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3.4 Estratégias Metodológicas

3.4.2 Entrevista narrativa

3.4.2.1 Entrevistas Realizadas

3.4.2.1.2 Entrevista com Diego

A segunda Entrevista Narrativa foi realizada com Diego29 no dia 26 de maio

de 2017. Assim como na primeira entrevista, o direcionamento inicial foi o mesmo: “Conte-me sobre sua história de vida”. Começa dizendo que desde pequeno foi “danado”. 28 Estas narrativas melhor esmiuçadas nos referidos tópicos sobre trajetória de envolvimento com o tráfico e conflitos territoriais.

29 Diego é o nome fictício de P. L., 17 anos. O jovem ao ser perguntado, em uma conversa anterior à realização dessa entrevista, qual nome gostaria que lhe fosse atribuído, respondeu, em um primeiro momento, o seu apelido “Caus”. Logo no início dessa entrevista, no entanto, sinaliza que quer mudar o nome para Diego, porque sempre que fazia “algo de errado” e sua mãe brigava, ele dizia que não tinha sido ele quem tinha feito, mas “meu amigo Diego”. Na verdade, não existia nenhum amigo com o nome Diego.

90 “Comecei a sair de casa aos nove anos. Foi quando comecei a desandar. Comecei a me desligar, a não querer mais nada […]. Aí até hoje. Depois que eu fiquei maior é que eu percebi que deveria mudar”. A sua narrativa é bem sucinta em relação a esse primeiro direcionamento da Entrevista Narrativa.

Em seguida, buscou-se esmiuçar alguns trechos da sua fala inicial. Questionou-se, então, utilizando as palavras usadas por ele, “como foi ter desandado aos nove anos?” “Quando eu comecei a andar na praça, a fumar, a ver pessoas falando sobre roubar, essas coisas […]. Comecei a usar maconha porque queria, aos nove anos também. As outras [referindo-se ao pó] quando eu tinha 16 anos”. Pergunto, novamente, “como foi esse desandar?” Diego responde: “Depois que meu avô faleceu eu não tava nem vendo, só queria viver o agora. Aí comecei fazer muita besteira; a não respeitar minha mãe, minha avó. E quando levei muito tapa na cara percebi que o mundo não é assim”.

Diego afirma que o “tapa na cara” que levou diz respeito à primeira vez que foi preso, referindo-se agora, o decorrer do cumprimento da medida socioeducativa de meio aberto. “Tu também falou que fez muita besteira na vida”. Nesse momento, Diego interrompeu, antes que concluísse a pergunta com a explanação “como foi?” O jovem dispara:

No momento que tava (sic) fazendo achava divertido, emocionante, mas depois que acontece, que descobre que tudo tem volta, é f*. Tem muita coisa que acontece que achava que nunca ia voltar […] Como eu já vi um amigo meu morrendo […] Nós tava (sic) na praça, na época, na época que não tinha controle na praça. Tava tendo briga interna. Um amigo meu vendia drogas lá. Aí chegaram uns caras lá. […] Por troco, mandaram matar um cara lá, aí acaba acontecendo isso aí, chegaram uns caras com arma. Teve troca de tiro e meu amigo chegou falecendo lá. Aconteceu lá pra 2015, 2011, 2012, por aí (Diego, 26 maio 2017).

Quando pergunto como está a praça, a qual ele mencionou em seu relato, hoje em dia, Diego é categórico: “Tá tranquila, como tem esses comandos, né? Tá mais tranquilo. Não afeta os cantos que eu ando, só lá dentro da favela mesmo. Continuo frequentando [a praça]”. Também fala que começou a sair após o falecimento do seu avô, quando tinha por volta de nove anos. E diz que, nessa época, “acabei virando um delinquente, sob a análise de todo mundo”. Indago “como foi viver isso que tu chama de delinquente?”

