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PROJECTO SER CRIANÇA - CERCIMARCO

Entrevistadora: - Pronto já está a gravar! Eu não sei se - a Dr.ª S R dos S está a ser entrevistada como técnica do ATL - há uns anos atrás, eu não sei se consegue orientar-me nos anos que conheceu esta família... mais ou menos em que ano foi?

Entrevistada: A família conheci em 2002, eu não era propriamente a técnica do ATL.

Eu sou Assistente Social da Cercimarco e, em 2002, a Cercimarco lançou um projecto chamado “ Novos Percursos, Novos Contextos” no âmbito do programa “ Ser Criança”, que incluiu a criação de um pólo de animação sócio - educativa e cultural, aliás, na altura foram dois mas o que diz respeito ao menor em causa, é o pólo de Vila Boa de Quires. Esse projecto era direccionado a crianças com problemas de aprendizagem e cujas famílias eram beneficiárias do Rendimento, na altura, Mínimo Garantido. Foi a partir desse projecto que eu conheci então...

Entrevistadora: Foi nessa altura... então nessa altura esta família recebia o Rendimento Mínimo?

Entrevistada: Na altura os menores que viviam com os avós paternos, uma vez que, na altura, os pais encontravam-se detidos por alegadamente tráfico de droga. Nós, nessa altura, então não conhecemos os pais, por esse motivo, e como os avós recebiam a prestação...

Entrevistadora: E acha que os avós recebiam esta prestação por terem mais estes dois menores a cargo? Ou já eram utentes da prestação?

Entrevistada: Não me lembro, mas creio que... ainda viviam lá em casa e, talvez, por esse mesmo motivo, a família tivesse direito a essa prestação, tendo em conta os rendimentos da família.

Entrevistadora: Pronto, então quem frequentava o pólo da Cercimarco, era o V. e o C.? Ou só o C.? O C. é o mais velho, não é?

Entrevistada: Hum, sim, sim, sim, o C. é o mais velho. Eu creio que inicialmente foi o C., que entrou primeiro e, depois o V..

Entrevistadora: E lembra-se dos dois miúdos? Que memória tem assim das primeiras vezes que contactou com eles?

Entrevistada: Eu lembro-me desses meninos porque, realmente, eram aqueles que mais apresentavam, segundo a animadora do pólo, dificuldades de aprendizagem. Por outro lado, não se relacionavam muito bem com os colegas porque, de certa forma, eles eram um pouco colocados à parte por eles, tendo em conta que a sua higiene pessoal não era das melhores e os outros utentes chegaram a queixar-se do odor dos menores. A família foi, muitas vezes, chamada à atenção em relação a esse problema, desde os avós até, mais tarde, aos progenitores mas essa situação nunca...

Entrevistadora: Mesmo com os avós... Então os meninos quando estavam a cargo dos avós paternos, também iam apresentando algumas dificuldades. Falou-me das dificuldades ao nível da aprendizagem mas mesmo ao nível da higiene, do vestuário...

consegue concretizar...?

Entrevistada: Sim, os meninos chegavam a ir com a roupa rasgada e verificando-se até que não levavam roupa interior. As mãos, a cara, o cabelo, apresentavam muita falta de higiene. Inclusive, a avó chegou a dizer-nos que apenas dava banho aos meninos ao fim-de-semana. Eles tinham uma casa de banho exterior e, talvez por isso... alegaram esse motivo para não tomarem banho com tanta facilidade, mas realmente não era motivo para isso.

Entrevistadora: E os avós? Também eram assim descuidados nos cuidados de higiene ou de apresentação ou, realmente, notava-se que com os miúdos era pior?

Entrevistada: Quando eu fui a casa dos avós...

Entrevistadora: Conheceu a habitação?

Entrevistada: Conheci, cheguei a ir lá uma vez e achei que realmente tinha alguma falta de higiene mas, o que mais me chamou a atenção foi a desarrumação. Verifiquei que o quarto dos meninos não tinha armário, a roupa era colocada a “monte”, uma em cima da outra. Encontrava-se lá em casa, nesse dia, uma sobrinha que estava sentada no sofá e, ao levantar as pernas, a roupa interior apresentava muita falta de higiene.

