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Juventude como problema social: Juventude de risco ou Juventude em risco?

2.3 Discussão dos Resultados

2.3.2 Juventude como problema social: Juventude de risco ou Juventude em risco?

Os resultados da revisão de literatura também apontam uma associação entre juventude e risco, em diversas produções científicas nacionais, como exposto acima, de modo a demandar uma problematização mais detalhada acerca desta associação, que naturaliza análises dos ditos “fatores de risco” presentes nos jovens autores de atos infracionais.

O dispositivo da segurança como instrumento técnico essencial adotado na governamentalidade neoliberal opera por uma relação entre a Lei e o legal, tendo atravessamentos de um conjunto de técnicas psicológicas, médicas e policiais no âmbito do diagnóstico e da vigilância. Os ditos mecanismos de segurança atuam articulados com a manutenção da lei e da ordem, no neoliberalismo norte-americano. Por meio do refinamento de técnicas e procedimentos variados, cria-se um sistema que proporciona a inserção do crime e da punição em um cálculo que analisa o custo à sociedade decorrente de determinadas maneiras de punir adotadas. Os dispositivos de punição, portanto, são analisados a partir de uma perspectiva econômica e política, em termos de prejuízos, danos e gastos (FOUCAULT, 2008).

Visando eliminar o perigo da circulação no espaço e do próprio consumo na cidade, são destinados uma série de custos em relação ao endurecimento ou moderação das penas, para que sejam operatórias do funcionamento social, em uma economia neoliberal. Trata-se de uma estatística do crime e as repercussões em uma economia geral do poder, na qual o risco da reincidência e o custo de compensação reeducativa são calculados (FOUCAULT, 2008).

A gestão da vida, proposta por uma sociedade disciplinar, desloca-se para a gestão dos riscos, realizada por mecanismos biopolíticos. O controle social estabelecido por meio da gestão dos riscos frente aos segmentos populacionais demarca a formação emergente da modernidade tardia, como aponta Spink (2001). No que diz respeito ao segmento juvenil em condições de pobreza, associada como equivalente a marca do perigo, ações preventivas são traçadas como estratégia de governamentalidade. Uma série de intervenções marcadas pela integração ao modelo de desenvolvimento considerado ideal são traçadas em políticas e programas de assistência social direcionados ao segmento infantojuvenil (HILLESHEIM; CRUZ, 2009).

Como aponta Lemos et al. (2015, p. 335):

Nessa sociedade, ocorre de forma cada vez mais intensiva a governamentalização de uma série de situações, tais como: a organização dos espaços, da mobilidade, dos acessos, das pontes, aeroportos, estradas, ferrovias, sinalizações, empreendimentos imobiliários, turismo de negócios e cultural, intercâmbio de conhecimento comercializado, vendas de objetos e alimentos, conexão de bairros e lazer, higiene urbana e social, segurança no trânsito entre trabalho e residência, circulação de bens e de capital, cidade patrimônio e empresa.

O dispositivo da segurança legitima processos de higienização da cidade, da população e de corpos individuais em uma economia política do controle que atua em defesa da sociedade. Dessa maneira, tensões, disputas e desvios, mesmo que mínimos, são rapidamente capturados em uma rede judiciária e judicializante. Neste sentido, a sensação de insegurança é a força motriz para o exercício de controles policiais (FOUCAULT, 2008).

As políticas de assistência social, em nome da proteção, da assistência e da inclusão, operam, então, a partir de práticas de controle destinadas à juventude considerada em vulnerabilidade social. Em nome da proteção e do cuidado, categorias fabricadas socialmente, realiza-se o governo de condutas juvenis. Governa-se em prol da segurança social, reiterando e reivindicando discursos de moralização, culpabilização, patologização e criminalização de juventudes que não se enquadram no dito normal. A proteção constitui-se, então, como mecanismo de saneamento social, nos quais certas juventudes vão sendo enquadradas em

modos melhores de existência, apresentando como parâmetro uma estrutura econômica e modelos sociais já estabelecidos (NASCIMENTO; COIMBRA, 2015).

