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A pesquisa ocorreu no Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA) da Barra do Ceará. A inserção no espaço em questão ocorreu através da pesquisa guarda-chuva anteriormente explicitada, que teve como incidência territorial inicial (2015-2016) a Barra do Ceará.

Tecendo sucintas considerações acerca do território no qual a pesquisadora se inseriu – Barra do Ceará, é interessante salientar que o bairro é um lugar histórico de Fortaleza, reconhecido como o Marco Zero da cidade. Até a década de 1960 caracterizou-se como uma zona portuária, concentrando um rico comércio em seus entornos. Com o desinvestimento comercial provenientes de interesses e incentivos do governo e de grupos que detinham o poder econômico na época, além do deslocamento político e residencial para outras

áreas da cidade, a Barra do Ceará passou a apresentar uma estagnação no desenvolvimento local, passando a concentrar alarmantes índices de pobreza, falta de saneamento básico e consolidação de um tráfico de drogas organizado.

A Barra do Ceará localiza-se na Secretaria Executiva Regional I (SER I)22 e, junto

aos demais bairros que compõem a regional, é apontado pelo Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza (2011) como um bairro que possui alta vulnerabilidade social, com problemas sociais como ausência de equipamentos sociais (públicos e comunitários), problemas de habitação irregular, desemprego, uso abusivo de álcool e outras drogas. O documento em questão também salienta a falta de investimentos em serviços e equipamentos públicos, contraste em relação à região leste da cidade de Fortaleza (Beira Mar). Apesar disso, há amplo capital social acumulado proveniente de movimentos sociais urbanos e da existência de programas e projetos governamentais ou não governamentais (FORTALEZA, 2011).

O Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza (2011) também aponta a Barra do Ceará como um bairro de grande extensão territorial e populacional (81.104 habitantes), com rendimento médio mensal de quase quatro salários-mínimos. O bairro evidenciava-se em relação aos demais, por registrar o maior número das cinco ocorrências criminais, a destacar: relações conflituosas, furtos, roubos, mortes violentas (dentre os quais os homicídios) e lesão corporal na série histórica analisada (2007-2009). Ocupa a primeira posição da SER I em números absolutos de relações conflituosas ao registrar 787 conflitos em 2009, concentrando 20,1% das ocorrências da Regional (3.914 no total). No que diz respeito aos furtos, também ocupou o primeiro lugar na Regional I, com 603 ocorrências. Este número representa 17,3% do total de furtos cometidos na SER I (3.480 ocorrências, no total). No que diz respeito a roubos, aparece com 85 registros em 2009, com uma significativa queda em relação aos registros de 2008 (114) e aos de 2007 (105).

Com efeito, o que se destaca mesmo é o conflito entre a adesão a ações criminais e iniciativas de resistências às práticas de violência presentes na Regional I, característica significativa para pensá-la como um todo em termos de mapeamento dos delitos e, bem mais, nas formas de enfrentamento da criminalidade e da violência (FORTALEZA, 2011).

A partir de dados apresentados em pesquisa, a ser publicada, pela Célula de Vigilância Epidemiológica, constatou-se que, dos 119 bairros da cidade Fortaleza, agrupando-se

22 Fortaleza distribui-se em sete Secretarias Executivas Regionais (SER). A SER I concentra um total de 15 (quinze) bairros, a destacar: Vila Velha, Jardim Guanabara, Jardim Iracema, Barra do Ceará, Floresta, Álvaro Weyne, Cristo Redentor, Ellery, São Gerardo, Monte Castelo, Carlito Pamplona, Pirambu, Farias Brito, Jacarecanga e Moura Brasil. A SER I localiza-se no extremo oeste da cidade, concentrando um total de 390 mil habitantes, os quais cerca de 50% dessa população são jovens de até 28 anos (FORTALEZA, 2011).

aqueles que apresentaram no mínimo 30 homicídios no ano de 2015 (18 bairros), o bairro Jangurussu ocupa a primeira posição no ranking de taxas de homicídio da cidade de Fortaleza, com 165 (53340 habitantes), seguindo pelos bairros Barroso 120,5 (31539) e Cristo Redentor 113,4 (28231). A Barra do Ceará ocupa a 13° posição neste ranking, com uma taxa de 78,8 (76528 habitantes). A inserção no CUCA da Barra do Ceará justifica-se por uma inserção prévia no território, por meio da pesquisa guarda-chuva do VIESES, anteriormente explicitada.

Em relação ao equipamento na qual ocorreu a inserção da pesquisadora, cabe salientar que a rede CUCA representa um dos principais dispositivos que compõem políticas públicas para a juventude na cidade de Fortaleza(CE) e realiza conexões com a rede de serviços de assistência social por meio da parceria com a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SETRA). Em relação ao CUCA da Barra do Ceará, o equipamento responsável pelo encaminhamento de jovens para o cumprimento de medida socioeducativa de meio aberto é o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) da Secretaria Executiva Regional I (Regional que engloba a Barra do Ceará). Em acordo previamente estabelecido pelos dispositivos em questão (CUCA E CREAS), são disponibilizadas 10 (dez) vagas para jovens cumprirem medida socioeducativa de meio aberto – Prestação de serviços à comunidade (PSC).

