia Fagundes Telles, chega a dizer que sofreu da crise da página em branco mesmo depois de ter escrito sua vasta obra, entre contos, romances e memórias.

O intelectual que escreve suas narrativas memorialísticas tem seu estilo próprio, parece não haver normas muito rígidas para esse gênero literário. Li várias e não consegui identificar uma sequer que se assemelhasse com outra. Esse tipo de escrita, apesar de se parecer com o “diário”, é bem diferente dele. O memorialista narra sua vida, geralmente no final da carreira e o diarista escreve quase todos os dias ou regularmente reportando-se a um dado dia, a exemplo do escritor maranhenreportando-se Josué Montello (1917-2006) que publicou seus diários1.

Diferente de Verissimo, que assinala em Solo de Clarineta ter se arrependido de não ter escrito um diário quando estava escrevendo sua obra mais conhecida, “O tempo e

1Membro da Academia Brasileira de Letras.Escritor de diários. Publicou-os, primeiramente, em

quatro volumes: “Diário da manhã”, “Diário da tarde”, “Diário do entardecer” e “Diário da noite iluminada”. Depois reuniu esses quatro volumes, adicionados a mais dois, em dois volumes, pela editora Nova Aguilar: no primeiro, “Diário da Manhã”, “Diário da Tarde” e do “Diário Entardecer”. No segundo, “Diário da Noite iluminada”, “Diário das minhas vigílias” e “Diário da madrugada”.

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o vento”. Assim, Verissimo escreveu sua autobiografia até novembro de 1975, ano de sua morte, quando redigia o segundo volume de memórias e já pensava em escrever um terceiro.

Um dos poucos escritores da geração de 1930 que não fez parte diretamente da Semana de Arte Moderna, Verissimo foi, segundo o crítico literário Wilson Martins (2002, p. 322), “[...] o mais popular de todos os romancistas modernos do Brasil e o mais injustiçado pela crítica”. Para Martins (2002), houve sempre por parte da crítica uma atitude de reserva em relação a Verissimo, ou até mesmo de hostilidade, por ele não viver no eixo Rio-São Paulo, de maior hegemonia intelectual no Brasil.

Um desses críticos literários era Álvaro Lins, para quem o escritor Verissimo “piorava sucessivamente de um romance para outro” (LINS, 1963, p. 221), acrescentando ainda que seu estilo era “um elemento duvidoso e irregular em toda a obra” (LINS, 1963, p. 222). Por outro lado, Verissimo é visto por Wilson Martins, como o escritor “de maiores recursos técnicos, o de maior capacidade de renovação e aquele, afinal, a quem estava reservada a missão de revigorar o romance brasileiro, situando-o, num plano universal e literário incomparável” (MARTINS, 2002, p. 322).

À parte as controversas da crítica literária especializada, trazer uma obra autobiográfica de um escritor ficcional para a pesquisa no campo das Ciências Sociais não requer, necessariamente, uma perspectiva de sociologização da obra, mesmo considerando os condicionamentos sócio-históricos de toda a escrita e de seu criador.

É importante ressaltar que esta pesquisa parte de abordagens teórico-metodológicas abrangidas pela linha de pesquisa Complexidade, Cultura e Pensamento Social, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGCS/UFRN). Uma das principais propostas dos Estudos da Complexidade é produzir conhecimento com base na religação de saberes fragmentados em disciplinas e que não conversam entre si; isso implica recusar a cisão entre as ciências e as humanidades, entre as ciências da natureza e a cultura. A reforma do pensamento que esses estudos propõem pretende “gerar intelectuais polivalentes, abertos, capazes de refletir sobre a cultura em sentido amplo” (CARVALHO, 2005, s/p.). Edgar Morin é um dos sociólogos contemporâneos mais eminentes nessa linha de pensamento. O estudioso critica a separação entre ciências e humanidades e, consequentemente, a separação/disjunção que se operou historicamente, entre dois estados do antropos, o prosaico e o poético (MORIN, 2006). Religar ou rejuntar essas duas dimensões do homem e da cultura seria um dos desafios da contemporaneidade para se chegar a um pensamento

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complexo, ou seja, de um pensamento que entrelace essas esferas de conhecimento que historicamente tornaram-se disjuntas (GOMES, 2016b).

O pensamento complexo busca conhecer melhor a condição humana e, para tal, investe no entrelaçamento da ciência com as humanidades, entre estas a literatura e sua linguagem poética, pois ela “nos leva diretamente ao caráter original da condição humana” (MORIN, 2006, p. 43). No romance, assim como no cinema, podemos acessar o que é invisível nas ciências humanas naquilo que “estas ocultam ou dissolvem os caracteres existenciais, subjetivos, afetivos do ser humano, que vive suas paixões, seus amores, seus ódios, seus envolvimentos, seus delírios, suas infelicidades [...]” (MORIN, 2006, p. 43). Ambos, romance e cinema, “põem à mostra as relações do ser humano com o outro, com a sociedade, com o mundo” (MORIN, 2006, p. 43.). Enfim, “trata-se de demonstrar que, em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana” (MORIN, 2006, p. 45).

Posso dizer que com essa proposta teórico-metodológica de religação das duas culturas (científica e das humanidades) e de outros saberes, “as ciências contemporâneas se abririam a uma reorganização da racionalidade científica incluindo modos de pensamento e lógicas antes considerados não científicos” (WUNENBURGER, 2003, p. 203).

