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ENTREVISTA – Dra. P L

Entrevistada: Exactamente.

Entrevistadora: Em relação à família, com quem é que esses meninos, na altura estavam?

Entrevistada: Quando ingressou no pólo de animação, o C., estava com os avós. Os pais estavam detidos na altura e, chegava cá com os avós. Lembro-me que, a avó nem tanto mas, o avô participava em algumas reuniões que nós convocávamos. Pelo menos estava presente, pouco falava, mas estava presente. A avó já nem tanto...

Entrevistadora: Era uma pessoa mais omissa?

Entrevistada: A avó normalmente não aparecia. Depois, não me recordo bem em que anos mas, provavelmente em 2003/2004, por aí, os pais saíram da prisão na altura e começaram a interessar-se um bocadinho por aquilo que era feito no pólo de animação com o C e, com o V que, eu julgo que já estaria lá. E compareciam nas primeiras reuniões, o pai, essencialmente o pai.

Entrevistadora: Tens memória, da imagem do pai, uma pessoa...?

Entrevistada: Uma pessoa alta, magra, na altura constava-se que ele tinha sido detido por consumo e tráfico de estupefacientes e, de facto, [imperceptível] estava de acordo com aquilo... Lembro-me também do pormenor das mãos, pronto, ele devia ser um grande fumador porque ele tinha os dedos todos amarelos (risos). Lembro-me daquela primeira vez e, recordo-me que na altura a animadora até estava esperançada que os miúdos até começassem a melhorar um bocadinho, porque os pais mostravam-se interessados, não é?

Entrevistadora: Exacto.

Entrevistada: E começaram a participar nas reuniões e mostravam interesse. Mas isso foi muito no inicio, depois nas outras reuniões já não compareceram e começaram a verificar-se alguns problemas.

Entrevistadora: Quais os problemas que já vinham dos avós?

Entrevistada: A questão da higiene acho que era aquela que chamava mais a atenção. Eles vinham sempre com um odor forte, roupa suja, muitas vezes não adequada ao tempo. Na altura o nosso pólo de animação estava integrado na EB1 da Igreja em Vila Boa de Quires e tinha balneários e, ele chegou a tomar banho, algumas vezes lá, por nossa iniciativa mas porque também o menino também queria, principalmente o Carlos, porque os colegas, rejeitavam-no.

Entrevistadora: [Imperceptível].

Entrevistada: Exactamente, os colegas não queriam estar ao lado dele porque cheirava mal. E eles sentiam aquilo e acabavam por aceitar tomar banho.

Entrevistadora: Mas vocês é que faziam a proposta ou o próprio miúdo é que começou a pedir?

Entrevistada: Não, eu julgo que quem fez a primeira proposta foi a animadora, depois, já se sentia mais à vontade, mais para a frente, para pedir, mas também não posso afirmar mas, ele aceitava e ficava contente porque, pelo menos os colegas já estavam próximos dele e já não se afastavam.

Entrevistadora: Que engraçado...Eles em casa não tinham...

Entrevistada: A imagem que eu tenho da casa dos avós, porque eu não conheci a casa dos pais...

Entrevistadora: Chegaste a visitar?

Entrevistada: Uma vez, estive lá uma vez. Também era uma casa com pouca higiene, de um modo geral, muito desarrumada, uma casa daquelas rurais, também com poucas condições. A casa de banho que existia, era uma casa de banho exterior que, eu nem sei, mas julgo que não tinha água quente, não posso afirmar, mas julgo que não tinha. Portanto, as condições não eram as ideais e, os avós, por várias vezes, afirmavam que davam banho ao fim-de-semana, só.

Entrevistadora: Uma vez por semana...

Entrevistada: Exacto, aquilo estava no meio dos campos, aquilo não era pátio, era

terra e, portanto, eles sujavam-se...

Entrevistadora: E tomavam só ao fim-de-semana...

Entrevistada: Exacto.

