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9 a Quinta da princesa é um bairro

4.17. Entrevista U1 — Vera

Perfil sumário

Vera tem 44 anos e é natural da Rússia, Moscovo, apesar de ter nacionalidade ucraniana, que pediu pelo facto de o marido ser ucraniano. O marido e os filhos falam russo e ucra- niano, mas Vera não consegue falar ucraniano.

É casada e vive em Lisboa sozinha. Os dois filhos vivem na Ucrânia, em Kiev, e, no momento da entrevista, o marido tinha partido havia pouco tempo para Espanha, em busca de um melhor ordenado.

Faz limpezas num bar, ganhando 670 euros mensais, mais horas extraordinárias. Na Rússia tirou um curso de professora de crianças. Tem religião ortodoxa, mas não é praticante. Para Vera a sua religião não é diferente de outras, nomeadamente da católica, gostando de ir a Fátima apreciar as igrejas. Não se interessa por política, em Portugal: “Não me

interesso…A minha política: minhas filhas, meu marido, meu gato…”.

a história de Vera

Antes de imigrar para Portugal, Vera viveu dois meses na Polónia e três anos na República Checa. Neste último país, a documentação que tinha permitia -lhe usufruir dos privilégios dos nacionais. Não aponta nenhuma razão específica para ter escolhido como destino imigratório Portugal, em detrimento de outros países, mas refere que a motivação foi de

ordem económica — conseguir uma vida melhor. Conseguiam viver com o dinheiro que ganhavam, mas era difícil pagar a universidade dos filhos.

Na Rússia, tinha exercido a profissão de professora de crianças, na sequência lógica do curso que tinha tirado. Na Ucrânia, a vida estava muito difícil, apesar de, de acordo com Vera, na capital se viver melhor do que no resto do país.

Vera chegou a Portugal, de avião, no dia 13 de Junho de 2001, com um visto de turismo de três meses, estando em Portugal, no momento da entrevista, há aproximadamente sete anos. A decisão de imigrar foi do marido, que emigrou por influência de um amigo que estava em Portugal. Vera ficou em Kiev com os filhos e, aproximadamente meio ano mais tarde, veio ter com o marido, sozinha, tendo deixado os filhos de 10 e 13 anos, em Kiev, entregues ao cuidado da avó, mãe de Vera. Na decisão não contaram com o apoio de ninguém, nem dos próprios filhos que nunca chegaram a vir para Portugal nem pretendem fazê -lo.

Vive numa casa arrendada, em Lisboa, na zona da Alameda. A primeira casa em Portugal situava -se na zona de Alverca, e era partilhada por Vera e pelo marido e por um amigo do marido e pela sua namorada. Posteriormente, os dois casais arrendaram uma outra casa em Lisboa. Quando a mulher do outro casal faleceu, o homem ficou a viver com Vera e com o marido, mas depois esse amigo partiu para Espanha (tendo agora o marido de Vera ido ter com ele). Vera e o marido contaram sempre com o apoio do casal e de outras pessoas. Vera arranjou trabalho com grande facilidade. Uma vez que o marido já estava em Portugal há sete meses, tinha casa e trabalho e, neste contexto, no seu terceiro dia em Portugal, começou a trabalhar. O seu primeiro trabalho foi num colégio em Benfica. Nesse colégio não quiseram torná -la efectiva, e foi para o desemprego. Em seguida fez limpezas em casas, depois trabalhou seis meses no Hospital da Força Aérea e depois foi de novo para o desemprego. Conseguiu, então, o emprego no bar.

O trabalho actual de limpeza no bar é muito duro, mas Vera diz que está habituada a trabalhos duros. Trabalha oito horas por dia, dispondo de uma hora para almoço. Não sente preconceito no local de trabalho, nem sentiu em qualquer dos trabalhos anteriores. Com o dinheiro que ganha consegue ajudar a mãe (e supõe -se que tal ajuda inclua ajudar os filhos).

A imigração teve consequências a nível da divisão de papéis em casa. Na Ucrânia, quando os filhos eram pequenos, era Vera quem se encarregava das tarefas domésticas. Mas em Portugal, o casal divide as tarefas e Vera chama uma pessoa para fazer as limpezas maiores, porque chega cansada para o fazer.