Jean-Jacques Wunenburger, baseado principalmente em estudos de Gilbert Durand, criador da Teoria do Imaginário, explica que a história da ciência moderna tendeu a exaltar os poderes da razão vendo-os ilustrados nas produções científicas, marginalizando a imaginação e colocando o imaginário num papel negativo de obstáculo, acabando por antagonizar imaginário e racionalidade. Mas, de fato, diz o pensador, essas esferas não são antagônicas pois “a inteligentibilidade do mundo não é sem dúvida redutível a uma pura atividade de conceptualização abstrata [... e as representações científicas] não rompem fundamentalmente com as estruturas intelectuais profundas, cujas imagens são as primeiras manifestações” (WUNENBURGER, 2003, p. 265).

Ana Laudelina F. Gomes (2016a) relaciona a proposta de religação dos saberes de Edgar Morin para a reforma do pensamento a concepções de imaginário e imaginação simbólica presentes da filosofia estética de Gaston Bachelard, principalmente nas sinalizadas por Jean-Jacques Wunenburger, um dos mais importantes estudiosos e difusores das obras bachelardiana e de Gilbert Durand na atualidade. Segundo a pesquisadora, Gaston Bachelard fala-nos da complexidade do homem contemporâneo

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cindido em duas esferas de representação opostas, o conceito e a imagem, a razão e a imaginação (GOMES, 2016a) e os estudos da complexidade viriam no sentido também de enfrentar e, quiçá, superar essa cisão, através de uma nova forma de fazer ciência que dê conta desse diálogo.

Assim, minha pesquisa construiu um objeto de estudo que entrelaça saberes; no caso, as ciências sociais em dialogia com a literatura e com a filosofia. Erico Verissimo entra com seu Solo de Clarineta e Gaston Bachelard e outros teóricos do imaginário, da imagem e da imaginação, entram com a abordagem teórico-metodológica que usei para ler as imagens literárias do livro, principalmente em seu caráter de memória-imaginação ou memória imaginativa. Portanto, este estudo baseia-se numa perspectiva transdisciplinar que procura tecer em conjunto vários campos de conhecimento em torno um tema que é por natureza complexo, exigindo e justificando tal método.

Aqui não se trata de pensar memórias no plural, mas da memória no singular, pois uma faculdade humana.

A presente pesquisa tem a finalidade observar lembranças presentes na autobiografia Solo de Clarineta, de Verissimo, buscando refletir sobre as articulações entre memória e imaginação criadora, resultando na compreensão de uma memória imaginativa. Em face disso, assim formulei a pergunta de partida: o que é possível dizer da memória autobiográfica de Erico Verissimo tendo Solo de Clarineta como balizador? A intenção é falar não somente dos conteúdos memoriais, mas do modo como sua memória opera.

Quanto aos objetivos, o objetivo geral consistiu em refletir sobre as lembranças da autobiografia Solo de Clarineta buscando identificar as articulações entre memória e imaginação criadora. Como objetivos específicos, sublinhei: a) identificar em Solo de Clarineta elementos que possam mostrar Erico Verissimo em vida e obra, além de trazer passagens históricas do tempo em que ele viveu e escreveu sua obra como um todo e essa autobiografia em especial; b)observar lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos oníricos.

Além da filosofia estética de Gaston Bachelard, a pesquisa se ampara em estudos: a) da complexidade de Edgar Morin; b) do imaginário de Jean-Jacques Wunenburger; c) de Psicologia Arquetípica de James Hillman, d) de comentadores e outros estudiosos da imaginação literária, nomeadamente de minha orientadora Ana Laudelina Ferreira Gomes, meu co-orientador Ozaías Batista (UFPI) e da professora Karlla C. de Souza

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(UERN), todos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Mythos-Logos do PPGCS/UFRN, ao qual me integrei ao longo do percurso desse mestrado.

Com base na abordagem bachelardiana aberta em "A poética do devaneio" (BACHELARD, 2009) e seguida em "A poética do espaço" (BACHELARD, 2000), conhecida por abordagem fenomenológica bachelardiana, a leitura de imagens literárias implica no leitor perguntar-se o que elas lhe provocam a dizer (e não o que elas dizem), porque elas só “dizem” pela mediação de um leitor ele mesmo parte desse dizer. Essa afirmação está sustentada pelas noções bachelardianas de ressonância e repercussão (BACHELARD, 2000), as quais mostram que toda leitura de imagem poética é uma leitura daquilo que repercute e ressoa no leitor. Em síntese, nenhuma pretensão de objetividade ou objetivação é buscada, uma vez que isso não seria possível, mas é importante salientar que usar essa abordagem bachelardiana da imagem não implica em sua subjetivação absoluta (GOMES, 2016b), haja vista a comunicabilidade da imagem entre diferentes leitores, ao que Bachelard denomina por transubjetividade da imagem (BACHELARD, 2000).

Do ponto de vista teórico, sigo a esteira de Ana Laudelina F. Gomes (2016b), quem, com base em Bachelard e Wunenburger, ao trata da relação entre ciência e imaginário defende que aprender a pensar por imagens subentende usar de métodos imaginativos para a leitura de imagens, e que não é possível ler imagens com métodos puramente racionais. Apesar disso, há sempre uma pretensão de articular o racional e o imaginário, o pensamento e o sonho.

Becker (1999) lembra que na autobiografia o escritor não se preocupa em validar fatos, mas antes de tudo com o impacto emocional e dramático, com a forma e fantasia e, por fim, com a criação de um mundo simbólico e artisticamente unificado. Ao mesmo tempo, "o autor autobiográfico se propõe a explicar sua vida para nós, se comprometendo, assim, com a manutenção de uma estreita conexão entre a história que conta e aquilo que uma investigação objetiva poderia descobrir” (BECKER, 1999, p. 102). Nesse sentido, “os estudos autobiográficos consistem num tipo de investigação que visa captar, através de um relato ou narrativa, a interpretação que determinada pessoa faz do seu percurso de vida, com a sua respectiva diversidade de experiências e sentimentos pessoais que tiveram lugar ao longo do tempo” (AMADO; FERREIRA, 2013, p. 169). Meu estudo está mais próximo dessa segunda definição. A diferença é que não tive a pretensão de "analisar" as narrativas verissianas de Solo de Clarineta, mas muito mais realizar a leitura imaginativa de imagens, que é o caminho da filosofia poética bachelardiana.

