• Nenhum resultado encontrado

9 a Quinta da princesa é um bairro

4.24. Entrevista U8 — Maria

Perfil sumário

Hamulevych Maria tem 53 anos e nasceu em Sepetouca na Ucrânia. É viúva (Maria diz que é casada mas, de facto, o marido faleceu há quinze anos atrás e tem um namorado) e tem dois filhos (e dois netos). A filha tem 32 anos, é casada e vive na Ucrânia e o filho de 27 anos vive com Maria em Santo António da Caparica. Trabalha como cozinheira num restaurante na Costa da Caparica. Recebe o ordenado mínimo nacional (450 euros mensais). Tem religião ortodoxa e não se interessa por política. Tem o curso de professora do 1.º ciclo.

a história de Maria

Portugal foi o primeiro destino de imigração. Na Ucrânia trabalhava como professora de crianças. Apesar de ganhar muito menos do que em Portugal (200 euros), gostava do seu trabalho e nunca pensara sair do país. Sentia -se feliz.

Veio para Portugal porque era mais barato obter o visto de turismo (apesar de tudo fala em 1500 euros, decerto referindo -se também ao valor da viagem). Chegou no dia 6 de Janeiro (dia do Natal ortodoxo). Emigrou porque na Ucrânia não havia trabalho. Maria explica: “Eu nunca pensei (imigrar)…numa semana chamaram ‑me e eu fui ‑me embora.

Eu nunca pensei, nunca, nunca”, decerto referindo -se às “agências de viagens” ucranianas,

como fica mais claro, num outro ponto da entrevista. Esperava ganhar mais dinheiro e ter possibilidade de ajudar a filha. Veio sozinha para Portugal com o objectivo de ficar um ano (acabou por ter que reformular essa data de regresso) e só mais tarde (um ano mais tarde) veio o seu filho (durante o tempo em que a mãe esteve em Portugal o filho ficou com a irmã). Foi a amiga e cunhada que a incentivou a vir. Quando chegou começou por viver em casa de uma amiga (que entretanto imigrou para Espanha) no bairro da Serafina (em Monsanto) e agora vive numa casa arrendada em Santo António da Caparica (que pertence à sua patroa). Contou com a ajuda da amiga e da patroa que a ajuda a aprender o português. Não tem outros familiares em Portugal para além do filho. Veio de autocarro (Maria utiliza a palavra “carro”) com mais umas trinta pessoas.

Demorou uma semana a arranjar trabalho. O trabalho na cozinha do restaurante é difícil e exige força. Maria vai sonhando com as férias e por vezes pensa em mudar de emprego mas sabe que não é fácil: “Há médicos a trabalhar nas obras”. Trabalha oito horas por dia todos os dias (com folgas que não especifica quantos dias por semana). Não sente preconceito no local de trabalho e refere que as pessoas são simpáticas. Não pode comparar o actual trabalho com outros porque este foi o seu primeiro trabalho.

Com o dinheiro que ganha ajuda a filha (envia habitualmente cem euros mas envia mais se ela precisar). Comprou uma vivenda na Ucrânia na qual está a fazer obras.

Sente -se integrada na sociedade portuguesa. Lê um jornal ucraniano, assiste aos canais russos e ucranianos A culinária é uma mistura de pratos dos dois países. Não pertence a nenhum grupo que apenas inclua ucranianos mas tem amigos ucranianos (Maria refere que na Costa da Caparica existem muitos ucranianos) e também portugueses (de resto, o seu namorado é português).

Gostaria que lhe saísse o EuroMilhões e por isso joga todas as semanas. Todos os anos viaja até à Ucrânia em Outubro, na altura das suas férias mas este ano esteve lá em Julho, altura em que a mãe esteve doente (vindo a falecer). Comunica com as pessoas na Ucrânia por telefone, preferindo telefonar ao Domingo em que as chamadas são mais baratas. Em termos de tempos livres limpa a casa, vai à praia, vai à igreja, já foi ao Algarve. A relação com os portugueses é boa. Gosta dos portugueses e considera que há portugueses tristes e outros alegres, bons e maus, não os considerando diferentes dos ucranianos. Não sente preconceito no trabalho.

Sente -se satisfeita com o projecto migratório e se fosse hoje voltaria a tomar a mesma decisão. Recorda que foi muito feliz na Ucrânia. Recorda acontecimentos da sua vida pessoal como a morte do marido quando tinha quarenta anos, o casamento da filha, a ida do filho para a tropa. A Ucrânia não é central na sua identidade. Os símbolos não têm importância mas em situações de competição desportiva torce pelas equipas ucranianas. Recordar a Ucrânia deixa -a triste e traz -lhe insónias. Refere a falta que lhe fazem a neve e o frio: “São

25 graus negativos no aeroporto, e pronto…”. Tenciona regressar à Ucrânia com o namo-

rado. O dinheiro ganho é aplicado na casa da Ucrânia e a ajudar a filha, guardando um pouco no banco. Não tenciona imigrar para outro país: “Com autorização de residência só

posso trabalhar aqui”. Não sabe se Portugal constitui um espaço de oportunidade para o

filho, mas refere que ele gosta de viver em Portugal e que tem uma namorada portuguesa. Maria refere que se transformou em resultado da imigração, na forma de falar e de se comportar. Pensa que mudou para melhor e refere que na Ucrânia o seu cabelo era branco com as preocupações. Sente -se ucraniana.

afirmações mais significativas

[…] Vim de carro. Viemos aí umas trinta pessoas, foi uma firma…Vim para Portugal assim. Pronto, uma grande firma…Inscrevi ‑me, paguei para vir, sim paguei para vir, mas

sem emprego nem nada, eu nem sabia falar. A firma era ucraniana. É complicado, você saber que…pagou tudo…depois saiu ‑me para vir para Portugal. Havia mais países para ir, Espanha, Itália…e Madrid, todo o género. Eu decidi vir para Portugal. Escolhi…Tu pagas e escolhes…Escolhi só Portugal…porque para Itália tu pagas isto… [conforme o país assim é a quantia], para Portugal tu pagas isto [em conversa com Maria soube que Portugal era o país para o qual pagavam menos]

[…] Aqui trabalho muito. O trabalho é muito forte. Tudo gente boa. Há médicos a tra‑ balhar nas obras. Queria procurar outra coisa, mas…é um trabalho de força, é pesado, há problemas na coluna…

[…] Entre amigos falo o ucraniano, com portugueses falo o português, é como as máqui‑ nas, ligo uma e depois ligo a outra.

[…] Aqui toda a gente me chama de Dona Maria ou Senhora Maria… Eu escrevia cartas à minha mãe e dizia que era tudo muito bonito, não há frio, há sempre flores, fruta. […] Penso voltar para a Ucrânia. Vamos para a Ucrânia, depois para Portugal. Era para irmos em Outubro os dois [Maria e o namorado], mas fui sozinha por causa da morte da minha mãe. Queria ver neve, o frio. São 25 graus negativos no aeroporto, e pronto…