Entrevistadora: Lembras-te, em termos de rendimento da família se, os avós tinham algumas dificuldades, se eram pessoas que tinham acesso, pelo menos, à quantidade financeira que necessitassem para o orçamento familiar... ou não tens memória?

Entrevistada: Dessa parte não me lembro, não. A parte económica...

Entrevistadora: [Imperceptível].

Entrevistada: Os avós, julgo que, trabalhavam na agricultura...

Entrevistadora: Pois, estavas a dizer...

Entrevistada: Não sei se eles recebiam [imperceptível] na altura, mas eu julgo que não. Eu julgo que eles só começaram a receber quando estavam com os pais, posso estar enganada (risos).

Entrevistadora: Exacto.

Entrevistada: É assim, alguma precariedade devia existir até para ser sinalizada a família. Porque fazia parte dos nossos critérios, dar famílias de baixos recursos económicos e crianças com dificuldades escolares.

Entrevistadora: [Imperceptível].

Entrevistada: [Imperceptível].

Entrevistadora: Lembras-te da visita que fizeste aos pais, aos avós, desculpa.

Lembras-te da casa que viste? Eles tinham espaço para os miúdos ou, onde é que os miúdos dormiam?

Entrevistada: Curiosamente não me lembro disso.

Entrevistadora: Lembras-te de haver brinquedos pela casa?

Entrevistada: Não, brinquedos não e os que havia estavam lá fora, no meio da lama, da terra, partidos. Não havia um espaço agradável para eles.

Entrevistadora: Pois, era isso que ia perguntar. Lembras-te da relação, se existia alguma relação com os pais, que estavam detidos, ou não, se havia proximidade destes miúdos aos pais, ou não? Se estes avós ajudavam a que...?

Entrevistada: Não me recordo muito bem dessa parte. Mas eles não falavam muito bem dos pais, os avós. Falavam que estavam detidos...mais pela negativa. Mas os miúdos gostavam dos pais, lembro-me quando os pais foram libertados que eles estavam todos contentes. Quando vinham para o pólo de animação diziam que já tinham o pai em casa, que já tinham a mãe.

Entrevistadora: Já estavam a morar com os pais [imperceptível].

Entrevistada: [Imperceptível] eles estavam muito contentes e, por isso, é que nós achávamos que se calhar as coisas iam mudar pela positiva.

Entrevistadora: Exacto. Em relação a...de coisas assim que queiras falar...

Entrevistada: É assim, daquilo que me recordo e, julgo que terá sido também aquilo que fez com que a situação fosse sinalizada à Comissão, não é? Além da questão da higiene, que foi sempre agravando até hoje, com o tempo foi-se agravando um bocadinho...

Entrevistadora: Mas achas que as pessoas não faziam porque não queriam ou, achas que as pessoas, aquilo já era base de aprendizagem, pronto...?

Entrevistada: Eles também não tinham muita higiene...

Entrevistadora: Não valorizavam se calhar...

Entrevistada: Exacto. Eram pessoas ligadas à terra e que não tinham muita higiene pessoal. Eu recordo-me perfeitamente da imagem dos avós e, pronto, não vou dizer

que estavam sujos mas pronto não eram...

Entrevistadora: Não eram pessoas com uma apresentação dita normal...

Entrevistada: Exactamente. O pai também não. Daquela vez que eu vi, também achei que não tinha assim muito bom aspecto. Portanto, eu acho que já seria também da própria família. Se bem que também não tinham, se calhar, as condições adequadas, na própria casa.

Entrevistadora: Lembras-te da casa dos pais?

Entrevistada: Dos pais só me lembro de ouvir falar. Que era um barraco, estava no recinto, da casa dos pais, próximo da casa, pertencia aos avós. E que era um barraco, com quatro paredes ao alto e pouco mais.

Entrevistadora: Exacto.

Entrevistada: Foi essa a imagem que me transmitiram.

Entrevistadora: Em termos de regras, comportamento: falaste que eles tinham muitas dificuldades escolares - matemática - em termos de regras...