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Em seu livro clássico “O pacto autobiográfico”, Philippe Lejeune diz que autobiografia é uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE, 2014, p. 16). Levando essa definição em conta e agregando a abordagem bachelardiana, busquei explorar a poeticidade dessa narrativa do escritor sobre si, ao que chamei por poética memorial autobiográfica, apresentando a imaginação poética verissimiana articulada à memória autobiográfica.

A leitura de Simone Vierne (1994) me ajudou a compreender a estreita relação entre o imaginário e o científico. Para Vierne (1994, p. 9), o imaginário “também é considerado como um dos motores da pesquisa, nas ciências que já não ousam chamar-se de ‘exatas’, chamar-se exato quer dizer ponto final, estado último e definitivo, verdade intangível”. Nessa obra ela reúne diversos autores e traz uma gama de discussões que relacionam a ciência e o imaginário.

Bachelard aparece nessa obra, segundo Vierne, mostrando que existe o caminho que relaciona o saber cientifico e o saber nascido do imaginário (VIERNE, 1994). Também para Milner (1994, p. 27), “parece haver poucas dúvidas que a maneira como essa epistemologia foi estruturada levou Bachelard a contrapor os dois modos de conhecimento, o cientifico e o poético, a ponto de fazer do segundo objeto de uma esplendida reabilitação”.

Em se tratando das artes, das visuais à literatura, costuma-se conceber que seus produtores sempre partem de uma dada realidade, de uma experiência, de uma observação e isso possibilitaria que suas obras sejam tomadas como expressões autobiográficas. Essa maneira de compreender as artes e a literatura é objeto da crítica que faz à psicanálise a qual tentaria explicar "a flor pelo estrume", tomando a imagem sempre como simulacro da realidade (GOMES, 2016b). Seguindo a trilha do método fenomenológico de Bachelard (2000; 2009), procurei fazer o contrário, sob a realidade (narrativa autobiográfica verissiana) buscar a poeticidade da imagem. Tal método não se propõe a descrever empiricamente fatos, tampouco analisar causalidades biográficas ou sócio-históricas da obra literária, o que não significa ignorar essas dimensões enquanto contextos de produção da escrita autobiográfica (GOMES, 2016b). Mas a intenção principal de meu estudo foi a de ler a poética memorial autobiográfica de Verissimo através da imaginação criadora, ou seja, ler imagens através da memória-imaginação.

Busquei deter-me na leitura de Solo de Clarineta de forma sistemática, ou seja, de início, fiz uma leitura de observação e posteriormente uma leitura imaginativa, tentando

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alcançar meus próprios devaneios poéticos de leitor a partir dos devaneios poéticos do escritor. Devaneio poético e devaneio poético de leitor (ou de leitura) são noções bachelardianas, imprescindíveis à leitura imaginativa de imagens literárias (BACHELARD, 2009).

Em síntese, tratou-se de uma pesquisa documental, que teve como campo de estudo a obra de memórias “Solo de Clarineta”, em seus dois volumes, e como principal sujeito da pesquisa, as imagens poéticas suscitadas por essa obra do escritor Erico Verissimo, já que se trata de sua autobiografia em sua dimensão poética.

Em termos de organização do estudo, esta dissertação compreende três capítulos distintos, porém articulados. No primeiro, apresento Erico Verissimo em seu tempo e sua obra.

O objetivo do segundo capítulo consistiu em identificar, a partir da leitura que fiz de Solo de Clarineta, as lembranças de infância que Verissimo narra, focando-me especialmente nos dilemas e dramas familiares por ele vividos, e na casa-sonho, outra noção bachelardiana adotada aqui (BACHELARD, 2000).

No terceiro capítulo, realizo as leituras de imagens de Solo de Clarineta, articulando as memórias de Verissimo aos espaços poéticos e de imaginação, nos termos bachelardianos. Para dar conta dessa articulação, me utilizei da leitura imaginativa que fiz dessa obra, buscando mostrar que é possível chegar a uma poética memorial autobiográfica. Assim, exponho as memórias de Verissimo, nos mais diversos e diferentes temas, procurando mobilizar as teorias que me embasei e iluminar tais lembranças/memória a partir da minha própria imaginação, como requer a noção bachelardiana de devaneio de leitura/leitor (BACHELARD, 2000).

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I – SOLO DE CLARINETA NA VIDA E OBRA DE ERICO VERISSIMO

A poética da criação literária, em Erico Verissimo, fiel a seu projeto comunicativo, não esconde seu compromisso com a existência prática dos homens, quer fazendo-lhe jus e tornando-a compreensível pela mimese, quer avaliando-a e lançando lhe luz pela racionalidade ética.

Maria da Glória Bordini Neste capítulo, apresento o escritor cruz-altense, seu tempo e sua obra, utilizando “Solo de Clarineta” como fonte primária e campo de estudo deste trabalho.

Tal como ressaltei, mesmo sem saber exatamente quando começou a escrever o primeiro volume dessas suas memórias, uma vez que em nenhum momento da narrativa isso aparece, procurei em seus comentadores algo que pudesse fornecer essa informação.