A aproximação da pesquisadora na pesquisa-intervenção ocorreu, especificamente, a partir do grupo de discussão realizado com jovens em cumprimento de PSC. A proposta do grupo, que constituiu experiência piloto para este trabalho, visava discutir questões ligadas aos direitos humanos, à violência urbana e às trajetórias de vida desses jovens, apresentando como eixos de análise e intervenção as relações entre juventude e violência produzidas por estes jovens. Temas como direitos fundamentais garantidos pelo ECA; desigualdade social; violência policial e mercado de trabalho/profissionalização foram discutidos ao longo dos encontros, a partir dos interesses dos participantes.

A inserção no CUCA, especificamente no território referente à Barra do Ceará, possibilitou-me acompanhar parte do cotidiano de um equipamento voltado para a política pública na área da juventude em um bairro periférico. Habitar este território demandou desta pesquisadora, além de um engajamento no fazer pesquisa, questionar e pôr em análise o meu próprio papel como pesquisadora e os jogos de saber-poder que atravessam a constituição deste papel, como aponta Lourau (2004).

Habitar esse território proporcionou-me o questionamento da naturalidade dos objetos; dos sujeitos; dos saberes e da própria pesquisa (COIMBRA; NASCIMENTO, 2012),

portanto, saltava aos olhos práticas institucionais que legitimavam a naturalização do dito “sujeito infrator” como sendo o jovem que representa um risco aos demais. Cabe aqui evidenciar um pedido da profissional do setor de matrícula para “ir conversar a sós com J.”, já que ainda há um grande tabu em se nomear para os profissionais e demais jovens que aquele é um jovem que cometeu ato infracional; O receio da realização de um grupo de discussão no qual reunissem jovens que cumprem PSC; a necessidade de não os deixar ociosos no equipamento, mesmo que isso represente a ajuda para colar cartazes pelo CUCA são alguns exemplos que se evidenciam em minhas lembranças sobre como se materializam ações que personificam o perigoso, o “desviante” no jovem que cometeu o ato infracional.

Realizar o grupo de discussão em suas duas versões (2016.1 e 2017.1) possibilitou tensionar práticas discursivas e não discursivas vigentes no equipamento em questão, problematizando tais práticas e auxiliando em processos de desnaturalização presentes no território, a partir de uma intervenção micropolítica (COIMBRA; NASCIMENTO, 2012). A proposta de intervenção da pesquisa, entrelaçada ao projeto de extensão “Histórias (Des)Medidas: trajetórias juvenis e outros riscos”, auxiliou o aprimoramento do grupo de discussão como dispositivo socioeducativo, sobretudo nas medidas de meio aberto. Destaca-se, inclusive, que atualmente a estratégia do grupo de discussão está sendo implementada em outro CUCA, assim como no CREAS da Regional V pelo projeto citado.

Os jovens e os profissionais que participavam do grupo de discussão foram convidados a (re) pensarem e (re) construírem seus discursos e práticas acerca da associação entre juventude moradora de periferia e práticas de violência urbana. Coletivamente, abalamos verdades instituídas (e “engessadas”) no território. Problematizamos. Discordamos e construímos um comum que, amanhã, poderia novamente ser modificado. Afinal, não tínhamos o intuito de universalizar uma verdade, a partir de um modelo hegemônico de fazer pesquisa, fazer ciência.

A partir da narrativa de cada jovem, de cada profissional e da narrativa desta pesquisadora, colocamos em discussão as forças de saber-poder produtoras de verdade em um território. O que tais forças colocam em funcionamento? Dessa maneira, a partir da potência dos encontros coletivos, percebemos multiplicidades e diferenças, pudemos exercer nossa visibilidade à produção histórica de objetos; sujeitos e saberes (COIMBRA; NASCIMENTO, 2012).

Relacionar-se com jovens que cometeram atos infracionais indica relacionar-se com quem frequenta o equipamento via prestação de medida socioeducativa de meio aberto, mas não

somente isso. Aponta conhecer um jovem de um determinado território e entrar em contato com os múltiplos acontecimentos que atravessam sua história de vida e são evidenciados em suas narrativas. Bem como conhecer um menino de 17 anos que ajuda o pai no trabalho de pedreiro e que está ameaçado de morte; um jovem que tem como grande sonho ser jogador de futebol; uma menina que mora com a mãe e presenciou uma execução em frente à casa de sua amiga; um garoto que “manja” de grafitize e que topa operacionalizar uma oficina de grafite com os demais e tantas outras histórias.... Indica, portanto, entrar em contato com falas que destacam contínuas negações/violações de direito, mas também transbordam histórias, sonhos e conquistas que almejam.

3.3 Jovens que participaram da pesquisa-intervenção: Trilhando trajetórias para a