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9 a Quinta da princesa é um bairro

4.11. Entrevista C3 — Jacquelina

observações

Jacquelina veio com sete anos para Portugal e é estudante (preferindo não falar sobre o seu trabalho) pelo que as questões relativas ao trabalho não se puderam colocar. É muito reservada nas respostas que dá.

Perfil sumário

Jacquelina tem 17 anos e é natural do Tarrafal, ilha de Santiago. Com apenas sete anos veio viver para Portugal. É solteira e vive na Quinta da Princesa,12 na Cruz de Pau com os pais e com a irmã.

É estudante, frequentando o 11.º ano de um curso profissional de secretariado. É teste- munha de Jeová e tem reuniões (encontros) três vezes por semana, actividade por que manifesta grande interesse.

Não se interessa nem acompanha a política em Portugal. Não pertence a qualquer grupo desportivo.

a história de Jacquelina

Portugal foi o primeiro destino imigratório de Jacquelina e a decisão de imigrar foi do seu pai. A mãe não concordava com a decisão do marido e considerava que podiam ter uma vida boa em Cabo Verde, mas acabou por aceitar a sua decisão. O pai veio primeiro, cinco anos depois a mãe veio ter com ele, e Jacquelina e a irmã ficaram em Cabo Verde com a avó e com uma irmã de criação, que a mãe tinha criado.

Dois, três anos depois de a mãe vir, quando os pais já tinham 12 a Quinta da princesa é um bairro

da cruz de pau (margem sul do tejo) maioritariamente habitado por indivíduos originários dos palop.

conseguido comprar casa, Jacquelina veio com a irmã. Jacquelina chegou a Portugal, de avião, em Setembro de 2001 (tem algumas dúvidas quanto ao dia exacto), ou seja, há sete anos atrás, com a idade de dez anos.

A ideia que tinha de Portugal era a que a televisão e as novelas lhe transmitiam, imaginava que Portugal tinha casas maravilhosas. Quando chegou sentiu diferenças: as estradas alca- troadas, o tempo que os portugueses passam a trabalhar: “Mas lá não é assim, porque nós

não precisamos de trabalhar, por exemplo, com outros…não sei explicar, porque…Cabo Verde vive muito da agricultura, o que nós trabalhamos, por exemplo, dois meses…e o que conseguimos nesses dois meses dá para o ano todo. É por isso que muitas pessoas quando vêm aqui, não gostam muito de Portugal, porque aqui…é para trabalhar”.

Quando o pai de Jacquelina veio para Portugal ele não tinha ninguém que o apoiasse, mas mais tarde começaram a vir mais familiares (nomeadamente o tio) e ele pôde contar com mais apoio. A avó, mãe do pai, vinha para Portugal alguns dias a seguir à entrevista (o avô faleceu e ela sentia -se muito sozinha em Cabo Verde), e na ilha só ficou a irmã de criação e o seu marido, que aparentemente já tinham estado em Portugal.

Jacquelina sente -se integrada na sociedade portuguesa e nunca se sentiu discriminada. O aspecto em que refere ter mais dificuldade é a língua.

Gosta de dançar danças cabo -verdianas e de música cabo -verdiana, kizomba e kuduro, mas prefere as músicas americanas.

Em termos de culinária, em sua casa confeccionam -se pratos portugueses e cabo -verdianos: Cachupa, feijão. Não pertence a qualquer grupo que integre exclusivamente cabo -verdianos e tem amigos portugueses.

Voltou a Cabo Verde apenas uma vez, em 2006. Gostou de encontrar os amigos e, no dia do regresso, não queria voltar. Achou a ilha diferente: “‘Tá diferente, ‘tá um bocadinho

Para comunicar com os familiares distantes, usa essencialmente o telefone, utiliza pouco a internet e poucas pessoas têm email.

Em termos de tempos livres sai com os amigos, vai ao cinema e participa em convívios. A relação com os portugueses é boa. Os portugueses são pessoas menos comunicativas, e que dão grande importância ao trabalho e aos bens materiais. Não sabe como eles a vêem. A relação com os portugueses não tem sofrido alterações.

