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3.4 Estratégias Metodológicas

3.4.2 Entrevista narrativa

3.4.2.1 Entrevistas Realizadas

3.4.2.1.3 Entrevista com Playboy

94 A entrevista com Playboy31 foi realizada dia 11 de agosto de 2017. Assim

como Diego, ao ser solicitado que contasse sua história de vida, o jovem iniciou seu relato relembrando sua trajetória de envolvimento com o tráfico de drogas; começou aos 12 anos, “só por causa dos colega (sic) mesmo […] Já andava pra (sic) cima e pra (sic) baixo armado […] Quando não era com arma, era com réplica ou facão”. Aos 14 anos, diz que começou a roubar e a se envolver “de com força (sic) mesmo”, conseguindo ser gerente da boca.

Cita mais detalhes e acontecimentos relacionados a sua trajetória de envolvimento no tráfico e o crescimento de sua “firma”, afirmando ter feito “tudo o que não prestava”. Até que foi preso “uma vez aí, mas tô (sic) respondendo em liberdade”, referindo-se ao cumprimento da medida de meio aberto a qual cumpria no período da realização da entrevista narrativa. A maior parte de sua entrevista narrativa diz respeito do detalhamento acerca do funcionamento da firma e sua rotina nesta, trechos analisados no capítulo teórico-analítico sobre as trajetórias de envolvimento no tráfico de drogas.

Após o nascimento do filho, passou a realizar um movimento de desvinculação da firma, afirmando que, nesse “mundo do crime é tudo ilusão […]. Vou até trabalhar, terminar meus estudo (sic) e mostrar pro (sic) meu filho que eu sou uma pessoa diferente, porque dessa vida ele não merece o que eu sofri não. Se ele tem uma escolha, ele tem que fazer o caminho dele”. Assim como Diego, decidiu o afastamento antes de ser batizado, afirmando que tantos outros se batizaram por medo.

Disse também que “minha vida agora é só atrás de colégio, atrás de emprego”. Afirmou que, no “mundo do crime só vai quem é pelo certo, se for pelo errado nós tá (sic) matando […]. Graças a Deus nunca desandei nessa caminhada, nunca fiz pirangagem (sic) com ninguém”. E que sua caminhada sempre foi “em linha reta”.

Durante o diálogo com o jovem, após esse momento inicial de narração livre sobre sua trajetória de vida, foi questionado se ele gostaria de falar sobre outras coisas, outros acontecimentos em sua vida, Playboy, então, foi categórico: “Eu acho que minha vida toda foi só no mundo do crime, eu acho que eu nunca aproveitei outra coisa não”. As falas que seguem na entrevista com Playboy continuam nessa linha narrativa acerca de

31 O nome fictício escolhido pelo jovem diz de como os amigos mais próximos o apelidaram. Devido ao seu crescimento na “firma”, o jovem passou a se vestir “mais arrumadinho” (sic), maneira chamada pelos amigos de “ostentação”, por fazer uso de cordão e relógio de ouro, roupas de marca e andar com o “tênis da moda”, além de só andar com carro, moto e bicicletas boas.

95 seu envolvimento, passando, detalhadamente, informações de como era sua relação com os amigos da “firma” e o cotidiano no tráfico de drogas.

Contou que seu pai também era envolvido na dinâmica do tráfico que se afastou para virar pastor e sua mãe, por sua vez, conhecia toda a rotina por morar na favela. Referindo-se à sua mãe, especifica que, durante a infância, ela o defendeu de uma tentativa de execução, chorando e impedindo que os “pivetes” o matassem. Agora, depois que cresceu, virou o contrário: “eu ia matar os cara (sic) e a mãe chorava pra (sic) eu não matar”. Hoje em dia isso não acontece e “a mãe tem é orgulho de mim porque eu tô (sic) virando homem”.

Sua trajetória, em termos de acesso a outros espaços da cidade, apresenta certa restrição, por conta dos conflitos entre facções rivais. Afirma que “posso andar pra (sic) qualquer canto”, mas, na prática, salta aos olhos os espaços que têm restrição no acesso, grande parte outros espaços periféricos da cidade.

Assim como Diego explicita em sua narrativa, Playboy também expõe alguns “jota”32 que fez com agentes da polícia na favela, para evitar que fosse preso. Após essas

negociações iniciais, alguns agentes policiais passaram a realizar “pedágio” em um determinado ponto de sua comunidade, liberando o porte de armas e drogas em troca de uma quantia em dinheiro. Em relação à comunidade que morava antes de se mudar, Playboy afirma que “lá é sinistro […]. Toda noite dá pra ouvir a zoada de bala lá.”

Após algumas interrupções no caminhar da entrevista narrativa, devido ao acesso na sala por outras pessoas, Playboy revela que nunca tinha narrado sua história de vida para ninguém antes. “Sou cheio de mistério, a pessoa que me conhece vai morrer, mas não vai saber nada de mim […], Vai pensar que eu sou só mais um”. Nunca tinha desabafado com ninguém, até aquele momento, pois “tem uma hora que o cara não aguenta mais não, tem que falar”. Interpelado como é contar sua história para a pesquisadora e como se sentiu ao narrar tantos acontecimentos ao longo de sua trajetória, Playboy diz:

A gente reflete, a gente fala sobre isso aí a gente se lembra, pensa, a gente vê que já passou por muita coisa, que eu já cheguei a morrer, bem dizer…, tacaram (sic) bala em mim já, só que eu nunca cheguei a ir pro hospital, nunca cheguei a morrer não, mas graças a Deus tô aqui de pé ainda, mas sofrido. Mas 32 “Fazer um jota” indica realizar uma negociação entre as partes. Nesse caso, especificamente, diz-se de uma negociação envolvendo dinheiro acatada pelo policial, permitindo que o jovem continuasse com a arma e o ponto de venda de drogas ilícitas. Playboy também pagou uma quantia a mais para a liberação de um amigo da firma que tinha sido apreendido por enquadramento no tráfico de drogas.

96 eu não vejo isso aí como uma coisa ruim não, eu vejo como coisa boa por causa que onde fecha uma porta, abre uma porta, uma nova oportunidade, um novo estilo de vida, é o que quero pra mim (Playboy, 13 jul. 2017).

Em relação a sua perspectiva de futuro, Playboy afirma que pretende terminar os estudos, comprar uma casa para morar e, também, entrar na justiça para conseguir a guarda do filho, já que a mãe da criança, segundo o jovem, está dificultando seu contato com a criança. Seu desejo é tornar-se advogado, além de continuar praticando MMA.

Mais aspectos das narrativas de Dandara, Diego e Playboy sobre suas trajetórias, sobretudo no tocante aos elementos apontados nos objetivos específicos desta dissertação, serão trazidos nos capítulos seguintes.