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ANEXO Transcrições das entrevistas (totalidade)

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Academic year: 2023

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ANEXO

Transcrições das entrevistas (totalidade)

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ENTREVISTA D. D

Entrevistadora: Está? Óptimo! - Pronto, D. D estamos cá, como já tínhamos combinado, já passou de dias para dias e, hoje finalmente conseguimos estar aqui juntas, a conversar este bocadinho. Olhe, eu ia começar por lhe perguntar como é que conheceu o Sr. J R?

Entrevistada: Foi lá, era quase porta com porta.

Entrevistadora: Vocês eram vizinhos?

Entrevistada: Sim. Éramos vizinhos.

Entrevistadora: Que idade é que tinha nessa altura, lembra-se?

Entrevistada: Tinha dezoito.

Entrevistadora: Tinha dezoito anos nessa altura. A D. D morava com os seus pais, com os seus irmãos?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Os seus pais ainda estavam juntos nessa altura?

Entrevistada: Estavam. Estavam e estiveram.

Entrevistadora: Pois, era o que lhe ia perguntar. Quando é que eles se divorciaram? A senhora já estava casada ou ainda não?

Entrevistada: Já.

Entrevistadora: Já estava casada. Portanto, nessa altura começou a conhecê-lo? Ou passava muito por ele...? Como é que vocês se envolveram?

Entrevistada: Ele, antes, era colega dos meus irmãos.

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Entrevistadora: Eram amigos. E começou a meter-se consigo?

Entrevistada: (Risos) Foi.

Entrevistadora: Piscou-lhe o olho?

Entrevistada: Sim. E antes não o tivesse conhecido.

Entrevistadora: Mas, pronto, conheceu-o. Começou a namorar, ele pediu-a em namoro? Como é que aconteceu isso?

Entrevistada: Foi, foi.

Entrevistadora: Mas pediu só a si? Falou com os seus pais?

Entrevistada: Não, foi só a mim.

Entrevistadora: Foi só a si. Na sua altura já não se usava muito isso, pois não?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Já não.

Entrevistada: Só quando foi para casar é que ele depois falou com o meu pai e a minha mãe.

Entrevistadora: Conhecia os seus sogros? Conhecia-os bem?

Entrevistada: Nunca lá ia.

Entrevistadora: Ia pouco...

Entrevistada: E depois nunca lá fui. Nem falava com eles nem nada.

Entrevistadora: A senhora tem agora que idade?

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Entrevistada: Eu vou fazer trinta e oito.

Entrevistadora: Trinta e oito, portanto, foi há vinte anos atrás, não é? Conheceu-o, envolveu-se com ele. Quanto tempo é que namoraram?

Entrevistada: Para aí um anito, para aí um ano.

Entrevistadora: E ele pediu-a em casamento? E já tinham sítio para morar? Como é que decidiram, como é que iam fazer para casar?

Entrevistada: Não, quando eu casei fiquei em casa do meu pai.

Entrevistadora: Ai ficou lá?

Entrevistada: Fiquei em casa do meu pai, já em Quires.

Entrevistadora: Onde mora agora?

Entrevistada: Sim, onde eu moro. E depois ele fez aquilo, onde eu morava lá em cima, perto da casa dos meus sogros e, depois é que fomos para lá.

Entrevistadora: Porque é que foram para lá? Ele não se dava com o seu pai?

Entrevistada: Não. Foi ele, ele é que fez aquilo e queria ir para lá.

Entrevistadora: Ele queria ir...?

Entrevistada: Sim, foi ele que fez aquilo e depois fomos para lá.

Entrevistadora: Pronto. Quanto tempo é que esteve a morar em casa do seu pai, antes de mudar lá para a outra...?

Entrevistada: Para aí oito meses, mais ou menos.

Entrevistadora: Nem um ano.

Entrevistada: Não.

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Entrevistadora: Já estava grávida do C ou ainda não?

Entrevistada: Não, ainda não. Eu estive quase três anos sem engravidar.

Entrevistadora: Sem engravidar. Morava em casa do seu pai?

Entrevistada: Sim, do meu pai.

Entrevistadora: Mas tomava a pílula? Tomava alguma coisa?

Entrevistada: Ai tomava, isso tomava.

Entrevistadora: Então quando veio o C foi porque...

Entrevistada: Porque quis.

Entrevistadora: A senhora queria!? Nessa altura, ele estava a trabalhar?

Entrevistada: Estava.

Entrevistadora: Trabalhava certinho? Como é que faziam com as contas?

Entrevistada: Ele, no princípio ainda não era consumidor, trabalhava, ainda era meu amigo, era tudo. Depois, pronto, começou a juntar-se com os colegas e foi quando se meteu na droga.

Entrevistadora: Quando ele se meteu na droga, a senhora já tinha o seu filho mais velho ou ainda não?

Entrevistada: Já tinha os dois.

Entrevistadora: Ai já tinha os dois?!

Entrevistada: Já tinha os dois.

Entrevistadora: Que idade é que eles tinham quando ele se meteu na droga?

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Entrevistada: O C devia ter para aí cinco anos, mais ou menos e, o V parece-me que tinha dois.

Entrevistadora: O Vítor era mais pequenininho.

Entrevistada: Era.

Entrevistadora: Pronto. A senhora entretanto casa, fica cerca de um ano a morar cá em baixo e, ele faz uma construção... Consegue descrever-me a construção que ele fez inicialmente? Quantas divisões tinha? Como é que aquilo era?

Entrevistada: Tinha o quarto, a sala e a cozinha. Não tinha casa de banho, não tinha nada.

Entrevistadora: Aquilo tinha água canalizada?

Entrevistada: Não. O meu sogro é que me dava a água e a luz e, volta e meia, cortava-me tudo.

Entrevistadora: Ai ele dava-lhe água?

Entrevistada: Dava água.

Entrevistadora: Com uma mangueira?

Entrevistada: Sim, com uma mangueira.

Entrevistadora: E tinha uma mangueira para a porta da cozinha?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Mas era cá fora no pátio, que tinha água!? Nunca teve água dentro de casa?

Entrevistada: Não, não, lá cima não. Mas é que, volta e meia, eu andava grávida – era do V – andava grávida dele e, vinha cá baixo, onde eu moro agora, aos baldes,

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muitas vezes.

Entrevistadora: Porque o seu sogro...

Entrevistada: Cortava-me a água, luz e tudo.

Entrevistadora: E porque é que ele lhe fazia isso? Vocês zangavam-se? O que é que acontecia?

Entrevistada: Porque era assim: pronto, eu queria às vezes leite, isto e aquilo, para dar aos meus filhos e ia lá pedir e a mim não me emprestavam e, para o filho, para a droga, já lhe davam.

Entrevistadora: Ai eles davam-lhe dinheiro para o consumo!?

Entrevistada: Sim, para o consumo. E a nossa “pega” era, muitas vezes, por causa disso.

Entrevistadora: A senhora “pegava-se” por darem-lhe dinheiro a ele...

Entrevistada: Darem dinheiro a ele, para a droga, e não me darem a mim para os cachopos comerem.

Entrevistadora: A senhora, na altura, vivia de quê? Ele ao inicio trabalhava e dava-lhe dinheiro?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: A senhora nunca trabalhou?

Entrevistada: Ai eu trabalhei!

Entrevistadora: Mas trabalhava fora?

Entrevistada: Trabalhei na fábrica, desde os dezassete anos.

Entrevistadora: Até que idade trabalhou?

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Entrevistada: Eu já tinha o C.

Entrevistadora: Pois, deixou de trabalhar quando teve o primeiro filho?

Entrevistada: Foi. Ainda trabalhei, parece que por três meses, que era para ter os direitos...

Entrevistadora: Sei, por causa da gravidez.

Entrevistada: Sim, depois é que me vim embora.

Entrevistadora: Veio-se embora e então a partir daí é que começou a ter problemas de dinheiro!? Nessa altura, ele saía de casa à noite? Deixava-a sozinha?

Entrevistada: Sim, e só vinha de manhã.

Entrevistadora: E a senhora ralhava com ele, zangava-se com ele?

Entrevistada: Claro... Mas para o fim ainda foi pior, quando ele se meteu na droga.

Entrevistadora: Quando é que...A senhora, pronto, situe então na idade, o C teria quatro, cinco anos?