Entrevistadora: Pois.

Entrevistada: Estava bastante suja.

Entrevistadora: É uma das situações que se lembra. Isso em 2002?

Entrevistada: Em 2002/2003.

Entrevistadora: Foi nessa altura. Pronto, conheceu a casa, a casa dos avós, estamos só a falar da casa dos avós paternos?

Entrevistada: Dos avós paternos!

Entrevistadora: Eles tomavam conta de mais netos, era? Ou essa tal menina seria sobrinha?

Entrevistada: Eu creio que disse sobrinha mas, provavelmente, seria mais uma neta.

Entrevistadora: Pois, uma prima do C..

Entrevistada: Sim. Prima do C. e do V..

Entrevistadora: E a relação que os avós estabeleciam com estes netos, era de proximidade ou, pronto, foram eles que acautelaram os menores, no fundo, quando os pais foram detidos, não é?

Entrevistada: Hm, pareceu-me ser de proximidade.

Entrevistadora: Com ambos ou havia distinção entre eles?

Entrevistada: Hm, agora que me fala nisso, eu creio que havia distinção. Não sei em relação a qual já, mas eu acho que era o C., em relação ao C. havia uma benevolência maior.

Entrevistadora: Pois, tinham mais proximidade então com o mais velho...

Entrevistada: Exacto.

Entrevistadora: Pronto, estávamos a dizer então: roupa rasgada, eles apareciam com muita frequência, repetiam a roupa todos os dias?

Entrevistada: Não, não. A roupa apresentava-se muito suja, com frequência, inclusive, a animadora já desesperada com a situação até porque eles chegaram a apresentar piolhos e foi muito difícil ultrapassar essa situação porque os avós não cumpriam o tratamento de forma adequada...

Entrevistadora: Eram pessoas com muita idade?

Entrevistada: Já tinham alguma idade, já. E, inclusive a animadora chegou a riscar-lhes as mãos, para verificar se os avós lavavam as mãos, quando chegavam a casa e, no dia a seguir eles vinham da mesma forma.

Entrevistadora: Pronto. Além dessa parte de higiene, as dificuldades de aprendizagem, não consegue...

Entrevistada: Eles tinham muitas dificuldades de aprendizagem. Das vezes que eu visitei o ATL, eles encontravam-se, havia sempre um período... lembro-me, sobretudo, de estar com o C. e ele, sozinho, não conseguir resolver os problemas ou fazer as contas... Fazer os trabalhos de casa, ele tinha muitas dificuldades.

Entrevistadora: Pois, as coisas mais simples.

Entrevistada: Exacto. Exacto.

Entrevistadora: Pronto, além desses problemas, disse-me... de relacionamento com os colegas ou de relacionamento com as professoras, com as pessoas que lidavam com eles no ATL, no projecto...

Entrevistada: Eles não apresentavam muito bom comportamento, sobretudo o C., que é aquele que eu me lembro melhor.

Entrevistadora: Era o mais velho!

Entrevistada: Era o mais velho. Esteve mais tempo no nosso... Lá está, em relação àquele problema da higiene, os outros queixavam-se muito do odor deles e

afastavam-se mesmo e eles acabavam por ficar um bocado isolados. Mas, no recreio, acabavam por se dar todos bem.

Entrevistadora: Por se misturar...

Entrevistada: Sim, sim.

Entrevistadora: Não se lembra, em termos de saúde, de alguma situação, alguma característica de saúde que um deles, ou os dois, tivessem?

Entrevistada: Não.

Entrevistadora: Não tem memória?

Entrevistada: Não me recordo. A não ser o problema dos piolhos...

Entrevistadora: Pois, que com frequência acontecia ...?

Entrevistada: Exactamente.

Entrevistadora: Quer quando eles estavam a cargo dos avós, quer quando estavam a cargo dos pais?

Entrevistada: Lembro-me mais quando estavam em casa dos avós.

Entrevistadora: … Sobre se eles tinham a vacinação, consultas de rotina em dia ou não...

Entrevistada: Sei que eles não tinham consulta de rotina [imperceptível] deixamos de acompanhar o processo nesse sentido mas através [imperceptível].