Entrevistada: Pelo menos o Carlos, porque o Vítor nunca acompanhei tão de perto. O Carlos, inclusivamente, nós fizemos uma experiência de um programa de competências sociais, uma coisa pequena, e ele tinha muita dificuldade em seguir as regras do grupo, não é? Se o grupo estivesse bem orientado para a tarefa, ele seguia, se o grupo estivesse mais destabilizado, ele era o que...

Entrevistadora: Era o que destabilizava mais (risos).

Entrevistada: E já havia queixas dos professores, relativamente a problemas disciplinares, que eu não consigo especificar. Mas eu lembro-me que ele era referenciado pelos professores como sendo muito problemático, e com problemas de disciplina. Lá no ATL, nunca tivemos assim um problema em especial. Ele até respeitava mais ou menos a animadora.

Entrevistadora: Exacto. Em relação à relação com os pais, e voltando um bocadinho

atrás, disseste que nessa época eles falavam dos pais com afectividade...

Entrevistada: É assim afectividade, eu não diria tanto.

Entrevistadora: Não?

Entrevistada: Não. Ficavam contentes por estarem com os pais, por serem os pais...

Entrevistadora: Se havia interacção, era o que eu ia perguntar. Se te lembras de alguma situação ou das pessoas referirem, ou pelo contrário, uma ausência...

Entrevistada: De inicio, julgo que houve um bocadinho, foi quando nós também ficamos com a percepção que se calhar as coisas iam mudar, não é? Porque o pai mostrou algum interesse, no pólo de animação percebeu quais as actividades que faziam...O problema é que de inicio, o Carlos, pelo menos sentia que havia um acompanhamento, algum interesse do pai. Mas isso rapidamente desapareceu.

Quando ele referenciava o pai, muitas vezes referia era o que ele fazia lá em casa com a droga...

Entrevistadora: Ele sabia fazer a descrição?

Entrevistada: Ele fazia. Não consigo lembrar-me muito bem, porque não era a mim que ele fazia mas [imperceptível] eu lembro-me de ela dizer que ele fazia a descrição exacta dos procedimentos que o pai adoptava para se drogar. Como também ela referiu, muitas vezes, que ele chegou lá e, eu julgo que o Vítor também, com um comportamento estranho, não é? E que aparentavam ter bebido álcool, com eles, em casa.

Entrevistadora: Os miúdos?

Entrevistada: Sim, os miúdos.

Entrevistadora: Os próprios miúdos? Lembras-te das técnicas que trabalhavam com eles?

Entrevistada: Sim, sim. Diziam que eles cheiravam muitas vezes a álcool. E inclusivamente numa das reuniões, elas falaram sobre isso e eu, até dei a indicação

que se eles chegassem, de facto, muito alterados e com comportamentos completamente desadequados, para os encaminhar para o hospital no sentido também de conseguirmos ter a certeza se seria por consumo de álcool.

Entrevistadora: Exacto. Mas elas ficaram sempre com essa ideia? Que os miúdos tivessem acesso...

Entrevistada: Sim, sim, porque os miúdos vinham mesmo, de vez enquando, completamente alterados, em termos de comportamentos.

Entrevistadora: Quando os pais saíram e tomaram nota de...passaram a estar mais cuidados, nunca viste neles uma perspectiva para o futuro dos filhos? Ou neles próprios, fazerem tipo orientação ou, “eu quero fazer isto”?

Entrevistada: Não, porque eles deixaram de aparecer às reuniões também...

Entrevistadora: Rapidamente desistiram?

Entrevistada: Sim, sim. Vieram com perspectivas positivas mas depois deixaram-se ir novamente na vida que se calhar [imperceptível].

Entrevistadora: Em relação à família alargada, não te lembras qual era a relação entre eles? Eu acho que já te perguntei isto...

Entrevistada: Sim, eles não falavam muito bem dos pais. [imperceptível].

Entrevistadora: Mas não te lembras se os pais tinham alguma perspectiva...?

Entrevistada: Não porque o contacto que eu tive foi essencialmente com os avós.

Depois as técnicas é que acompanhavam mais de perto a parte dos pais. Não me recordo dessa parte, de termos falado sobre isso.