Entrevistada: Eram cinco mais ou menos.

Entrevistadora: E, diga-me uma coisa, isso em que ano? Noventa e...? Não tem memória?

Entrevistada: Não me lembro. Isso não me lembro.

Entrevistadora: E ele consumia e deixou de trabalhar?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Começou a ficar ali por casa? Como é que era a vida dele nessa altura?

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Entrevistada: Depois meteu os papéis do ordenado mínimo...

Entrevistadora: Do Rendimento Mínimo.

Entrevistada: E ele é que recebia, vinha no nome dele.

Entrevistadora: Pois, era o Rendimento Mínimo, para ele, para si e para os meninos!?

Entrevistada: E para os filhos mas, ele depois já não me dava.

Entrevistadora: Era tudo para ele.

Entrevistada: Era tudo para ele.

Entrevistadora: Pois, e diga-me uma coisa, a senhora apercebe-se que ele consumia, ele consumia em casa? Na sua frente?

Entrevistada: Ui, tantas vezes!

Entrevistadora: E trazia os amigos lá para casa para consumir?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Por isso é que se calhar ele fez aquele espaço sozinho!?

Entrevistada: Era capaz, para ser para isso.

Entrevistadora: Em que sítio da casa? Aquilo era muito pequenino, não é? Disse-me que tinha uma cozinha, tinha uma sala e...o outro quarto.

Entrevistada: Só tinha um quarto e até na sala fazia um quarto. Ele fumava lá.

Entrevistadora: Aonde? No quarto da ponta?

Entrevistada: Sim.

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Entrevistadora: E a senhora ficava na sala com os seus filhos?

Entrevistada: Não, porque ele quando começava a fumar eu vinha para casa do meu pai.

Entrevistadora: Ai não ficava lá em cima?

Entrevistada: Não, que eu não ficava lá com os miúdos, ao pé dele.

Entrevistadora: Ele ficava violento, quando consumia?

Entrevistada: Ai não! Batia-me, muitas vezes, a mim e aos meus filhos! Quantas e quantas vezes. Às vezes queria dinheiro e queria obrigar-me a ir pedir dinheiro aos meus pais, para a droga!

Entrevistadora: A senhora apercebeu-se alguma vez que ele traficasse? Que ele trazia droga para vender ou não?

Entrevistada: Muitas vezes.

Entrevistadora: Apercebeu-se?

Entrevistada: Pois, eu via-o lá com o pessoal.

Entrevistadora: As pessoas iam lá comprar?

Entrevistada: Iam.

Entrevistadora: Iam lá levar?

Entrevistada: Eu, para ser franca, para o fim, fui obrigada a meter-me também, a vender, para ter “coisa” para os filhos comerem.

Entrevistadora: Para ter dinheiro!

Entrevistada: Foi quando eu fui detida.

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Entrevistadora: Isso foi em que ano? A senhora lembra-se?

Entrevistada: Parece-me que foi em dois anos, em 2004.

Entrevistadora: 2002 a 2004?

Entrevistada: Foi assim uma coisa.

Entrevistadora: Esteve dois anos detida?

Entrevistada: Foi. Mas apanhei quatro.

Entrevistadora: Apanhou quatro anos?

Entrevistada: Apanhei quatro mas como tinha …

Entrevistadora: Como é que foi quando foi apanhada? O que é que aconteceu?

Lembra-se desse dia?

Entrevistada: O que aconteceu...

Entrevistadora: Vocês já vendiam habitualmente. As pessoas iam lá comprar a vossa casa ou vocês iam levar a algum sítio?

Entrevistada: Não, eu não, eu não. Ele é que ia, agora eu não, eu não saía de casa.

Nem ia buscar, nem ia nada.

Entrevistadora: A senhora tinha ali em casa e quando aparecia alguém a comprar, a senhora vendia!?

Entrevistada: Sim. Agora eu ir buscar ou assim...

Entrevistadora: Era ele que trazia?

Entrevistada: Era ele, não era eu. Isso por acaso nunca fiz.

Entrevistadora: E ficava com algum dinheiro então para comprar coisas para os

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filhos!?

Entrevistada: Sim. Foi...nessa maré.

Entrevistadora: Lembra-se do dia em que foram detidos, o que é que aconteceu?

Tem memória desse dia?

Entrevistada: Ai tenho! Eles foram lá fazer a rusga...

Entrevistadora: Fizeram uma rusga a sua casa?!

Entrevistada: Sim. Eles algemaram-no logo!

Entrevistadora: Algemaram-na?

Entrevistada: A ele algemaram-no logo e ele até foi caço com droga no bolso.

Entrevistadora: E era uma quantidade grande?

Entrevistada: Não era grande, era pequenina. A mim, vim com eles aqui para o Tribunal.

Entrevistadora: Mas nesse dia também? No mesmo dia?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Trouxe os seus filhos consigo?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Eles não estavam consigo? Os meninos?

Entrevistada: Estavam na escola.

Entrevistadora: Nesse dia, na hora da rusga estavam na escola? Então eles nem se aperceberam!?

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Entrevistada: Não, depois ao meio dia é que lhes disseram...

Entrevistadora: Que vocês estavam os dois aqui no posto... Pronto, nesse dia, fizeram logo a queixa e ficou logo detida?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Não veio mais [imperceptível] foi logo detida?

Entrevista: Depois fui responder passado meio ano. Fiquei presa na mesma...

Entrevistadora: Não sabe onde é que estava?

Entrevistada: Em Vila Real.

Entrevistadora: Estava em Vila Real? Mas ficou com ele ou cada um foi para um lado?

Entrevistada: Sim, foi na mesma cadeia mas as mulheres estavam dum lado e os homens estavam doutro.

Entrevistadora: Pronto, logo nesse dia foram os dois para Vila Real e ficaram detidos, preventivamente. É assim que se diz?

Entrevistada: Foi. Foi.

Entrevistadora: Quanto tempo é que estiveram? Meio ano, disse-me?

Entrevistada: Não, foi assim: apanhamos quatro anos.

Entrevistadora: Mas antes de apanhar esses quatro anos ainda esteve em prisão...

Entrevistada: Estive meio ano em prisão preventiva e, depois ao fim de meio ano, é que vim... [imperceptível] e deram-me quatro anos, mas só cumpri dois.

Entrevistadora: E para onde é que foi? Foi outra vez para Vila Real?

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Entrevistada: Para o mesmo sítio.

Entrevistadora: E cumpriu até ao final da pena?

Entrevistada: Até meio da pena.

Entrevistadora: E porque é que lhe deram a liberdade? Lembra-se? De falar disso com as técnicas, com as pessoas que falavam consigo...

Entrevistada: Eu vim-me embora a meio da pena porque eu tinha o regime aberto.

Andava a trabalhar lá.

Entrevistadora: Ai a senhora trabalhava?

Entrevistada: Eu vinha a casa...meio ano não vim mas, ao fim, comecei a vir todos os meses, quase todos os meses vinha a casa, porque eu tinha 48 horas ...

Entrevistadora: Para vir a casa e ir outra vez...

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Via os seus filhos?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Eles ficavam com quem, quando a senhora foi detida?

Entrevistada: O V ficou com a minha mãe e, o C ficou com a minha sogra.

Entrevistadora: Eles ficaram separados?

Entrevistada: Mas depois a minha sogra tomou conta dos dois.

Entrevistadora: Quanto tempo é que eles ficaram separados? Não se lembra?

Entrevistada: Foi pouco. Não sei!

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Entrevistadora: Não tem memória? Pronto, depois a sua sogra ficou com os dois!

Para si era mais fácil ou não?

Entrevistada: Era.

Entrevistadora: Quando vinha a casa, estava com eles...

Entrevistada: Estava. Ai eles iam lá todos os oito dias.

Entrevistadora: E eram os seus sogros que os levavam a vê-la?

Entrevistada: Eram. Eles iam lá todos os oito dias.

Entrevistadora: Os meninos pediam? Ou era...

Entrevistada: Isso não posso dizer. Sei que tanto a minha sogra como o meu sogro, eles iam lá todos os fins-de-semana.

Entrevistadora: Viam-na a si e depois viam o pai?!

Entrevistada: Não, nós tínhamos as visitas todos juntos...