Entrevistadora: Em relação... Disse-me que conheceu o espaço onde eles viviam nessa altura, no ano 2002/2003, com os avós. O espaço onde eles viviam tinha brinquedos, não tinha? Assim uma descrição: falou-me da roupa...

Entrevistada: Lembro-me sobretudo da roupa amontoada, mas, não me recordo de brinquedos.

Entrevistadora: Não havia a presença de brinquedos?

Entrevistada: Não. Não.

Entrevistadora: Não se lembra de ver a presença de livros... de criança, de alguma coisa que eles pudessem...?

Entrevistada: Livros rasgados, talvez.

Entrevistadora: (Risos) Pois. Pronto, além do ATL que frequentavam não se lembra se eles frequentavam outras actividades?

Entrevistada: Além da escola, creio que não frequentavam outras actividades.

Entrevistadora: Chegou a ter contacto com os meninos, em si? Ou seja, a doutora tinha contacto através das colegas, não é?

Entrevistada: Sempre que eu frequentava o ATL, que era com muita frequência, eu encontrava os meninos e falava com eles directamente.

Entrevistadora: A roupa, falou-me, a roupa rasgada, adequada à estação...

Entrevistada: Muitas vezes não era adequado à estação do ano.

Entrevistadora: Tem memória assim de uma situação que possa ter acontecido?

Desse género?

Entrevistada: Isso acontecia com muita frequência, o facto de vir com roupa fresca em tempo de frio...

Entrevistadora: Exacto.

Entrevistada: Isso acontecia com muita frequência.

Entrevistadora: Quando conheceu a mãe? Sabe precisar? A mãe e o pai? Não sei se conheceu ambos, se foi só um...?

Entrevistada: Conheci melhor a mãe. Porque, entretanto, quando os pais regressaram a casa, após estarem detidos, nós realmente fomos conhecer os pais, até porque o projecto incluía a organização de grupos de pais. E, sempre que fazíamos uma sessão, nós convocávamos os pais, e quem ia geralmente era a progenitora.

Houve uma vez que fui lá a casa e, o progenitor realmente encontrava-se em casa, mas estava deitado. Já era quase hora de almoço e ainda estava a dormir e não cheguei o conhecer.

Entrevistadora: Não se lembra da casa? Consegue fazer uma descrição da casa dos miúdos? Eles viviam em casa dos avós. Na casa dos avós, eles tinham um quarto para eles, embora sem condições, como me disse mas tinham um quarto para eles?

Entrevistada: Tinham.

Entrevistadora: E em casa dos pais? Consegue descrever-me... era uma habitação?

Entrevistada: A habitação era muito precária. Era uma habitação muito pequena.

Lembro-me que tinha um quarto e depois tinha outro espaço com duas camas onde dormiam os menores, e depois tinha uma cozinha. Não tinha casa de banho!

Entrevistadora: Não tinha sala?

Entrevistada: Não, não tinha sala. Não me recordo...

Entrevistadora: Consegue fazer-me uma descrição dos espaços que encontrou?

Olhando assim...

Entrevistada: Lembro-me que cheguei e, quando entrei tive de sair muito disfarçadamente porque a casa cheirava bastante a vomitado. Alegadamente o pai consumia álcool com alguma frequência, não sei se terá alguma coisa a ver… O cheiro incomodou-me bastante, disfarcei, vim um pouco cá fora e voltei a entrar e passei para a divisão seguinte. A primeira divisão, onde estava o pai, tinha apenas uma cama e pouco mais. A segunda divisão, lembro-me que tinha uma cama, onde dormia o Carlos e, se não estou em erro, tinha uma mais pequenina, era uma espécie de cama embutida, não sei bem explicar, onde dormia o outro menor. E, depois tinha uma cozinha muito precária. Via-se que não havia muita higiene, a mãe estava a

cozinhar em tachos muito pretos, muito sujos...

Entrevistadora: Tinha fogão?

Entrevistada: Hm, não me recordo se era um fogão (breve pausa) mas eu creio que era um fogão. Mas, os tachos e as panelas estavam bastante sujas.

Entrevistadora: Não sabe se tinha frigorifico? Televisão?

Entrevistada: Não me recordo. O pormenor que me ficou foi realmente a sujidade.

FIM

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