Conforme já assinalei, o primeiro volume é publicado em 1973 e, por conseguinte, começa a escrever o segundo. Uma das minhas preocupações é saber em que período de sua vida iniciou a narrativa. Não encontrei, nem no primeiro, nem no segundo volumes, qualquer trecho que mostrasse em que ano começou a escrevê-los. Porém, uma das estudiosas de sua obra, Maria da Glória Bordini, professora da PUC-RS, em seu livro “Criação literária em Erico Verissimo”, diz que constava nos cadernos de notas de Verissimo, “anotações profusas e esparsas para suas memórias, [...]” (BORDINI, 1995, p. 164). Essa pesquisadora, para escrever esse livro, uma versão de sua tese de doutorado, teve acesso a todo acervo do escritor gaúcho, inclusive aos manuscritos e originais, com autorização expressa da esposa e filhos do escritor.

Nesse trecho citado, fica claro que em 1970 Verissimo já tinha material de pesquisa para escrever suas memórias. É bom lembrar que este código era usado por Verissimo em suas anotações, conforme a referência trazida por Bordini (BORDINI, 1995, p. 291): “04a0024-70 – Caderno de notas de capa xadrez verde, com o primeiro planejamento e profusão de dados para “Solo de Clarineta”, incluindo a ideia de Dança com máscaras. Citação de Giles goat- boy de John Barth e notas sobre palavras, semântica e mito”.

Convém ressaltar que a ideia de escrever “autobiografia”, nem sempre foi um dos objetivos de Verissimo. A propósito, em 1947, disse: “Creio que nunca escreverei

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memórias pela simples razão de não ter sido uma vida novelesca nem excepcionalmente interessante” (VERISSIMO, 1999, p. 179).

Porém, em 1966, a convite da editora Aguilar, Verissimo escreve uma breve autobiografia, intitulada “O escritor diante do espelho”. Passados seis anos, muitos dos seus amigos não sabiam notícias desse texto autobiográfico. Um dia, seu editor, José Otávio Bertaso, depois de tê-lo lido, aconselhou Verissimo a publicá-lo em formato de livro (VERISSIMO, 1999). Outros amigos, escritores, tais como Fernando Sabino, Josué Guimarães, depois de terem tomado conhecimento desse texto, espantaram-se por tratar-se de uma obra desconhecida. Nas palavras de Verissimo (1999, p. 180), “a propósito dum documentário cinematográfico que pretende fazer a meu respeito, meu amigo Fernando Sabino leu “O escritor diante do espelho” e espantou-se de ver que esse ensaio praticamente estava inédito, ou melhor, era muito pouco conhecido”. O romancista Josué Guimarães tinha a mesma opinião (VERISSIMO, 1999).

Em meio a tantos apelos, foi a partir do apelo de Maurício Rosemblatt, que Veríssimo decidiu ampliar e melhorar o texto que resultou em Solo de Clarineta (VERISSIMO, 1999). Numa das passagens da entrevista, fecha um bloco dizendo: “Espero terminar o trabalho até fins do próximo agosto” (VERISSIMO, 1999, p. 180).

Assim, compreendo que, além dessa justificativa, ele aponta outra em Solo de Clarineta, em seu segundo volume: “[...] andam por aí tantas informações biográficas erradas a meu respeito, mesmo quando bem intencionadas, que me senti na obrigação e com o direito de contar eu mesmo a minha história” (VERISSIMO, 1976, p. 321).

Diante dessas informações, posso supor que Verissimo começa a escrever o primeiro volume de Solo de Clarineta em 1970 e o termina em 1973, ano que foi publicada a primeira edição.

Quanto ao segundo volume, por sua vez, foi publicado em 1976, um ano após a morte de Verissimo. Em uma carta que escreveu à escritora Lygia Fagundes Telles, em 29 de outubro de 1974, alude ao momento de escrita do segundo volume: “Continuo burro e atrasado no segundo volume de SOLO. [...] Vou voltar ao SOLO. Estou empacado em Portugal. Feitiço de Salazar? Sei lá” (CLB, 2003, p. 25). Diante disso, posso imaginar as dificuldades que ele teve ao escrever essa obra, uma vez que se arrependeu de não ter escrito um diário, precisamente quando escrevia a trilogia “O Tempo e o Vento” (VERISSIMO, 1973), Ou seja, a escrita se desenvolvia à medida em que ia trazendo elementos da memória, fatos, acontecimentos, lembranças, episódios, sonhos, entre outros que deram corpo à obra autobiográfica.

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Ainda a respeito desse segundo volume, em outra entrevista à revista Manchete, publicada em 8 de março de 1975, Verissimo fala em Solo de Clarineta:

Trabalho com método, nessas coisas sou conservador. Não costumo escrever pela manhã. Reservo essas horas para caminhar, ao lado de Mafalda. Depois das três, me sento à máquina. Nesse segundo volume de Solo de Clarineta, conto minhas andanças pelo mundo, sempre como homem livre, e me pronunciando como tal (VERISISMO, 1999, p. 206).

Verissimo, tal como escreve em Solo de Clarineta, volume II, sinaliza um dos propósitos do livro que era o de contar as suas impressões do mundo, das diversas viagens que fez, das muitas cidades e países por onde passou.

Nessa mesma entrevista, Verissimo conta que ainda pretendia escrever o terceiro volume das suas memórias, conforme suas próprias palavras: “Preciso acabar as minhas memórias. Ainda não terminei o segundo volume. E preciso escrever o terceiro, em que faço uma espécie de autoanálise, algumas confissões... sempre como homem livre” (VERISSIMO, 1999, p. 208).