Entrevistadora: Ai, a senhora estava com o seu marido nas visitas, também?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Pronto. Quanto tempo é que levou o seu marido, de prisão?

Entrevistada: Foi igual.

Entrevistadora: Também os mesmos quatro anos!?

Entrevistada: E veio igual também.

Entrevistadora: E também veio a meio da pena!? Acha que teve alguma redução da pena por ter os dois filhos? Acha que isso influenciou a decisão do juiz? Eles falaram- lhe nisso?

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Entrevistada: Eu acho que sim, não sei...

Entrevistadora: Eles falaram-lhe disso, na altura?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça).

Entrevistadora: Pronto, a senhora quando regressou, lembra-se que saiu então em 2004?

Entrevistada: Sim. E depois vim em dois anos a carimbos. Como apanhei dois anos, não é? Apanhei quatro anos mas só cumpri dois. Depois, esses dois anos...

Entrevistadora: Os que faltavam para os quatro anos...

Entrevistada: Os que faltavam para os quatro anos vim a carimbo. Faz de conta, tinha de vir ao posto, pôr o carimbo e, se me metesse em mais alguma coisa...

Entrevistadora: Se fosse dar uma informação assim má...

Entrevistada: Ia outra vez...

Entrevistadora: E o seu marido? Quando saiu ficou limpo? Ele estava a consumir?

Ele conseguiu tratar-se?

Entrevistada: Mas depois de sair tornou a meter-se!

Entrevistadora: Quando saiu da prisão voltou...?

Entrevistada: Passado para aí um anito, tornou a meter-se.

Entrevistadora: Então em 2005 ele volta a consumir. E será que ele voltou a traficar?

O que se passava ali à beira de sua casa?

Entrevistada: Agora para o “coisa” não sei, não lhe posso dizer.

Entrevistadora: Porque já não se davam?

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Entrevistada: Não. Já não se dava, nem eu, nem o meu sogro, o meu sogro até chegou a partir-me o braço.

Entrevistadora: Foi nessa altura?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Porque é que vocês se “pegaram”?

Entrevistada: Olhe, andava eu grávida da menina...

Entrevistadora: Há três, quatro anos atrás praticamente, não é?

Entrevistada: Sim, mais ou menos. Andava eu grávida da menina.

Entrevistadora: Mas porquê? Já se dava mal com o seu marido?

Entrevistada: Sim, já tínhamos as “pegas”. Pronto, eu já não andava a trabalhar mas ele [imperceptível] podia dar-me algum...

Entrevistadora: Ele recebia o Rendimento Mínimo...

Entrevistada: E gastava-o todo. E, muitas vezes, eu vigiava o correio e, a minha sogra - ela também é assim - vigiava o correio e, ela ia na frente mas não me dava o cheque a mim, que eu podia levantá-lo, mas entregava-o a ele.

Entrevistadora: E a senhora ficava sem dinheiro?

Entrevistada: Ficava sem dinheiro nenhum. Quem me valia, às vezes, eram os vizinhos, pronto e os meus pais que, na “maré”, os meus pais estavam juntos.

Entrevistadora: Os seus pais ajudavam-na muito?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça).

Entrevistadora: Olhe, a senhora sabe que nessa altura, a descrição que fazem da

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sua casa era muito “difícil”...

Entrevistada: Pois era, não tinha água, não tinha nada para fazer limpeza.

Entrevistadora: Tinha muita dificuldade com a limpeza! Diga-me uma coisa, esse problema, já tinha esse problema em casa dos seus pais?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Ou só quando se juntou com o seu marido é que...?

Entrevistada: Foi quando me juntei com ele.

Entrevistadora: A senhora, em casa dos seus pais, como é que vocês viviam? Em solteira?

Entrevistada: Vivíamos bem. A casa era grande, tinha casa de banho, tinha tudo lá.

Entrevistadora: Tinha as condições normais...?

Entrevistada: Tinha, todas.

Entrevistadora: Pronto. A casa estava organizada?

Entrevistada: Estava. É como ela está agora.

Entrevistadora: E como é que a senhora vai para casa... para vossa casa, não é? No fundo, vocês ficaram sozinhos num espaço, aquilo não era bem uma casa, era mais parecia...

Entrevistada: Uma barraca, era uma barraca...

Entrevistadora: Uma construção, pronto. E, não conseguia limpar? Não conseguia organizar?

Entrevistada: Não, porque muitas vezes cortavam-me a água, luz e tudo e eu tinha muito lixo. Tinha de vir ao pé de casa onde eu moro agora, ao pé de casa do meu

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pai...

Entrevistadora: Eu sei, eu conheço, lá em baixo...

Entrevistada: Buscar a água para ir para cima.

Entrevistadora: Então levava só a água, praticamente para …

Entrevistada: Para comer...

Entrevistadora: A senhora tinha fogão?

Entrevistada: Tinha.

Entrevistadora: Chegou a ter fogão? E tinha lareira no chão, não tinha?

Entrevistada: Tinha. Volta e meia falhava-me o gás e eu tinha de me virar para outro lado...

Entrevistadora: E tinha de fazer, fazia uma fogueira no chão, na cozinha?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça)

Entrevistadora: Nessa altura, começa a haver mesmo muitas, muitas confusões!?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Ele consumia. Ele trazia pessoas lá para casa?

Entrevistada: Trazia.

Entrevistadora: Os meninos estavam maiores, nessa altura!?

Entrevistada: Estavam.

Entrevistadora: E começou a ter problemas com ele...

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Entrevistada: Porque ele começava a chegar lá e eu “caminhava”, porque não queria que ele estivesse a consumir diante deles.

Entrevistadora: Mas o seu marido levava os seus filhos com ele, às vezes, ou não?

Entrevistada: Muitas vezes levava, para o café e, eu não sabia.

Entrevistadora: Pois, e levava...E os meninos descreviam-lhe algumas coisas?

Entrevistada: O C vinha e contava, para onde é que eles iam e para onde não iam.

Entrevistadora: E a senhora chateava-se com ele?

Entrevistada: Pois. Mas é que depois eu “caminhava” com eles e, ele, quando estava a consumir, chegava a casa e ele “virava-se” à gente. “Virava-se” a mim e aos meus filhos.

Entrevistadora: Ele dava-lhes porrada? Batia-vos mesmo?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Então deixaram de...

Entrevistada: Sim, e depois começava a dizer que me ia pôr de lá para fora e, tirar os meus filhos...

Entrevistadora: E a senhora tinha muito medo...?

Entrevistada: Pois...

Entrevistadora: Tinha medo disso. Acabou por sempre ceder àquilo que ele lhe...

Entrevistada: Que ele queria...

Entrevistadora: Quando é que as coisas começaram a melhorar? Ou seja, em 2006, o processo vem parar à Comissão...

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Entrevistada: Foi mais ou menos nessa “maré”.

Entrevistadora: Foi nesse ano!? Em 2006 as suas confusões com os seus sogros eram diárias!?

Entrevistada: Eram, eram...

Entrevistadora: Vocês discutiam quase diariamente!? Não era?

Entrevistada: Era.

Entrevistadora: E com o seu marido...?

Entrevistada: Era igual.

Entrevistadora: Ele passava muito tempo fora de casa. Eu lembro-me, na altura, que ele passava muito tempo fora de casa. Para onde é que ele ia, a senhora sabe?

Entrevistada: Não sei.

Entrevistadora: Ele desaparecia, não lhe dava...?

Entrevistada: Não dizia para onde é que ia, para onde é que não ia.

Entrevistadora: E entretanto, houve uma altura, em que a senhora decidiu sair de casa? O que é que aconteceu?

Entrevistada: Foi. Eu estive para aí quinze dias, três semanas, em casa do meu pai.

Entrevistadora: Mas zangou-se com ele? Lembra-se disso?

Entrevistada: Sim, separei-me. Sim.

Entrevistadora: Foi quê? No Verão? No Inverno?

Entrevistada: Foi no Verão. Parece-me...Foi no Verão.

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Entrevistadora: Em 2006!? A senhora já estava grávida nessa altura?

Entrevistada: Andava com o V. Com o V… Andava, andava, andava com ele.

Entrevistadora: E separou-se dele? Veio para casa do seu pai? E ele veio buscá-la?

Entrevistada: Veio, mas foi passado para aí três semanas.