Recorda o passado com saudade. A nível escolar, em Cabo Verde a carga horária era menor, com dez anos já ajudava nas tarefas da casa. Em Portugal é tudo mais desenvolvido, há mais ofertas de diversão. Cabo Verde não parece ser central na sua identidade: “Cabo Verde foi onde eu nasci. Mas não passa muito disso”. Os símbolos não são importantes. Diz que conhece a bandeira, mas que nunca ouviu o hino. A recordação do país não é importante para superar dificuldades. Em termos de projectos futuros quer ficar a trabalhar em Portugal ou ir para França. Não sente que a imigração a tenha transformado, enquanto pessoa. Sente -se mais cabo -verdiana, que portuguesa.

afirmações mais significativas

[…] Não. Não tem a ver com o eu ser religiosa. [O que é que a sua religião diz sobre as questões políticas? Diz alguma coisa? Não favorece muito?] Não é que não favoreça, somos límpidos porque…nós achamos que o governo humano não é essencial para os nossos problemas…por isso, eu não vou dizer que gosto mais de um partido do que o outro… porque…você com certeza pode acreditar que pode mudar o país, mas eu penso que, nas questões de, por exemplo, acabar com a morte, com os problemas a níveis mundiais, como por exemplo, a doença…eu penso que os políticos não são capazes de fazer isso. A paz é o que nós procuramos.

[…] A ideia que eu tinha de Portugal era aquilo que eu via nas novelas e na televisão. Por exemplo, na novela…as casa são maravilhosas, então eu imaginava que Portugal era assim! [Tinha uma ideia baseada nas novelas que via, uma imagem idealizada.]

[…] [Principais dificuldades] Na língua. [Em que aspecto?] Conseguir falar melhor… falo português com algumas dificuldades. Tem a ver com, por exemplo, a ligação dos verbos, trocar os artigos (ela/ele)…não dá para adaptar a palavra a “ela” e “ele”. Sou eu mesma que acho isto [os outros não criticam].

[…] Uma vez, em 2006. ‘Tá diferente, ‘tá um bocadinho diferente. [Ilha de Santiago, região do Tarrafal] Mudou, ‘tá um bocadinho mais evoluído [risos] [E como é que foi a sensação?] Felicidade, foi reencontrar os amigos…[Não sente pena de ter saído de Cabo Verde] Mas, por exemplo, quando estava quase no dia de voltar, eu não queria voltar! [risos] Queria ficar lá mais um bocadinho…[Quanto tempo mais?] Mais um mês! [risos]. […] Lembro ‑me um bocadinho. Era um bocadinho diferente. Eu ‘tava a estudar lá. Mesmo a nível escolar era diferente, lá não tem tanta carga horária, é mais leve. As pessoas com 10 anos já trabalhavam em casa. Por exemplo, eu com 10 anos já limpava a casa, ajudava a fazer o jantar, essas coisas.

[…] Cabo Verde foi onde eu nasci. Mas não passa muito disso.

4.12. Entrevista C4 — M

Perfil sumário

M pediu que o seu nome não fosse revelado, pelo que a denominaremos de M. M tem 37 anos e é natural de Santa Catarina, no interior da ilha de Santiago. É casada e reside em Loures com o marido e com os três filhos, uma rapariga de quinze anos e dois rapazes com 14 e 18 anos.

É empregada doméstica, trabalhando em casas particulares, numa empresa e fazendo a limpeza de um prédio. É católica, e, tal como em Cabo Verde, vai à missa sempre que tem possibilidade. Não se interessa por política, mas tem um partido em Cabo Verde. Não pertence a qualquer grupo desportivo. Estudou até ao 6.º ano em Cabo Verde.

a história de M

Portugal foi o primeiro destino imigratório de M, e a decisão de imigrar foi do seu marido. M estava satisfeita com a vida em Cabo Verde, mas aceitou o projecto do marido. Em Cabo Verde não havia trabalho e, em 1999, o marido veio para Portugal (antes já tinha estado na Suiça). Mais tarde, em 2002, ela decidiu vir: “Eu não tinha muita vontade,

mas teve que ser”.

Em Cabo Verde trabalhava em contabilidade, e considera que ganhava bem: “Temos lá

casa nossa. Temos o nosso terreno e trabalhamos nele”.

M chegou a Portugal em 18 de Fevereiro de 2002. Vieram para cá por causa da língua, da maior facilidade em arranjar os documentos e dos portugueses tratarem melhor os imigrantes.

Chegou com o marido, mais tarde vieram os filhos e, posteriormente, a sogra. Quando chegou o marido morava nas Galinheiras, depois dos filhos nascerem conseguiram comprar uma casa. A família que cá estava — cunhados — apoiou o casal e a cunhada ajudou -a a arranjar trabalho. Chegou a Portugal de avião, com um visto turístico. Com a ajuda da cunhada não demorou muito tempo a arranjar trabalho e com o tempo, foi arranjando mais trabalhos (mais horas em casas de patroas). Trabalha aproximadamente onze horas diárias. De manhã, trabalha numa empresa das seis às nove horas da manhã. Em seguida, trabalha cinco horas na limpeza de um prédio e depois vai mais três horas, três horas e meia para uma patroa. Trabalha mais horas do que trabalhava em Cabo Verde. Por vezes sente preconceito por parte dos portugueses, e diz que alguns a tratam mal. A situação profissional melhorou em relação à que tinha, na medida em que começou a ganhar mais. Em Portugal trabalhou sempre nas limpezas. O dinheiro enviado para Cabo Verde é aplicado na compra de um terreno (já compraram) e na construção de uma casa. A imigração não originou uma mudança de papéis. Ocasionalmente o marido e os filhos ajudam na limpeza da casa. O seu cansaço torna essa ajuda necessária, como M explica: “O que ajudou foi