Levando em conta o tempo em que Verissimo começou a escrever Solo de Clarineta, em 1970, aos 65 anos de idade, o período de tempo por ele narrado vai da origem de sua família (avós paternos) até o ano de 1965, já homem maduro, ano em que publica um de seus últimos romances, “O Senhor Embaixador”.

Importante salientar é a relação de sua narrativa autobiográfica com o tempo. Não se trata de um tempo contínuo, encadeado, com começo, meio e fim. Sua narrativa acontece mais num tempo descontínuo, de vai e vem, onde há claramente uma seleção dos conteúdos narrados em face de suas predileções.

Imagino que ele selecionou contar somente o que considerava relevante e o que seu leitor pudesse apreciar saber, porém não implica dizer que não possa ser lida e apreciada por um público leitor que não conhecesse a obra verissiana, tal como aconteceu comigo.

No quadro abaixo trago o sumário de cada um dos dois volumes de Solo de Clarineta.

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Quadro 1 – Sumários dos dois volumes de solo de clarineta

Solo de Clarineta – Volume I Solo de Clarineta – Volume II Álbum de família O arquipélago das tormentas

A primeira farmácia Sol e mel

A ameixeira-do-Japão Entra o senhor Embaixador A segunda farmácia Mundo velho sem porteira Em busca da casa e do pai perdidos Espanha

O mausoléu de mármore Holanda

O escritor e o espelho

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dois volumes de Solo de Clarineta (VERISSIMO, 1973; 1976).

No primeiro volume, o tempo por ele narrado compreende a sua infância em Cruz Alta, os três anos passados no Colégio Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre (1920-1922), o regresso à cidade natal, onde viveu momentos de muitas dificuldades financeiras e emocionais. A falência da farmácia de seu pai foi um dos motivos para ele não mais voltar à capital gaúcha, deixando de concluir o último ano do antigo ginásio (correspondente hoje ao 9º ano do Ensino Fundamental). Associado a isso, um acontecimento que marcou indelevelmente sua vida foi a separação de seus pais, o que para ele implicou num momento inesquecivelmente ruim, embora, depois disso, tenha saído em busca do lar perdido (VERISSIMO, 1973).

Ainda nesse volume, destaco os momentos, quase sempre difíceis que viveu e escreveu seus primeiros livros, de “Fantoches” à “Saga”. Com este livro, encerra-se a primeira fase de sua obra romanesca. Para Verissimo (1973), este é considerado seu pior livro. A partir da publicação do primeiro volume da trilogia “O continente”, já vivia em condições de se sustentar economicamente sem precisar trabalhar em outras ocupações que não a de seu ofício de escritor, embora em 1938, com o estouro de venda, já podia dizer que daria certo viver dos direitos autorais.

Há de se notar um dado curioso no tocante a esses dois livros. Para Verissimo (1973), “Saga” é considerado seu pior livro enquanto “O Continente” considerou como a sua obra prima.

Quanto à publicação da sua trilogia “O tempo e o vento”, Verissimo publica “O Continente” em 1949 e “O Retrato” em 1951. Porém, para publicar o terceiro e último

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volume houve um espaço de onze anos entre este e o segundo. Ou seja, “O Arquipélago” foi publicado em 1962. Essa obra foi aquela que o consagrou como escritor.

Ainda nesse primeiro volume de Solo, escreve sobre o tempo em que ficou sem conseguir escrever, pelo fato de ter passado três anos trabalhando no Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1953 a 1956 (VERISSIMO, 1973).

No segundo volume, começa a narrar a chegada a Porto Alegre depois dos três anos em Washington (trabalhando como diretor de Assuntos Culturais da OEA), e em especial o casamento da sua filha Clarissa com um físico norte-americano. Conta de outros momentos de dificuldades, como quando sofre seu primeiro enfarte, em 1961, aos 56 anos (VERISSIMO, 1976). Nesse período, foi impossível continuar a escrita do terceiro volume da trilogia, “O Arquipélago”. Além disso, muitos outros fatores o impediram de fechar o ciclo da trilogia, o que levou um longo período, mais de dez anos, conforme diz: “Em março de 1962 pinguei o ponto final em “O Arquipélago”, remeti imediatamente os originais ao meu editor e concluí que merecia umas férias mediterrâneas” (VERISSIMO, 1976, p. 39).

No quadro abaixo listo as obras publicadas do autor, segundo o gênero e o ano da 1ª edição.

Quadro 2 – Obras publicadas de Erico Verissimo

Gênero literário Título/ano da 1ª edição

Romance  Clarissa (1933)

 Caminhos cruzados (1935)

 Música ao longe (1936)

 Um lugar ao sol (1936)

 Olhai os lírios do campo (1938)

 Saga (1940)

 O resto é silêncio (1943)

 O Continente, 2 volumes (1949)

 O Retrato, 2 volumes (1951)

 O Arquipélago 3 volumes: (vol. I e II, 1961 – vol. III, 1962)  O Senhor Embaixador (1965)  O Prisioneiro (1967)  Incidentes em Antares (1971) Conto  Fantoches (1932) Novela  Noite (1954)

Narrativa de viagem  Gato preto em campo de neve (1941)

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 México (1957)

 Israel em abril (1969)

Literatura infanto-juvenil  A vida de Joana d’Arc (1935)

 As aventuras do avião vermelho (1936)

 Os três porquinhos pobres (1936)

 Rosa Maria no castelo encantado (1936)

 Meu ABC (1936)

 As aventuras de Tibicuera (1937)

 O urso com música na barriga (1938)

 A vida do elefante Basílio (1939)

 Outra vez os três porquinhos (1939)

 Viagem à aurora do mundo (1939)