Entrevistadora: Mas veio-lhe pedir?

Entrevistada: Veio pedir para eu voltar a ir e, eu fui!

Entrevistadora: Mas o que é que ele lhe dizia?

Entrevistada: Que, pronto, que não fazia mais nada...e eu pronto, pelas palavras que ele dizia...Dois mesitos, três, portou-se bem no lugar dele mas, depois daí...

Entrevistadora: Dava-lhe algum dinheiro?

Entrevistada: Dava. Mas depois, passados três mesitos mais ou menos, já começou outra vez o mesmo.

Entrevistadora: Voltou ao mesmo. Pronto, entretanto, os seus contactos com ele, eram poucos?

Entrevistada: Eram.

Entrevistadora: Ou continuava a ter relações com ele?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Raramente! Como é que engravidou da Â, se é que lhe posso perguntar?

Entrevistada: Na “maré” foi quando eu vim da cadeia. Foi aí...

Entrevistadora: Mas estava tudo bem entre vocês?

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Entrevistada: Estava. Nessa “maré” estava tudo bem.

Entrevistadora: Estava tudo calmo.

Entrevistada: Estava.

Entrevistadora: Ele andava a trabalhar nessa altura? O que é que ele fazia?

Entrevistada: Andava a trabalhar nas obras. Andava a fazer uma casa em S.

Martinho.

Entrevistadora: Entretanto, piorou a situação dele com a droga...!?

Entrevistada: Foi, quando foi. Ele tornou-se a meter...

Entrevistadora: Andou sempre aos altos e baixos, no fundo.

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: E a senhora como é que sai de casa para casa do seu pai? Não saiu? O que é que aconteceu, quando a menina foi afastada de si? A senhora lembra- se?

Entrevistada: A menina, pronto, ela foi internada, no Hospital em Penafiel.

Entrevistadora: Porque é que ela foi internada? Ela tinha quanto tempo?

Entrevistada: Tinha dois meses, quando foi internada tinha dois meses.

Entrevistadora: Pois. E o que é que aconteceu?

Entrevistada: Ela na “maré”, pronto, fazia cocó com sangue. E eu levei-a.

Entrevistadora: Ao hospital...

Entrevistada: Ao hospital...depois ficou lá internada.

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Entrevistadora: E a partir daí ela nunca mais regressou a casa?

Entrevistada: Não. Tem ido agora ao fim-de-semana.

Entrevistadora: E os dois mais velhos também tinham um processo?

Entrevistada: Tinham mas esses...Tenho a guarda deles já. Já está o processo acabado no tribunal.

Entrevistadora: Mas nessa altura o processo também foi para o tribunal?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Porquê, a senhora sabe explicar-me?

Entrevistada: Isso já não me lembro.

Entrevistadora: Mas lembra-se que tinha a ver com o quê? Com as condições?

Entrevistada: Era com tudo.

Entrevistadora: O quê que as técnicas lhe diziam que estava mal? Lembra-se?

Entrevistada: Não me lembro assim de tudo...

Entrevistadora: Mas mais ou menos?

Entrevistada: Pronto, que não tinha “coiso”, limpeza, não tinha nada. Porque não tinha água para lavar, não tinha nada.

Entrevistadora: Pois, tinha mais a ver com a higiene!?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: E na escola? Como é que eles se portavam nessa altura?

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Entrevistada: Na escola, pronto, pelo menos o C, era mais traquina. Já era por “coisa”

do pai, o pai deixava-o fazer tudo o que ele queria.

Entrevistadora: Então ele era mais rebelde?!

Entrevistada: Era.

Entrevistadora: Havia muitas queixas? A senhora ia muitas vezes à escola?

Entrevistada: Era, para o C era.

Entrevistadora: O quê que eles lhe diziam, na escola?

Entrevistada: Que ele que fugia...

Entrevistadora: Ele fugia das aulas?

Entrevistada: Sim. Que ia para a escola, e ia, entrava, mas depois não entrava para dentro.

Entrevistadora: E material? Ele levava material para a escola?

Entrevistada: Levava que ele isso tinha sempre. Mas, às vezes, escondia-o.

Entrevistadora: E não o queria levar para as aulas?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça)

Entrevistadora: E o V? Como é que estava nessa altura?

Entrevistada: Esse para agora, portou-se sempre bem, esse.

Entrevistadora: É? E na escola primária?

Entrevistada: Nunca tive “coisa” nenhuma dele.

Entrevistadora: Quando a chamavam, porque é que era?

(26)

Entrevistada: Ou era para dar as fichas...Ou era... Por acaso do V nunca tive “coiso”

nenhum.

Entrevistadora: E de higiene, falavam-lhe disso?

Entrevistada: Ao “primeiro” também.

Entrevistadora: Falavam? E o quê que lhe diziam?

Entrevistada: Para ter cuidado, para lhe lavar as mãos, pronto, para lhe dar banho isto e aquilo.

Entrevistadora: E a senhora não conseguia dar-lhe banho?

Entrevistada: Quando estive lá em cima não. Mas depois quando me tiraram a menina [imperceptível] tiraram-me os dois.

Entrevistadora: [Imperceptível] teve medo que lhe tirassem os dois!

Entrevistada: Arranjei uma casa ali...aqui em Constance e mudei-me para lá.

Entrevistadora: E veio para ali para Constance, como é que pagava a renda?

Entrevistada: Era o meu irmão que me ajudava. É como agora, ele agora está comigo e, era ele que me pagava, muitas vezes, a renda.

Entrevistadora: Ele ajudava-a com algum dinheiro e, a senhora meteu o pedido do Rendimento Mínimo em seu nome!?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Como é que acontece essa situação do divórcio? Da vossa separação? Como é que acaba por se separar do seu marido? O que é que aconteceu?

Entrevistada: Eu entrei a pedir o divórcio, e vai fazer três anos que ele não dá nem

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coroa aos meninos.

Entrevistadora: Portanto, a senhora estava grávida nessa altura, quando pediu o divórcio? Ou já tinha tido a menina?

Entrevistada: Já tinha a menina.

Entrevistadora: Já tinha a menina. E ele desaparecia?

Entrevistada: Hum, não, eu andava para ter a menina e, ele foi para Espanha. Foi quando se juntou lá com uma preta! E quando ele veio cá, a menina já tinha dois meses.

Entrevistadora: Ele estava em Espanha a trabalhar mas não lhe mandava dinheiro?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: E a senhora sabia que ele estava lá com alguém? Ou ele não lhe disse nada?

Entrevistada: Eu sabia porque, uma vez, vim ao médico, numa quarta-feira vim ao médico, pronto, de rotina...

Entrevistadora: Da gravidez...

Entrevistada: Sim. E depois a minha mãe morava ali em Constance, eu vim por lá. E depois o meu pai, o meu pai veio buscar-me em casa da minha mãe e disse-me: “Olha o J esteve aqui, com fulana assim e assim”. Andava eu para a ter...

Entrevistadora: E a senhora ficou mesmo admirada?

Entrevistada: Fiquei logo “coisa”. Depois vi ele com ela e tudo.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, a menina nasceu e, ele veio visitar a filha?

Entrevistada: Por acaso, na “maré”...Olhe foi no dia em que a menina foi internada, no Hospital em Penafiel, foi no dia em que ele a viu.

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Entrevistadora: Que ele a conheceu? Ele não a conhecia?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Meu Deus. Pois. E, pronto, ele trazia essa tal companheira?

Entrevistada: Sim. Ainda agora a traz.

Entrevistadora: E a senhora viu e disse que não queria mais nada com ele?

Entrevistada: Eu não. Eu disse logo que não queria mais nada. [Imperceptível]

Depois já veio cá e “coisa”... Nem procura os filhos!

Entrevistadora: Nem os mais velhos?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Ele nunca mais quis...?

Entrevistada: Nunca mais quis saber dos filhos. Agora os filhos, pelo menos o C, era

“tolo” por ele e agora não o pode ver.

Entrevistadora: Ficou mesmo...acha que foi trocado, se calhar?! O que é que o mais velho lhe diz?

Entrevistada: Às vezes, quando ele está cá e depois vai a casa do pai...

Entrevistadora: Fica lá perto!?

Entrevistada: E, às vezes, o meu irmão A diz assim: “Não vais ver o teu pai?” e diz ele: “ Não, não vou. Ele para mim não é pai nenhum”.