A situação de risco na infância e juventude, então, diz respeito à probabilidade de desenvolvimento de comportamentos considerados indesejáveis, “desviantes”. Minimizar riscos pressupõe, então, práticas preventivas que possam antecipar o surgimento de tais comportamentos. As intervenções, em um primeiro momento, são pensadas a partir dos fatores de risco e correlações estatísticas, de modo a construir o sujeito concreto de intervenção, por meio de combinações sistemáticas dos ditos “fatores de risco”. Prevenir indica, então, vigiar e estabelecer a gestão de populações juvenis consideradas “portadoras do risco” (HILLESHEIM; CRUZ, 2009).

Pensar a operacionalização das medidas socioeducativas implica pensá-las articuladas com os dispositivos de segurança, uma vez que uma série de procedimentos institucionais são aplicados com fins de vigilância e controle dos “corpos desviantes”. Toda uma rede judiciária é acionada, a qual proporciona a análise da gravidade do ato infracional cometido e o cálculo do custo que a medida socioeducativa adotada terá à sociedade, decorrente de determinadas maneiras de responsabilização (que mais perpassam o âmbito da punição) adotadas. Os dispositivos de punição, portanto, são analisados a partir de uma perspectiva econômica e política, em termos de prejuízos, danos e gastos.

Entre os efeitos dessa sociedade de segurança, temos: a intensificação do recrudescimento penal, o aumento da população carcerária e dos sujeitos à disposição da justiça criminal, por meio das penas alternativas para pequenos desvios sociais, de pagamentos de multas e punições em meio aberto com o uso de coleiras eletrônicas, prestação de serviços comunitários, a chamada justiça restaurativa e ampliação do papel do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal (LEMOS et al., 2015, p. 336).

Neste sentido, a gerência dos riscos, por meio de aplicação de penas, capilariza-se para incidir sobre os mínimos desvios, através, inclusive, de normas sociais e penas de baixo custo, como multas e realização de trabalhos na comunidade. A ideia de antecipar os riscos para neutralizar o perigo nos remete, então a questão: Quem está sendo verdadeiramente protegido? O jovem? O controle social? (HILLESHEIM; CRUZ, 2009; LEMOS et al., 2014).

A infração juvenil na contemporaneidade, como fenômeno social historicamente construído e consolidado, é comumente anunciada através da focalização de disfunções e desvios presentes neste segmento, concepção legitimada por saberes científicos (saberes médico – psicológico, por exemplo), os ditos “especialismos” (FOUCAULT, 1975). Portanto, a preocupação social evidencia-se em torno dos “desajustes” presentes no desenvolvimento e as

“falhas” em relação aos papéis adultos tradicionalmente exercidos, sendo construída uma concepção de jovem que oferece riscos para si próprios e para a sociedade (ABRAMO, 1997).

A gestão de riscos adentra as políticas públicas na área da infância e juventude como modo estratégico de defesa social, demarcando o acontecimento risco como um acontecimento adverso que, em termos preditivos, deve ser mensurado e gerido, evitando-se problemas futuros. Essa lógica, incidindo em jovens que cumprem medida socioeducativa de meio aberto, possibilita a coadunação da Norma e práticas legais, exercendo o controle destes segmentos juvenis no que diz respeito ao agravamento do ato infracional cometido.

Como aponta Huning (2007) o jovem é exposto a um duplo risco: por um lado expressa sua condição de vulnerabilidade, por não apresentar condições consideradas adequadas para o seu devido desenvolvimento; por outro lado, é subjetivado como “ameaça em potencial” aos modos de vida hegemônicos. Afirma-se um processo de individualização dos riscos, em que o sujeito torna-se seu próprio carrasco, tanto em relação à condição de vulnerabilidade como na condição de ameaça que corporifica (HILLESHEIM; CRUZ, 2009; LEMOS et al., 2014).