Sente -se integrada, mas a utilização da palavra “agora” indicia que nem sempre assim foi. Vera aprecia cinema russo, música clássica (não trouxe os seus CD para Portugal e sente falta deles) e literatura. Não integra grupos que só incluam ucranianos, tem amigas portuguesas e uma russa. Não tem nenhuma amiga ucraniana. Gostaria de comprar casa e que o marido venha viver com ela, referindo que esta foi a última vez que ele saiu. Em termos de viagens à Ucrânia não foi em 2007 mas pretendia ir em 2008. No total, fez três viagens à Ucrânia. Comunica com a família duas vezes por semana, por telefone, não tendo internet em casa. Em termos de actividades de tempos livres, gosta de sair com as amigas ao fim -de -semana. Compram garrafas de vinho e cantam. Fazem festas grandes. Gosta de ler e de ouvir música. A relação com os portugueses é boa e Vera considera que, em termos gerais, os portugue- ses têm bom coração e que a ajudaram muito. Considera os portugueses diferentes dos ucranianos em várias dimensões. Refere diferenças na forma de vestir (na Ucrânia existem regras sobre a forma como as pessoas se devem vestir no local de trabalho). Os portugueses sujam mais as ruas e não têm cuidado com a porcaria que os cães deixam nas ruas. Em

Lisboa, as pedras da calçada dificultam caminhar de saltos altos. Referencia, ainda, a cor mais clara dos ucranianos, as mulheres portuguesas que usam cabelos mais compridos, os olhos castanhos dos portugueses.

Vera está satisfeita com o seu projecto imigratório e, se fosse hoje, voltaria a tomar a mesma decisão. Os símbolos (bandeira e hino) são importantes. No seu trabalho tem a bandeira da Ucrânia e na Ucrânia a família tem a bandeira de Portugal. Vera está habituada à vida em Portugal e não tenciona regressar à Ucrânia.

Quando vieram, pretendiam ficar um ano, mas acabaram por gostar, e o projecto de regresso dissipou -se.

Vera não tenciona imigrar para outro país. Gostaria que os filhos viessem para Portugal e arranjassem cá emprego. Um deles licenciou -se em “Organização do Trabalho” e é gerente (“manager”) e o outro está a terminar a “Universidade Internacional”, considerando Vera que poderia trabalhar no aeroporto ou na embaixada.

Vera sente que não se transformou enquanto pessoa, em resultado da imigração, apesar de estar mais triste por estar longe do marido e dos filhos. Sente -se russa: “Sou russa.

De dentro, sou russa. Do coração”.

afirmações mais significativas

[…] Primeiro nós chegámos para ganhar mais. Aqui ‘tou melhor, meu coração está melhor. Por exemplo, para mim não interessa como te vestes, queres vestir calças, queres saia… mas na minha terra não podes ir para o trabalho com calças…Depende dos trabalhos. Vestidos a direito, blusão branco, bege ou cor cinza mas não calças, só saias.

[…] O casal. Ajudámo ‑nos uns aos outros. Graças a Deus, trabalhei sempre com pessoas muito boas. Tenho sorte para pessoas, para amigos. Muito boas pessoas, muito boas. Quando cheguei não sabia dizer nada, só “bom dia”. E ajudaram ‑me muito.

[…] Agora, para mim…também tenho saudade, da Primavera…nós temos neve e temos flores…Eu gosto de cá, sinto bem cá. Tenho saudades. Mas quero ficar cá. Na Ucrânia há mais regras, mais proibições…

[…] Como tenho coragem, vou sair com as minhas amigas, cantar. Não é todos os fins‑ ‑de ‑semana, mas conseguimos ir. Compramos garrafas de vinho e vamos jantar e sair. Fazemos festas grandes…

[…] Na minha terra somos mais clarinhos…[risos]. A cor das pessoas, os olhos casta‑ nhos, o cabelo das mulheres…nós cortamos mais o cabelo. Todas [as portuguesas] têm os cabelos compridos.