Entrevistadora: Ai responde-lhe logo? E essa companheira que ele tem actualmente?

Eles têm filhos ou não sabe?

Entrevistada: Ora bem, pelo menos, pelo que sei, tem filhos, mas já são grandes.

(29)

Entrevistadora: De outra relação? Não tem com o seu marido?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: A senhora acabou por pedir o divórcio mesmo?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Já saiu o divórcio?

Entrevistada: Ele já faltou a terceira vez.

Entrevistadora: Ai ele tem faltado a tudo!? E em relação aos seus filhos, ele faltava também quando era chamado a tribunal?

Entrevistada: Está tudo, porque ainda está tudo em tribunal. Agora pedi o sustento para os filhos, está tudo igual.

Entrevistadora: Pois.

Entrevistada: Ele não aparece.

Entrevistadora: Ele não aparece! Há três anos que, no fundo, não sabe do paradeiro dele?

Entrevistada: Sim, agora quem me está a dar, a dar “coisa”, é a Assistente Social.

Entrevistadora: Que lhe dá o sustento dos seus filhos?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, quando ele desapareceu, acha que a sua vida melhorou ou acha...?

Entrevistada: E muito, e muito!

(30)

Entrevistadora: Sentiu mais segurança na sua vida?

Entrevistada: Sim, sim. Eu estive assim em dois mesitos ou três, pronto, a minha vida mudou muito, porque foi quando eu meti os papéis. Mas tive pessoas amigas, tive os meus irmãos, e assim, que me ajudaram.

Entrevistadora: Para não faltar nada...

Entrevistada: Sim, nada aos meus filhos, em nada.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, se comparasse a sua casa do ano 2001/2002, quando foi para o tal, disse-me “barraco”, não era? E a casa onde vive agora?

Entrevistada: É muito melhor onde eu estou agora.

Entrevistadora: Tem comparação? Consegue comparar? Tem mais espaço? Mais?

Entrevistada: Tem. Tem tudo. Tem mais higiene e tudo...

Entrevistadora: Tem higiene, tem água, luz? Tudo direitinho?

Entrevistada: Tem.

Entrevistadora: Se pudesse voltar a estar com ele?

Entrevistada: Não, não quero.

Entrevistadora: Não queria?

Entrevistada: Nunca! Nem com ele nem com mais homem nenhum!

Entrevistadora: E com a família dele? Tem alguma relação neste momento? Ou nunca mais falou com eles?

Entrevistada: Não, falo. Para o meu sogro agora falo porque ele tem ido buscar e trazer a menina.

(31)

Entrevistadora: E ele tem ajudado então para que a menina regresse a casa?

Entrevistada: Ora bem, assim de “coisas” não! Não é? Coisas não.

Entrevistadora: Pois. Não lhe dá dinheiro, nem nada?

Entrevistada: Não, mas vem buscá-la e vem trazê-la!

Entrevistadora: Ele tem carro?

Entrevistada: Tem.

Entrevistadora: E isso já ajuda bastante!?

Entrevistada: Sim, já ajuda muito.

Entrevistadora: Eles querem ver, querem conhecer a menina? Conhecem-na?

Entrevistada: Conhecem! Ainda no Domingo fui até lá com ela.

Entrevistadora: A casa dos seus sogros?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: E...eu sei que o seu marido tinha, um irmão, pelo menos um irmão e uma irmã?! A senhora dava-se bem com as cunhadas?

Entrevistada: Ai dou.

Entrevistadora: Elas recebem-na bem? Tratam-na bem?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Pronto. Diga-me outra coisa, D. Dores, como é que é a relação com os seus filhos?

Entrevistada: Ai agora é boa.

(32)

Entrevistadora: E quando é que não foi boa?

Entrevistada: Quando estava com ele.

Entrevistadora: E não era boa a sua relação com os seus filhos, porquê? Conte-me!

Entrevistada: Às vezes, andávamos sempre “pegados” porque ele batia-lhes.

Entrevistadora: Ele batia nos filhos e na senhora!?

Entrevistada: Sim. E quantas e quantas vezes ele dava-me com até com a cabeça nos vidros das portas. Ai era, era.

Entrevistadora: E a senhora “virava-se” a ele?

Entrevistada: Claro. Andava sempre “coisa”.

Entrevistadora: Com os meninos ali no meio, não era?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça).

Entrevistadora: Pois. Diga-me uma coisa, em relação à sua saúde! A senhora tem as vacinas em dia?

Entrevistada: Tenho tudo. Graças a Deus...Tanto eu como eles, temos tudo em dia.

Entrevistadora: Como é que a senhora veio parar aqui ao curso de Alfabetização? Eu sei que a senhora está a tirar agora um curso, para aprender a escrever bem...

Entrevistada: Fui escrever-me ao Fundo de Desemprego, em Amarante.

Entrevistadora: A senhora já sabia assinar o seu nome, não já?

Entrevistada: Já. Fui escrever-me ao Fundo de Desemprego. Foi a Assistente Social, quando eu meti os papéis [imperceptível] e depois escrevi a carta do Fundo de Desemprego de Amarante, para vir estudar.

(33)

Entrevistadora: Para vir para o curso...E gostou da ideia ou não?

Entrevistada: Gostei.

Entrevistadora: Como é que está a correr o curso?

Entrevistada: Está bem. Por acaso aprendi coisas que não sabia...

Entrevistadora: Por exemplo, arranje-me aí...Dê-me um exemplo de uma coisa que tenha aprendido e gostou!

Entrevistada: Ui tanta coisa. Contas e tudo...

Entrevistadora: A fazer as contas, a senhora já faz bem as suas contas?

Entrevistada: Nem todas, porque ainda estamos a aprender algumas...

Entrevistadora: Como é que a senhora gere o seu dinheiro mensalmente, neste momento? Pronto, eu já percebi que há dez anos atrás ele [imperceptível]...

Entrevistada: Mas eu agora, recebo, e faço logo as compras para todo o mês.

Entrevistadora: Ai faz logo?

Entrevistada: Faço logo. Assim se me faltar o dinheiro para comer, não falta aos miúdos.

Entrevistadora: Pelo menos não lhes falta a comida...

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Como é que faz? Costuma ir a um supermercado grande, ou vai à mercearia lá perto de casa?

Entrevistada: Não, nunca vou lá. Só vou lá quando preciso assim de alguma coisa de repente. De resto, é aqui, ou no Modelo, ou no Lidl. Faço sempre aqui,

(34)

Entrevistadora: O que é que costuma comprar no inicio do mês?

Entrevistada: É tudo. Carne, é tudo.

Entrevistadora: E leva e congela? Como é que faz?

Entrevistada: Tenho arca.

Entrevistadora: A senhora tem uma arca? É do seu pai?

Entrevistada: Não, é minha.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, como é que separou agora a casa com o seu pai? O seu pai come sempre consigo? Comem sempre todos juntos?

Entrevistada: Sim, comer, comemos todos juntos. Agora, o meu pai está dum lado e eu estou do outro.

Entrevistadora: Mas ele vem comer à sua cozinha?

Entrevistada: Vem, isso vem...

Entrevistadora: Como é que a senhora faz? Chega a casa, organiza o jantar e depois chama-os? Como é que faz?

Entrevistada: Chamo. Eu agora...

Entrevistadora: Só tem lá o seu pai consigo?

Entrevistada: E o A. Como agora ando aqui a estudar, às Segundas, Terças e Quintas só chego a casa por volta das sete e vinte, mais ou menos. E é o meu pai que faz o comer.

Entrevistadora: Ele também se arranja a fazer o comer?

Entrevistada: Faz. Faz tão bem como eu.

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Entrevistadora: Porque é que os seus pais se divorciaram? Se é que posso perguntar...

Entrevistada: Foi do álcool.

Entrevistadora: O seu pai bebia?

(Entrevistada consente, provavelmente com a cabeça).

Entrevistadora: A senhora já teve problemas com álcool?

Entrevistada: Ora bem, eu metia-me assim meia a beber, quando estava “coisa” com ele. Era dos nervos.

Entrevistadora: Com os nervos bebia... Isso antes de ser presa ou depois?

Entrevistada: Não, era antes.