Fiquei mais agressivo. Foi triste, triste assim, né? Também eu via que tava (sic) presente na minha família, mas não estava dando bola. Acontecia tudo e eu nunca tava (sic) presente nas coisas da minha família. Tava no canto, mas não curtia[…] Tava (sic) mais violento, mais respondão. não respeitava ninguém,

91 até o pessoal do prédio percebeu que eu tava (sic) perturbado. Já desci com a arma do meu pai pra apontar na cabeça de um menino que tava me xingando. Dava pra ter matado um cara, mas não aconteceu, eu espero[…] Eu brigava no meio da rua, chegava em casa todo ensanguentado, tava (sic) nem vendo. Foi na época que fiquei mais revoltado. (Diego, 26 maio. 2017).

Interrogou se tiveram outros acontecimentos em que Diego foi posto nesse papel [o de delinquente]. O jovem, então, me conta uma situação referente à compra de drogas com um amigo, na qual resolveram adentrar o território vizinho (2000) para realizar a compra e os conflitos que se sucederam entre “PK e 2000”30.

Também se sobressai em sua narrativa alguns acontecimentos referentes às abordagens de policiais, aspectos que serão trazidos mais detalhadamente nos resultados da dissertação. A pesquisadora prosseguiu estimulando mais narrativas sobre a sua história de vida. Então Diego relata algumas atividades de lazer que gosta de fazer em seu tempo livre e, também, diz, sucintamente, perspectivas para o futuro.

O skate […] até hoje quando quero relaxar, tô (sic) estressado, é o que me conforta, me deixa livre. Ou quando vou surfar com os meus amigos. É o que eu mais gosto de fazer. Meus amigos são minha segunda família […] Também gosto de olhar para o céu, ler um livro […] Quero ser simples, ter uma casa perto do mar, porque também gosto muito do mar [fala olhando para a minha tatuagem, sorri] […] Ter uma casa, perto do mar. Uma prancha, um skate, ter uma moto ou um carro para andar por aí. E ter dinheiro para comprar o necessário. E poder viajar, quero viajar muito (Diego, 26 maio 2017).

Ainda na tentativa de estimular mais narrativas sobre si, pergunto-o como Diego falaria de si mesmo para outra pessoa. “Um cara legal, talvez um pouco estranho. Não sei ficar quieto não”. Menciona como foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), por volta dos 10 anos de idade, portanto, na mesma época do falecimento do seu avô.

Me (sic) vejo estranho. Já fiz consulta, tenho déficit de atenção. Se me deixar num canto fico viajando horas e horas. Já cheguei a ir no médico […] eu tenho realmente déficit de atenção […]. Minha professora percebeu[na época] que eu não prestava atenção […]. Eu não consigo estar concentrado somente em uma coisa. Muita coisa que eu faço é estranha. Quando alguém me pede para fazer uma coisa, eu faço. Fica uma m*, porque eu fico pensando em outra coisa […]. O diagnóstico foi emitido em 2009 – 2010, ele [o médico] me recomendou a leitura para melhorar a atenção. Também sou hiperativo, não paro quieto. Ele disse que era déficit de atenção e hiperatividade […]. Na época me (sic) deram um remédio e eu não me dei bem […] dormia muito. Minha mãe que parou [o remédio], porque ela percebia que eu tinha um sono muito grande. Eu não fazia nada (Diego, 26 maio 2017).

Contou também sobre o seu envolvimento com o tráfico de drogas e diz que, hoje em dia, não está mais “envolvido”, apenas continua comprando para uso próprio e, 30 Fato detalhado no referido capítulo teórico-analítico acerca dos conflitos territoriais.

92 por conta disso, o “cara [dono da boca] não achou ruim não quando eu decidi sair”. Falou também que não tem problema em “acessar outros espaços. Qualquer canto que eu quiser ir, eu vou. Um bom malandro sempre sabe chegar em um lugar e sair”.

Apesar de não estar mais “associado à firma”, continua ajudando financeiramente e mantendo muitos amigos “de lá”. “Meus amigos são minha segunda família”, relembrando, também, a época em que eles “chegaram junto” quando sua mãe teve câncer, ano passado. “Eu me lembro que na época eu fiquei muito assustado, porque achei que ia perder outra pessoa da minha família, não tinha superado o meu avô […]. Por isso que gosto muito dos meus amigos, eles chegaram junto nessa época. É amor eterno”. A pesquisadora perguntou se o jovem tem algo mais que gostaria de dizer, sua resposta foi negativa e assim finalizou-se, então, a entrevista.