 Aventuras no mundo da higiene (1939)

 Gente e bichos (1956)

Artigos e crônicas  Reflexões sobre o romanceiro (1937)

 O romance de um romance (1944)

 Sol, mar e samba (1945)

 Entre Deus e o Pobre Diabo (1946)

 Viagem a Arizona (1946)

 Língua e caráter (1947)

 Acendamos nossos tocos de velas (1959)

 Minhas lembranças de Aldous Huxley (1963)

 Um escritor diante do espelho (1966)

 Autocrítica de Erico Verissimo (1966)

 Os caminhos cruzados de Porto Alegre (1967)

 Quando eu era bancário (1975)

 Em primeira mão, um Erico quase esquecido (1987)

Ensaio  Brazilian Literature – an Outline

2(1945)

 Rio Grande do Sul (1973)

Biografia  Um certo Henrique Bertaso (1972)

Autobiografia  Solo de Clarineta (vol. I, 1973 – vol. II, 1976).

 O escritor diante do espelho (1966) Fonte: Elaborado pelo autor3, a partir de dados extraídos de Cadernos de Literatura brasileira, Instituto Moreira Sales, 2003.

2Único livro escrito por Verissimo em língua estrangeira. Com tradução de Maria da Glória

Bordini, foi publicado pela Editora Globo, intitulado Breve história da literatura brasileira (VERISSIMO, 1995).

3 Para listar as obras, além de Solo de Clarineta, levei em conta duas fontes: “O contador de

história”, livro organizado por Flávio Loureiro Chaves (1972), com a participação de vários colaboradores, publicado em 1972 e Cadernos de Literatura Brasileira, publicação organizada pelo Instituto Moreira Sales (2003).

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Como já disse, Verissimo escreveu em quase todos os gêneros literários, exceto poesia. Notabilizou-se como romancista, publicando treze romances, ou seja, aproximadamente 1/3 de sua produção. Foi nesse gênero, notadamente, que ficou conhecido no Brasil e no mundo (CHAVES, 1972).

Conforme já assinalei, além de Solo de Clarineta, Verissimo escreveu apenas um livro autobiográfico, intitulado “O escritor diante do espelho” (VERISSIMO, 1967). Porém, também escreveu biografia, “Um certo Henrique Bertaso”, seu único livro nesse gênero. De fato, ao ler esse livro, me deparei com relatos de convivência e amizade que teve com seu editor, Henrique Bertaso, vinculado à editora Globo em Porto Alegre. Conforme ele mesmo diz: “Mas afinal de contas estou tentando escrever minhas lembranças de Henrique Bertaso e não uma autobiografia” (VERISSIMO, 1996a, p. 11).

Verissimo, um dos escritores mais populares do Brasil, ao lado de Jorge Amado, teve sua obra traduzida para dezesseis idiomas, conforme mostrarei no quadro a seguir.

Quadro 3 – Erico Verissimo: obras traduzidas e respectivos anos de edição

Língua Títulos

Alemão  Das Bildnis des Rodrigo Cambará

[Um certo capitão Rodrigo] (1955)

 Die Zeitund der Wind [O tempo e o vento] (1956)

 Nacht [Noite] (1956)

 Mexiko (1958)

 SeineExzellenz der Botschafter [O senhor embaixador] (1967)

 Die LilienaufdemFelde [Olhai os lírios do campo] (1974)

Espanhol  Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os

lírios do campo] (1940)

 Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os lírios do campo] (1944)

 Caminos Cruzados [Caminhos cruzados] (1944)

 Mirad los Liriosdel Campo [Olhai os lírios do campo] (1947)

 Lo Demás Es Silencio [O resto é silêncio] (1945)

 Saga (1946)

 Musica a los Lejos [Música ao longe] (1946)

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 El Gato Preto em la Nieve [Gato preto em campo de neve] (1947)

 Clarissa (1947)

 Los Argonautas [A volta do gato preto] (1949)

 Noche [Noite] (1957)

 El Tiempo y elViento [O tempo e o vento] (1953)

 México (1959)

 El Prisionero [O prisioneiro] (1971)

 Incidente en Antares (1975)

 El Señor Embajador [O senhor embaixador] (1984)

Finlandês  AntaresinValtiaat [Incidente em

Antares] (1980)

Francês  Le Temps et leVent [O tempo e o

vento] (1955)

 L’Inconnu [Noite] (1955)

 Le Temps et le Vent (1996)

 Le Portrait de Rodrigo Cambará [O retrato] (1997)

Holandês  De Tijd em de Wind [O tempo e o

vento] (sd)

Húngaro  A Többi NémaCsend [O resto é

silêncio] (1967)

Indonésio  Ketika Hati HarusMemilih [Olhai os

lírios do campo] (1990)

Inglês  Crossroads [Caminho cruzados]

(1943)

 The Rest Is Silence [O resto é silêncio] (1946)

 Consider the Lilies of the Field [Olhai os lírios do campo] (1946)

 Time and the Wind [O tempo e o vento] (1951)

 Mexico (1960)

 Night [Noite] (1956)

 His Excellency the Ambassador [O senhor embaixador] (1967)

Italiano  Il Resto ÈSilenzio [O resto é silêncio] (1949)

 Tempo Senza Volto [O tempo e o vento] (1953)

 Messico [México] (1964)

Japonês  No no Yuri wo Miyo [Olhai os lírios do

campo] (1996)

 Harukanaru Shirabe [Música ao longe] (1999)

Norueguês  Natt [Noite] (sd)

Polonês  Incidentla Antares [Incidente em

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Romeno  Incidentla Antares [Incidente em Antares] (1975)