Entrevistadora: Antes! Começou a beber! Diga-me uma coisa, os seus filhos bebiam também, escondidos? Ou que a senhora não desse fé?

Entrevistada: Não. Que eu saiba não. Nem agora, que eles agora não bebem.

Entrevistadora: Não, antes de ser presa? Lembra-se que eles alguma vez...?

Entrevistada: Não. Nunca beberam...

Entrevistadora: Mas a senhora então com os nervos bebia...

Entrevistada: Bebia, para me esquecer...

Entrevistadora: Pois, e onde é que arranjava o álcool?

Entrevistada: Eu sei lá, também agora não me lembro.

Entrevistadora: Mas ficava mais bem disposta quando bebia?

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Entrevistada: Era com os nervos. Assim esquecia-me de todos os problemas que passava.

Entrevistadora: E o que é que o álcool lhe fazia? Quando bebia a mais, o que é que depois fazia?

Entrevistada: Não fazia nada. Deitava-me, dava-me para ir para a cama, dormir.

Entrevistadora: Deitava-se a dormir e não fazia mais nada?!

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Isso foi durante muito tempo?

Entrevistada: Ainda foi para aí um ano. Depois até fiz exames e tudo.

Entrevistadora: Porquê? Conte-me lá...

Entrevistada: Porque eu depois comecei a sentir-me mal e vim ao médico e tudo.

Entrevistadora: E o médico disse que tinha a ver com isso?

Entrevistada: Depois andei a tomar uns comprimidos e...

Entrevistadora: Fez mesmo um tratamento?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Correu bem o tratamento? Nunca mais teve problemas com álcool?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Eu não me lembro muito bem dessa altura...

Entrevistada: Pois, já foi há muitos anos. Para aí há dez anos.

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Entrevistadora: Pois, há dez anos. Diga-me uma coisa, costuma ir ao dentista?

Entrevistada: Por acaso, há muito que já não vou.

Entrevistadora: Mas já foi alguma vez?

Entrevistada: Fui.

Entrevistadora: E quantas vezes foi ao dentista?

Entrevistada: Ai já fui muitas.

Entrevistadora: Já foi muitas? E os meninos?

Entrevistada: Os meninos, até tenho que lá ir levar o V, porque ele está “coisa” e tem um furado e está a começar a dizer que lhe dói!

Entrevistadora: E o C?

Entrevistada: O C já foi por duas vezes.

Entrevistadora: Já foi por duas vezes? Ao inicio, quando eles nasceram, a senhora trazia os meninos às consultas, de rotina?

Entrevistada: Trazia. Trazia.

Entrevistadora: O seu marido deixava?

Entrevistada: Ele, muitas vezes, não via. Tinha era de pedir o dinheiro para vir com eles...

Entrevistadora: E a quem pedia esse dinheiro?

Entrevistada: Era ao meu pai ou à minha mãe.

Entrevistadora: Estava então a dizer-me que era o seu pai que bebia ou era a sua mãe que bebia?

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Entrevistada: Era o meu pai.

Entrevistadora: Ele bebia? E o que é que acontecia quando ele bebia?

Entrevistada: Porque era assim, lá para as seis horas da manhã estava logo metido no café. E, depois chegava a casa...

Entrevistadora: Mas ia trabalhar?

Entrevistada: Não, também não trabalhava e, depois chegava a casa e “virava-se”

para a minha mãe, que ela era esta, era aquela...

Entrevistadora: Mas que ela andava com outras pessoas?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Ele acusava-a disso!? - Acho que vou virar isto, espere lá...-

Entrevistadora tosse e vira a cassete.

[Imperceptível]

Entrevistadora: Quem é que estava em casa na altura?

Entrevistada: Era a minha irmã, a Z, que também anda aqui a estudar e, o meu irmão mais novo que, é da idade do C.

Entrevistadora: É da idade do C! A sua mãe nessa altura, estava grávida ou já tinha tido o bebé, quando eles se zangaram mesmo a sério?

Entrevistada: Ai já o tinha, já o tinha.

Entrevistadora: Que idade tinha o seu irmão mais novo? Ou que idade tinha o seu C, quando eles se divorciaram?

Entrevistada: Ora bem, ela separou-se na “maré” que eu também saí de cima.

(39)

Entrevistadora: Ai foi nessa altura... Quando a senhora chegou a casa já eles não estavam juntos?

Entrevistada: Não. Agora não sei porque é que começou. Porque é que foi. Não sei...

Entrevistadora: Nunca falou com a sua mãe sobre isso?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: A senhora dá-se bem com a sua mãe?

Entrevistada: Dou.

Entrevistadora: A sua mãe, agora, mora com quem?

Entrevistada: Mora com a minha irmã e com o meu irmão.

(Toca um sino de uma igreja)

Entrevistada: ...Porque o autocarro é às quatro e meia.

Entrevistadora: Ai meu Deus, então deixe-me controlar aqui a hora... Por causa do autocarro. Ainda dá tempo!

Entrevistada: Senão só tenho às seis e meia.

Entrevistadora: Eu sei, eu sei. Pronto, mas não se preocupe que eu deixo-a antes ir embora. Onde é que nós estávamos?! Ah, estávamos a falar do divórcio dos seus pais. Eles separaram-se...Lembra-se de assistir a muitas situações de violência, em casa?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Quando era miúda?

Entrevistada: Não.

(40)

Entrevistadora: Eles davam-se bem?

Entrevistada: Eles davam-se bem!

Entrevistadora: Só começaram a...

Entrevistada: Agora para o fim...

Entrevistadora: Quando ele começou a beber mais! Em casa, a sua mãe era organizada?

Entrevistada: Era, e muito. Trabalhava bem e tem muitos problemas, tem os diabetes, tem tudo.

Entrevistadora: Tem problemas de saúde. Mas continuava a fazer as tarefas domésticas? Fazia o almoço para o seu irmão?

Entrevistada: Fazia, fazia.

Entrevistadora: Mesmo mais novo, ele tem quinze anos, não é?

Entrevistada: Tem dezasseis.

Entrevistadora: Pronto, e nunca teve, por exemplo, o seu irmão teve alguma vez processo de protecção de menores ou que envolvesse esses serviços?

Entrevistada: Que eu saiba não.

Entrevistadora: Não! Em relação aos seus filhos, eles frequentaram jardim-de- infância? Frequentaram sempre actividades extra?

Entrevistada: Foi.

Entrevistadora: Lembra-se das queixas mais frequentes? Do C já me disse que era o comportamento...

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Entrevistada: E de eles irem sujos para a escola...

Entrevistadora: E de eles irem sujos... A senhora depois conseguiu corrigir isso, quando saiu daquela casa, não foi?

Entrevistada: Foi. Depois mudou tudo, quando eu saí de lá.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, além da sua família, fala-me sempre que era o seu pai e a sua mãe que a ajudavam...

Entrevistada: E os vizinhos!

Entrevistadora: Os vizinhos também iam levando...o que é que lhe levavam?

Entrevistada: Às vezes levavam-me frango, outras vezes levavam-me arroz, massa...

Entrevistadora: Alimentos, levavam-lhe roupa?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Ainda continuam a ajudá-la? Tem amigos lá em Vila Boa de Quires?

Entrevistada: Ai tenho, graças a Deus, dou-me bem com todos.

Entrevistadora: E as pessoas gostam de si?

Entrevistada: Gostam.

Entrevistadora: Com quem é que se dá melhor lá perto de sua casa?

Entrevistada: Dou-me bem com os vizinhos todos. Lá perto de minha casa dou-me bem com eles todos.

Entrevistadora: E eles ajudam? Continuam a ajudar?

Entrevistada: Ajudam. [Imperceptível] da fonte também é muito boa mulher, não tenho

“coisa” nenhuma dela.

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Entrevistadora: Pelo contrário, não é?

Entrevistada: É.

Entrevistadora: E eles falam da sua coragem? Da sua vida? Ou as pessoas não falam sobre isso consigo?

Entrevistada: Não, sobre isso não.

Entrevistadora: Fazem de conta que não sabem. Mas acha que as pessoas sabem da sua vida?

Entrevistada: Ah pois sabem...

Entrevistadora: Acha que se soube na altura?

Entrevistada: Acho que sim, não sei.