Entrevistadora: Em termos de saúde, lembras-te se os miúdos tiveram algum problema de saúde? Pronto, em relação ao problema do pai, o problema da toxicodependência, a mãe, pareceu-te que consumisse?

Entrevistada: É assim, a ideia que... pelo menos, aquilo que nos transmitiam, a

própria comunidade ia dando a indicação é que ela bebia. Que tinha problemas de alcoolismo. Se calhar por isso é que os menores também chegavam lá alterados, porque tinham acesso à bebida que estaria em casa, não é? Não sei se tal pai, tal mãe, ou se ambos, provavelmente, porque nunca estive assim directamente com a mãe, julgo que estive só com o pai, naquela vez. Em termos de saúde, nunca tivemos noção de problemas de saúde grave, mas também não me parecem que tenham tido um acompanhamento de muita proximidade. Não os ouvia falar de irem ao dentista, de irem ao médico.

Entrevistadora: Pois era isso. Eles nunca...?

Entrevistada: Não, não...

Entrevistadora: Assim, o aspecto exterior, consegues fazer-me uma descrição dos meninos, assim só para terminar?

Entrevistada: É assim, o cabelo, muito mal penteado, muito mal penteado (risos)...

Pouca lavagem, às vezes vinham mesmo sujos, as mãos sujas, unhas pretas, e pronto, mas de resto, até tinham aqueles sorrisos de crianças mas, normalmente eram crianças muito tristes. Eu achava que se isolavam e que havia um grupo restrito de miúdos, até do ATL, que seriam os vizinhos, se calhar, que não se misturavam muito.

Entrevistadora: Tinham dificuldades...?

Entrevistada: Sim, sim. E depois havia outro pormenor, que agora vou-me lembrando, que tinha a ver com a alimentação. Eles devoram o lanche, por exemplo. E nós perguntávamos sempre...

Entrevistadora: Se queriam mais...?

Entrevistada: Se tinham almoçado e, eles diziam sempre que sim, que tinham almoçado isto ou aquilo mas, de facto, comiam o lanche e pediam mais a seguir.

Estavam cheios de fome mesmo. Mas era essa a sensação que nós ficávamos.

Entrevistadora: A última vez que tiveste contacto com esta família ou que ouviste falar deles, mesmo que noutras entidades e noutras funções, lembras-te? Tens memória, não sabes quando é que foi?

Entrevistada: Foi da Comissão...

Entrevistadora: No âmbito da SPCJ.

Entrevistada: Há dois, três anos.

Entrevistadora: E na altura foram sinalizados à Comissão exactamente pela mesma situação?

Entrevistada: Sim, sim. Foi por negligência, não é? De um modo geral, ao nível da higiene, da saúde...

Entrevistadora: Portanto, a ideia que a família mantinha o mesmo comportamento...

Entrevistada: Exactamente. Foram trabalhados por várias entidades, não é? Nós se calhar apanhamos um bocadinho...não fomos trabalhando directamente, não é? Não era esse o objectivo do projecto, também, mas já tínhamos um grupo de pais que também tinha como missão incutir algumas competências mas, os pais também não participavam assiduamente e, portanto, não houve continuidade. E no fundo, as coisas foram sempre mantendo-se, se calhar, e piorando ao longo dos anos. Os miúdos... eu recordo-me até de uma situação das animadoras, lembro-me de uma animadora que, para testar se eles tomavam banho ou não, riscava-lhes os braços (risos) e no outro dia a seguir, lá estavam os riscos com mais uma sujidade à volta.

Entrevistadora: (Risos) Exacto. Realmente era muito complicado...

Entrevistada: Julgo que era mais ou menos isto. [Imperceptível].

Entrevistadora: Lembras-te de mais alguma informação que queiras complementar?

Entrevistada: Na alimentação já falei, por isso, julgo que será isso mais ou menos.

Entrevistadora: Do conhecimento que tiveste [imperceptível] já passaram muitos anos...

Entrevistada: (risos) Pois já.

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