 Domnul Ambasador [O senhor embaixador] (1981)

 Um anume Cãpitan Rodrigo [Um certo campitão Rodrigo] (1993)

 Ana Terra (1993)

 Razboiul [O continente I] (1994)

 Teiniaguá – Frumosa Luzia [O continente II] (1994)

 Roza Vânturilor [O retrato I] (2000)

 Chantecler [O retrato II] (2001)

 Úmbria Îngerului [O retrato III] (2001)

 Incidentla Antares [Incidente em Antares] (2002)

Russo  O senhor embaixador (1969)

Sueco  [Enxerto de O retrato] In Fran Urskog

Till Megastad (Da mata virgem à metrópole; trata-se de uma coletânea de textos de autores brasileiros) (1994)

Tcheco  Incident v Anterasu [Incidente em

Antares] (1977)

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados extraídos de Cadernos de Literatura Brasileira, Instituto Moreira Sales, 2003.

Como já disse, Verissimo escreveu em quase todos os gêneros literários, exceto poesia. Notabilizou-se como romancista, publicando treze romances, ou seja, aproximadamente 1/3 de sua produção. Foi nesse gênero, notadamente, que ficou conhecido no Brasil e no mundo (CHAVES, 1972).

Conforme já assinalei, além de Solo de Clarineta, Verissimo escreveu apenas um livro autobiográfico, intitulado “O escritor diante do espelho” (VERISSIMO, 1967). Porém, também escreveu biografia, “Um certo Henrique Bertaso”, seu único livro nesse gênero. De fato, ao ler esse livro, me deparei com relatos de convivência e amizade que teve com seu editor, Henrique Bertaso, vinculado à editora Globo em Porto Alegre. Conforme ele mesmo disse: “Mas afinal de contas estou tentando escrever minhas lembranças de Henrique Bertaso e não uma autobiografia” (VERISSIMO, 1996, p. 11).

Verissimo, um dos escritores mais populares do Brasil, ao lado de Jorge Amado, teve sua obra traduzida para dezesseis idiomas, conforme mostrarei no quadro a seguir.

Em suma, neste capítulo procurei identificar em Solo de Clarineta elementos que possam situar Verissimo em relação à sua vida e obra.

Abaixo, apresento fotografias de Verissimo e sua família, colégio onde estudou e capas de seus livros.

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Fotografia 1 – Pais de Erico Verissimo

Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 2003.

Fotografia 2 - Casa onde Verissimo nasceu

Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 2003.

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Fotografia 3 – Erico Verissimo na idade de 4 anos

Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira, Erico Verissimo, Instituto Moreira Sales, n. 16. nov. 2003.

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Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019.

Fotografia 5 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (1973) e II (1976) (1ª edição) Editora Globo

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Fotografia 6 – Capas de Solo de Clarineta, volume I (2005) e II (2005) (20ª edição), Editora Companhia das Letras

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Fotografia 7 – Capa de Fantoches, 1932 (1ª edição)

(38)

Fotografia 8 – Capa de Incidentes em Antares, 1971 (1ª edição)

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Fotografia 9 – Capa de Saga, 1940 (1ª edição)

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Fotografia 10 – Capa de O continente, 1949 (1ª edição)

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Fotografia 11 – Capa de O continente, 1995 (33ª edição)

(42)

Fotografia 12 – Capa de O continente, versão em espanhol, 1953.

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Fotografia 13 – Capa de Brazilian Literature – na Outline, 1945.

Fonte: Imagens da Internet. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 14 abr. 2019

Todas essas fotografias, tanto dos pais de Verissimo, da casa onde nasceu, dele com 4 anos de idade e capas de livros, levam-me a ler, não apenas fisicamente, mas de modo imaginativo, ou seja, com a memória imaginativa, as lembranças de Verissimo em Solo de Clarineta. Isso para apresentar, no próximo capítulo, as lembranças do tempo e sonho de Verissimo na infância, através da leitura imaginativa.

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II – TEMPO E ESPAÇO NOS SONHOS DE ERICO VERISSIMO: CONSIDERAÇÕES SOBRE INFÂNCIA E CASA

A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.

Gabriel Garcia Márquez

Neste capítulo, me aproprio de ideias e noções de pensadores do imaginário, tais como Gaston Bachelard, James Hillman, Jean-Jacques Wunenburger e alguns de seus comentadores, os quais me dão suporte teórico que me permite realizar uma leitura imaginativa da poética memorial autobiográfica de Solo de Clarineta.

O objetivo deste capítulo é identificar, a partir da leitura que fiz de Solo de Clarineta, as lembranças que Verissimo narra de sua infância, focando especialmente nos dilemas e dramas familiares por ele vividos, e a casa sonho, noção bachelardiana da qual falarei logo mais.

Gaston Bachelard, filósofo e ensaísta francês, é um dos autores que me ajuda a compreender as memórias-sonho de Verissimo, a partir da leitura de imagens que procurei fazer, precisamente do que propõe nos seus livros “A poética do espaço” (2000), “A poética do devaneio” (2009) e “Fragmentos de uma poética do fogo” (1990), livros que contemplam sua fenomenologia da imaginação.

James Hillman é um psicoterapeuta analítico norte-americano, que teve como base os estudos de Carl Jung, com quem estudou e sucedeu na direção do Instituto Zurique, na Suíça, durante uma década. Fundador da abordagem de estudos da cultura contemporânea denominada Psicologia Arquetípica, baseada no pressuposto da base poética da mente, das imagens arquetípicas, e da personificação mítica do imaginário (HILLMAN, 1995). Desse autor, proponho demonstrar como a imaginação criadora (poética) funda a memória, como a imaginação criadora ligada ao desejo, à personificação de um mito pessoal cria os percursos, escolhe a modulação. Nesse sentido, Hillman me faz pensar a ideia de que nós nos construímos como personagens míticos. É desse modo que pretendo dizer desse personagem mítico que Erico Verissimo construiu em Solo de Clarineta, além das categorias de análise que eu identifico nessa autobiografia.