Entrevistadora: O seu pai falou consigo, alguma vez, sobre isso? A sua mãe? Sobre os seus problemas? Não é habitual falarem sobre os problemas uns dos outros?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Diga-me uma coisa, se precisar de dinheiro emprestado, a quem é que recorre, por exemplo?

Entrevistada: Ao meu pai.

Entrevistadora: Ao seu pai! Normalmente é ao seu pai e ao seu irmão?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Com os seus irmãos, dá-se bem? Com os restantes irmãos?

Entrevistada: Dou. Com eles todos.

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Entrevistadora: Com todos eles! Diga-me uma coisa, se a sua filha voltar para casa, ela tem sítio para ficar? Como é que pensa organizar-se?

Entrevistada: Ai tem, tem a caminha dela.

Entrevistadora: Tem caminha?

Entrevistada: Tem, no meu quarto. Fica comigo!

Entrevistadora: Fica no seu quarto?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: A senhora está sozinha num quarto?

Entrevistada: Estou.

Entrevistadora: Ela tem brinquedos lá em casa?

Entrevistada: Tem, tem.

Entrevistadora: E os seus filhos, têm brinquedos?

Entrevistada: Eles não vão muito para brinquedos...

Entrevistadora: O que é que eles gostam de fazer?

Entrevistada: Brincar...Estão lá todos juntos, a jogar bola.

Entrevistadora: Se a senhora tivesse uma varinha de condão e pudesse fazer uma magia, para si, qual é o futuro perfeito?

Entrevistada: Era boa...

Entrevistadora: Como?

Entrevistada: [Imperceptível].

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Entrevistadora: Para si o que é um bom futuro?

Entrevistada: Pois...

Entrevistadora: Mas diga-me o que é! Arranje-me assim uns exemplos...

Entrevistada: Que eles fossem felizes, e tudo...

Entrevistadora: Que os seus filhos fossem felizes!?

Entrevistada: Mais felizes do que eu!

Entrevistadora: A senhora acha que não foi feliz, na sua vida?

Entrevistada: Eu não. Mas agora, graças a Deus, oxalá que seja sempre assim, como está agora.

Entrevistadora: O que é que queria mais do que tudo, na sua vida?

Entrevistada: Queria que os meus filhos fossem felizes. E, pronto, que tenham sorte na vida e tenham de tudo.

Entrevistadora: Quer que eles estejam perto...?

Entrevistada: De mim...

Entrevistadora: Perto de si, não é?

Entrevistada: Sim.

Entrevistadora: Há assim alguma coisa mais que se lembre, da sua vida, que hoje ainda não tenha conversado?

Entrevistada: Para agora não sei. Não me lembro.

Entrevistadora: Lembra-se de ter trabalhado com muitos técnicos? Assistentes

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sociais, psicólogos?

Entrevistada: Não, isso nunca estive.

Entrevistadora: Não? E dos rendimentos que recebia? Faziam-lhe muitas visitas lá a casa?

Entrevistada: Ah fazia a Dr.ª Mónica e a Dr.ª Carla.

Entrevistadora: Iam lá muitas vezes, a sua casa?

Entrevistada: Iam.

Entrevistadora: E o que é que elas lhe diziam?

Entrevistada: Agora não diziam nada. Desde que eu vim para lá...Agora não me diziam nada.

Entrevistadora: Para casa do seu pai? Desde que está a morar na casa do seu pai, não tem havido problemas.

Entrevistada: Sim. Não, nunca mais. Diziam era quando eu morava lá em cima.

Entrevistadora: E o que é que elas lhes diziam, quando morava lá em cima?

Entrevistada: Porque não tinha “coisa” nenhuma, não tinha casa de banho, não tinha nada.

Entrevistadora: Não tinha condições, não é? E o que é que elas lhes diziam?

Entrevistada: Que tinha de arranjar uma casa.

Entrevistadora: Por causa de quê?

Entrevistada: Das crianças.

Entrevistadora: Principalmente por causa das crianças, não é? Acha que neste

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momento, está bem apoiada?

Entrevistada: Estou.

Entrevistadora: Sente-se bem com a vida que tem? Sente-se mais estável, é isso?

Entrevistada: É.

Entrevistadora: Pronto, mais alguma coisa que se lembre?

Entrevistada: Para agora não me lembro...

Entrevistadora: Olhe D. D, eu queria agradecer-lhe, mesmo, mesmo muito por me ter permitido esta conversa consigo. Está bem? E por me ter permitido consultar todos os seus processos e as coisas todas que dizem respeito à sua vida. Considero-a uma mulher muito corajosa, deixe-me dizer-lhe isso...

Entrevistada: Não tinha nada que esconder...

Entrevistadora: Pronto, mas eu quero agradecer-lhe na mesma, está bem?

FIM

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ENTREVISTA - DRA. S S

SEGURANÇA SOCIAL, Serviço Local - EMAT

Entrevistadora: Ora bem Dr.ª S S - eu só queria começar por agradecer a disponibilidade dos serviços quer da Segurança Social, mas principalmente a título pessoal da Susana – e queria perguntar-te, e começar esta... se conheces a família, se te lembras da D. D, do C, do V, da Â, dos J R, pronto, deste agregado familiar se calhar começares por puxar o “fiinho” da meada, não é? Começas por um “fiinho”, tipo qual a primeira referência que tens, onde é que te lembras de ouvir falar deles? Como é que chegou... a primeira vez que viste as figuras, pronto, os elementos deste agregado familiar, que memória é que tens disso?

Entrevistada: Esta situação foi-nos sinalizada em 2002, altura em que os progenitores foram detidos, por consumo e tráfico de estupefacientes. E então no âmbito desse processo, o Tribunal sinaliza-nos a situação para averiguarmos em que condições é que ficam os menores, atendendo que os pais tinham sido detidos. De imediato fizeram...

Entrevistadora: Exactamente. Isso no fundo, ao mesmo tempo que estava a correr um Processo Crime, é-lhes instaurado um Processo de Comissão e Protecção, por existirem menores no agregado familiar.

Entrevistada: Entretanto, nessa altura, fizemos a visita domiciliária e, após a detenção dos pais, o C ficou com os avós paternos e o V ficou com os avós maternos.

Fizemos uma informação ao Tribunal...

Entrevistadora: Tu lembras-te que idade é que tinham os miúdos, nessa altura?

Entrevistada: O C tinha oito anos e o V tinha cinco anos.

Entrevistadora: Hum, hum.

Entrevistada: Entretanto, fizemos uma informação e foi aberto um Processo de Promoção e Protecção, porque os miúdos ficaram, com a detenção dos pais, ficaram entregues a duas famílias diferentes.

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Entrevistadora: E ainda por cima separados!

Entrevistada: Exactamente. Entretanto quando é aberto o Processo de Promoção e Protecção e mais tarde o Tribunal pede nova informação sobre os miúdos. E é aí que nós fazemos informação a dizer que a avó materna, por condições de problemas de saúde, deixou de se disponibilizar para acolher o V e, os avós paternos, de imediato, assumem essa responsabilidade.

Entrevistadora: Responsabilidade... Então o miúdo regressa, pronto, a casa dos avós paternos!?

Entrevistada: A casa dos avós paternos era subdividida em três quartos, uma sala, cozinha, tinha o wc no exterior e, tinha as condições de habitabilidade para acolher estes menores. Em termos de organização e higiene habitacional...

Entrevistadora: Era o que te ia perguntar...

Entrevistada: Pronto, não era aquilo de acordo com os nossos valores e [imperceptível] mas, era minimamente organizada! A parte do wc no exterior, pronto...

Entrevistadora: Dificultava de alguma forma...

Entrevistada: Um bocadinho, porque era evidente sempre a falta de higiene, nomeadamente, na parte do wc. Porque sempre que fazíamos visitas e pedíamos para ver as condições, a nível habitacional, a casa, a cozinha...

Entrevistadora: Em termos de cozinha, objectos de cozinha...

Entrevistada: Sim, sim, tudo minimamente organizado.

Entrevistadora: O mínimo, não é?

Entrevistada: A parte do wc é que era sempre mais complicada, embora nós disséssemos à avó...

Entrevistadora: Em termos de condições de habitação, elas eram razoáveis? Ou seja, paredes, telhado, aquelas coisas?

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Entrevistada: Sim, sim, tinha tudo.

Entrevistadora: Era uma habitação dita normal!?