Quando chegou a Portugal M chorou muito. Todos saíam para o trabalho e ela ficava sozinha em casa, o que não era habitual em Cabo Verde. Considera que actualmente estão integrados. Em termos de hábitos culturais ouve a música de Cabo Verde e dança. Assiste à RTP -África, mas o tempo é pouco e o cansaço é muito, pelo que adormece.

Os amigos da família são fundamentalmente cabo -verdianos, mas tem alguns amigos portugueses. Gostaria de trazer a mãe de Cabo Verde, mas ela não quer vir.

Foi a Cabo Verde em 2005 e, foi nessa altura, que reviu os filhos que tinham ficado na ilha: “Fui no ano de 2005. Quando cheguei a Cabo Verde chorei tanto ao ver os meus filhos…

era uma coisa que eu chorei tanto! Achei Cabo Verde diferente. Há grandes construções”.

Comunica com os familiares em Cabo Verde por telefone. Há muito tempo que não escreve, mas no Natal envia postais.

Em termos de tempos livres gosta de ouvir música, mornas, batuque, de dançar funaná e de passear em centros comerciais.

As suas actividades de tempos livres não são condicionadas pela nacionalidade.

A relação com os portugueses é boa, tem algumas dificuldades com algumas pessoas, mas ultrapassa -as. Considera os portugueses bons, mas mais fechados. Está satisfeita com o projecto, na medida em que o marido está satisfeito: “Estou satisfeita, pelo meu marido.

Também por causa do marido, se fosse hoje voltaria a tomar a mesma decisão”.

Recorda o passado com muita saudade. Entre os acontecimentos/situações que a marcaram incluem -se a seca, o trabalho e o espaço da ilha (grande).

Sente que é importante ser cabo -verdiana quando está a trabalhar. Quando escuta o hino fica comovida, e a bandeira é importante. Recordar o país ajuda a superar dificuldades. Quando os filhos organizarem a vida deles, pensa regressar a Cabo Verde.

Com o dinheiro ganho compraram um terreno (em Cabo Verde) e uma casa (em Loures). M não tenciona imigrar para nenhum outro país. Considera que a situação em Portugal está difícil para os filhos. Sente que com a imigração se tornou mais feliz (decerto em resultado de estar junto ao marido e aos filhos).

M sente -se um bocadinho portuguesa e um bocadinho cabo -verdiana, e refere que a aqui- sição da nacionalidade portuguesa teria como objectivo imigrar para outro país: “Hum… Só me torno portuguesa para poder sair para outro país. Sinto -me um bocadinho de cada”.

afirmações mais significativas

[…] Viemos de Cabo Verde para cá. Primeiro veio o meu marido, depois decidi vir para cá também. Eu não tinha muita vontade, mas teve que ser. Ele veio em 1999, porque não havia lá trabalho. Eu vim em 2002.

[…] Eu gostava de tudo lá, se não fosse o meu marido…Eu estava contente com tudo, com o que ganhava, vivia ao pé da minha mãe. Temos sempre expectativas, vimos para ficarmos melhor. E mudou para melhor, a nível económico.

[…] De manhã trabalho das 6h às 9 h, numa empresa em Lisboa, depois faço 5 horas, estou até às 3 h aqui e depois ainda vou para patroa, saio às 6h/6.30h e depois vou para casa. (total de mais ou menos onze horas). São muitas horas, mas com 3 filhos tem que ser.Trabalho mais horas do que em Cabo Verde.

[…] Antes de vir chorei muito! Porque cheguei cá, saíam todos para o trabalho e ficava sozinha em casa. Não estava acostumada. Chorei muito, mas agora está…Conseguimos comprar uma casa, os filhos andam na escola e portanto estamos integrados, mas acho que vamos voltar.

[…] Às vezes há seca, porque não chove. O trabalho lá. Gosto da ilha como espaço, tem coisas muito boas…Nunca tinha saído da ilha, ela é grande…

[…] Hum…Só me torno portuguesa para poder sair para outro país. Sinto ‑me um boca‑ dinho de cada.