Jean-Jacques Wunenburger é um filósofo francês contemporâneo, discípulo de Gaston Bachelard e de Gilbert Durand, uma das grandes autoridades atuais nos estudos

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do imaginário. Especialista em Filosofia das Imagens, sua obra busca uma aproximação com a antropologia para analisar símbolos e mitos nas suas relações com o racionalismo no mundo contemporâneo. Desse pensador, busco compreender o imaginário em sua dimensão simbólica (GOMES, 2016a), uma vez que é através da leitura imaginativa de imagens que medito Solo de Clarineta.

Gomes (2016a) defende que uma proposta de religação dos saberes, tal como propugnada por Edgar Morin (2006), pode ser pensada também com base na obra de Gaston Bachelard, e que ela está centrada na compreensão do imaginário em sua dimensão criadora (em oposição a uma dimensão meramente reprodutora). Mas o que isso significa exatamente? Significa que as imagens capazes de suscitar estados poéticos nos leitores, de fazê-los imaginar, ao serem lidas e trazidas para o campo acadêmico, não devem ser reduzidas à mera ilustração de conceitos e teorias científicas, uma vez que não podem ser entendidas numa perspectiva mimética, pois são criadoras de novas realidades, são instauradoras de inventividades (GOMES, 2013). Ou seja, o imaginário remete ao onírico, ao sonho, à imaginação. Buscar acessar a imaginação que dinamiza um imaginário seria o maior sentido da leitura imaginativa de imagens (GOMES, 2016a)

Assim, observo as lembranças de Verissimo que remetem a conteúdos oníricos, articulando-as com narrativas de imaginação. O próprio Veríssimo demonstra consciência dessa possibilidade em seu primeiro volume, ao alertar o leitor que “não esperem que estas memórias formem um documento histórico [...]. São apenas uma história particular — uma história em tom de quase romance”. 4Esse trecho me traz à memória o romance

de Carlos Heitor Cony intitulado “Quase Memória, Quase Romance” pois, como diz o autor, nele, “além da linguagem, os personagens reais e irreais se misturam, improvavelmente, e, para piorar, alguns deles com os próprios nomes do registro civil. Uns e outros são fictícios” (CONY, 1995, p. 7). Em todo livro, Cony mescla narrativas memoriais com ficção, ou seja, narra fatos de sua vida real (memórias de infância) com a poética romanesca autobiográfica.

E se memória para Bachelard (2000) está intimamente relacionada com sua noção de espacialidade onírica, como trabalhar com as imagens do espaço onírico nessa abordagem? Como nos ensina Gomes (2013), no bachelardianismo não devemos encarar a imagem literária como um objeto, tampouco como um substituto de um objeto, mas

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buscar dialogar com sua realidade específica, pois ela é um produto da consciência criadora do escritor em articulação ao devaneio poético do leitor.

Em face disso, Bachelard (2000) nos apresenta seu método de leitura de imagens pelas imagens, podendo ser entendido também como leitura imaginativa de imagens (GOMES, 2013). Método por ele designado por fenomenológico, mas num sentido muito próprio, que pretende superar a descrição aderindo à função do habitar o espaço onírico do devaneio poético (GOMES, 2016a), procurando responder como o escritor habita seu espaço onírico vital, através das imagens literárias que cria.

A princípio, com base nesses referenciais e nas leituras que fiz de Solo de Clarineta, já tenho condições de dizer que muitas de suas imagens literárias remetem à casa onírica e à infância onírica, noções bachelardianas que serão dois focos narrativos importantes em minhas leituras imaginativas da poética memorial de Érico Veríssimo nessa obra. No entanto, tenho clareza que outros centros de imagens aparecerão trazendo a necessidade de voltar a novas leituras, tanto da obra bachelardiana quanto da narrativa verissiana em foco. Fiz com que ambas se nutram mutuamente ao longo da pesquisa.

No caso específico deste estudo, busco ler a imaginação que brota das lembranças do escritor Erico Verissimo em Solo de Clarineta, discutindo como essas lembranças podem ser lidas como imagens poéticas, tornando possível distinguir tanto os aspectos factuais como os oníricos (de sonho). A esse sonho do escritor, nessa obra de memórias, estou denominando de poética memorial autobiográfica, justamente por se tratar de memórias que são estudadas especialmente em sua dimensão de sonho, de onirismo, de imaginação, de inventividade, qualidades não exclusivas da escrita literária, mas também da escrita autobiográfica, principalmente em se tratando de memórias de um escritor de ficção.

Esse é nosso pressuposto teórico de pesquisa, ou hipótese de trabalho. Partimos também da ideia assegurada por Wunenburger (2007), segundo a qual, mais do que ferramentas para traduzir conceitos e teorias, as imagens são instrumentos de sensibilização estética do mundo e de seus criadores e leitores, sendo capazes de promover mudanças e reorganizações de comportamentos individuais e coletivos, sendo que, através delas, os sujeitos são capazes de se reinventar.

Nesse sentido, para Hilmann (1995), as imagens são avaliadas numa perspectiva não de contribuições individuais, mas enquanto acontecimentos coletivos. Ainda para ele, uma imagem não pode ser compreendida simplesmente por aquilo que ela mostra, é preciso ir além, e perceber a “imaginação” que essa imagem desperta.

Referências

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