Entrevistada: Exactamente, não rural!

Entrevistadora: Com a excepção… Pois, não rural! Não era daquelas casas de cozinha de lume?

Entrevistada: Não, não. Com essas condições todas. E pronto, nós pedíamos muitas vezes à avó, mas a avó alegava problemas de saúde, era muito trabalho, não tinha muito tempo... Mas, nós achávamos que os menores, apesar dessas fragilidades, estavam bem com os avós. Tanto é que permaneceram com eles, até os pais saírem em liberdade.

Entrevistadora: Pois, ficaram sempre com os avós! Pronto, estavas a falar do quarto de banho, o quarto de banho era exterior à habitação, era daqueles quartos de banho tipo completos?

Entrevistada: Não, completo, com sanita, tinha tudo. Só que em termos de higiene nunca estava como nós gostaríamos que estivesse, a maior parte das vezes. Não sei se era porque os miúdos iam lá e não descarregavam o autoclismo, e ela não tinha esse controlo até porque era na parte exterior e, na parte de trás da casa. Mas, foi uma coisa que nunca conseguimos trabalhar com esta avó.

Entrevistadora: Diz-me uma coisa, lá em casa estavam só os avós, avô e avó? Ou tinha mais gente?

Entrevistada: Tinha dois tios.

Entrevistadora: A morar?

Entrevistada: A morar.

Entrevistadora: Irmãos do pai dos miúdos?

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Entrevistada: Exactamente.

Entrevistadora: Tinhas alguma referência sobre esses tios? Não te lembras?

Entrevistada: O mais novo, o mais novo era muito responsável, tinha uma boa relação com os miúdos. Estudante, com boas notas e, vinha todos os dias para o Porto. E eu acho que quando...

Entrevistadora: Mas era estudante de faculdade já, na altura?

Entrevistada: Sim, sim.

Entrevistadora: Era tipo uma luz no meio do Inverno? (Risos).

Entrevistada: Exactamente. Era dos tios, pronto, modelo (risos). E era o mais novo desta fatia de irmãos.

Entrevistadora: E usavas este tio como referência?

Entrevistada: Sim, sim.

Entrevistadora: Mesmo a falar com os miúdos!?

Entrevistada: Também, também.

Entrevistadora: Pronto, isto em 2002?

Entrevistada: Estamos a falar em 2002.

Entrevistadora: Pronto, identificaste que realmente havia ali algumas fragilidades ao nível da higiene, mas com os avós até os miúdos...

Entrevistada: Sim, tinham uma boa relação com os avós. Os avós levavam sempre os miúdos a verem os... Sempre que visitavam os pais levavam os menores também a visitarem os pais. Eles gostavam de ir.

Entrevistadora: Eles pediam?

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Entrevistada: Pediam. E havia uma boa relação entre eles. Apesar de alguns comportamentos o C era muito agitado. O V era um miúdo mais pacato, mais calmo. O C não, o C foi sempre mais rebelde, entre aspas.

Entrevistadora: Hum, hum, apresentava sempre comportamentos...

Entrevistada: Deixa-me só dizer uma coisa.

Entrevistadora: Diz, diz.

Entrevistada: Em Abril de 2004, já o C, começava a ter alguns problemas a nível escolar.

Entrevistadora: Era o que te ia perguntar.

Entrevistada: E mesmo na escola, tinha essas dificuldades. E mesmo em casa, os avós já diziam: “ Eu não sei o que hei-de fazer, porque eu não consigo impor regras.

Eu bem lhe digo: C vai estudar, C está quieto, C não faças isso”. Era difícil para os avós controlar esses comportamentos por parte do C. Com o V já não, com o Vítor estava tudo bem, com o Carlos não.

Entrevistadora: E a nível escolar, tens conhecimento como é que eles eram? Pronto, já disseste que o C, tinha realmente, comportamentos desadequados ao nível do contexto da sala...

Entrevistada: Exactamente, a partir de Abril, de 2004. Começa a haver muitos...

Entrevistadora: Muitos registos...

Entrevistada: Muitos registos em relação ao comportamento. O V frequentou o jardim, também muito bem, depois vai para a escola e, todos eles, ambos, revelam muitas dificuldades na aprendizagem. Quer o V, quer o C.

Entrevistadora: Achas que essas dificuldades de aprendizagem tinham a ver com as capacidades cognitivas deles, dos mais novos?

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Entrevistada: Era por aí. E também por falta de retaguarda familiar. Estes avós...

Entrevistadora: Era o que eu ia dizer...

Entrevistada: Estes avós também não tinham grandes competências para... Tinham a responsabilidade de mandar fazer os deveres, de ver se eles tinham trabalhos de casa, mas daí...

Entrevistadora: Não conseguiam...

Entrevistada: Exactamente. Às vezes ela pedia apoio a este tio, mas este tio também, durante a semana, tinha a faculdade, não é?

Entrevistadora: Pois, só mesmo ao fim-de-semana.

Entrevistada: Por isso é que o C integra o Projecto “Ser Criança”, para colmatar, um bocadinho, estas dificuldades.

Entrevistadora: No âmbito da Cercimarco, é isso?

Entrevistada: Exactamente, promovido pela Cercimarco. Continuava a frequentar esse Projecto quando este processo foi arquivado!

Entrevistadora: Mas por indicação vossa!? Por encaminhamento vosso?

Entrevistada: É assim, ele foi aberto após a reclusa dos progenitores, em 2000...

Entrevistadora: Em 2002.

Entrevistada: Em 2002 e depois eles saem em 2004. Vêm aqui ao serviço para...

Entrevistadora: Pois, os pais saem da prisão? É isso?

Entrevistada: Saem da prisão, vêm para cá e aparecem aqui os dois, acompanhados pelos dois filhos, aqui no serviço, e aparecem cá com a avó. E então a avó dá a notícia, mais os pais, de que eles já tinham saído e os pais apresentavam um discurso muito coerente, de muita responsabilidade: “A partir de agora nós queremos assumir

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as nossas funções parentais, os meninos vão para nossa casa.”. Nós alertamos que a casa [imperceptível] mas tinha que estar minimamente organizada e o discurso era: “ Não, a partir de agora as coisas vão ser diferentes. Eu vou ter outro cuidado que não tinha até à data de ter sido detida”, dizia a mãe e, os avós também disseram: “ Não, aquilo não tem muitas condições mas a higiene eles podem continuar a fazer em nossa casa, e nós vamos continuar a ajudar”. Na altura eles não tinham qualquer tipo de rendimentos, encaminhamos o agregado familiar para tirar, para requerer o Rendimento Social de Inserção e, atendendo a que eles continuavam a ter a supervisão dos avós paternos.

Entrevistadora: A casa, tu sabes, se era próxima, se era longe?

Entrevistada: Era pertinho. Ficava pertíssimo da casa dos avós. Aliás, a luz era puxada dos avós e, a água também.

Entrevistadora: Eram os avós que davam. A casa tinha água?

Entrevistada: Não. Não tinha água, a luz era puxada, não tinha casa de banho. A água era só puxada, eu acho que era só no exterior. E, eu perguntei como é que ia ser a higiene dos miúdos e, a partir daí... E a avó disse: “ Ai, mas isso tudo até agora fizeram em nossa casa e, podem continuar a fazê-lo! E os pais também, nós estamos aqui todos dispostos a ajudar e, o que a gente quer é que tenham uma vida nova e que se reorganizem e, o que passou, passou”. Então, pronto, atendendo a isto, íamos ter a equipa técnica do RSI no terreno e, continuavam a usufruir apoio dos avós, o Tribunal acho que a situação, naquele momento, estava regularizada e que estava salvaguardada a situação dos menores e, o processo foi arquivado.

Entrevistadora: Hum, hum. Pronto, então tu podes dizer-me que, enquanto os avós foram acautelando os menores, não é? Entre 2002 e 2004, aquilo que me estavas a dizer era que as coisas não eram perfeitas mas iam...

Entrevistada: Mas estavam asseguradas na retaguarda...

Entrevistadora: Quando tu conheces mesmo a D. D, assim mais um bocadinho a sério, e o Sr. J R, e que realmente começas a perceber... Pronto, se a tua informação até 2004, não sendo favorável não era totalmente desfavorável, até porque havia ali laços afectivos...

Referências

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