A segunda entrevista narrativa realizada com Diego aconteceu no dia 13 de Julho 2017. Assim como a primeira, ocorreu em uma sala de apoio da Diretoria de Promoção de Direitos Humanos (DPDH) do CUCA. A narrativa expressa ganha contornos em torno do seu envolvimento com o tráfico de drogas e as relações de amizade e, também, de desconfiança que estabeleceu nesse “mundo do crime”. Contou que, por tem convivido pouco com o seu pai durante a sua infância, desenvolveu mais esse lado “rebelde”, que culminou na figura do “delinquente”, nomeado pelo próprio jovem e já relatado em sua primeira entrevista narrativa.

Novamente, o que se sobressai são relatos de envolvimento na trajetória do tráfico de drogas, destacando as relações de amizade/ desconfiança que construiu ao longo do seu período de envolvimento, assim como a sensação de iminência de morte, após presenciar alguns amigos serem executados em conflitos entre facções, inclusive em uma pracinha perto de sua casa.

Disse que o “poder de arma sobe muito na cabeça da pessoa”, minuciando acontecimentos em que teve essa sensação e dispara: “espero nunca ter matado ninguém, mas nunca se sabe e eu (sic) não vou ficar lá pra (sic) ver […]. Só se sabe quem é a pessoa de verdade quando se dá poder a ela”.

Mencionou que, quando “o cara vê o dinheiro pensa que pode tudo”, citando que, uma vez, comprou até um policial, oferecendo R$ 200,00 ao agente que o encontrou com 25 gramas de maconha em sua bolsa quando estava na rodoviária indo viajar com os amigos. Relatou “como foi pego” e o motivo de cumprir a medida de meio aberto, assim

93 como a sua experiência no setor o qual executa as atividades, narrativas a serem destacadas no referido tópico de trajetórias de cumprimento das medidas socioeducativas pelos jovens participantes da pesquisa.

O esporte para o jovem, especificamente a prática do skate, foi o motivo dele ter se “aquietado” mais. Associou a intensificação da prática com o fato de ter passado a usar menos [drogas] e passado a fazer menos “alguma coisa e tal”, referindo-se ao seu envolvimento com a venda de drogas ilícitas.

Ao ser questionado sobre suas perspectivas de futuro, o jovem relatou que pretende trabalhar em algo que o possibilite viajar. “Fotografia é bom porque os cara (sic) viaja e eu quero viajar muito […]. Eu vou vender minhas artes na praia (risos). […] Daqui pra (sic) lá eu vou tá (sic) mais na linha”. Pretende também comprar uma moto Harley Davidson e “deixar uma coisa boa para os meus filhos”, tomando como exemplo o seu avô, que deixou “tudo de bom pra (sic) gente”. Além disso, diz ter vontade de montar uma loja de produtos esportivos, especialmente, peças para skate.

Ao final da entrevista, momento em que resgato e procuro pormenorizar alguns pontos de sua fala, questiono o que seria posto por ele como estratégia para Diego lidar com tantos acontecimentos em sua trajetória de vida. O jovem, então, diz que seus amigos, àqueles que estiveram ao longo de toda essa caminhada, desde sua infância, que o deixa “sossegado”. Estar com eles, pelo que Diego transparece em sua narrativa, significa o ponto de apoio e resistência em sua trajetória.

Complementa dizendo que tem planos de alugar um kitnet e dividir com os amigos que compõe a “firma” junto com ele, “ali pelas bandas da Gentilândia”, já sinalizando um movimento de afastamento do que nomeia de “envolvimento”. “A gente tá tentando passar essas coisas para outra pessoa”.

Por fim, quando pergunto mais fatos relativos a sua trajetória, Diego fala que “ultimamente é só coisa pesada mesmo”, contando-me que um amigo foi atropelado andando de bicicleta e outro capotou o carro, participando de um racha. “Eu tô (sic) sem saber o que fazer ultimamente. Eu tô (sic) perdido”. Mas, ao final, conclui: “Eu só tenho 17 anos, tenho tanta coisa para viver. Vou viver muito”.