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Entrevista sobre Acervo do MISBH (na época CRAV) Entrevistado: Gilvan Rodrigues (antigo gestor)

Entrevistadora: Camila Cristina da Silva Data: 31/03/2016

Duração: 27m20s

C: Gilvan, eu queria saber um pouco sobre a sua gestão no MISBH, que era CRAV – Centro de Referência Audiovisual – na época em que você estava lá. Primeiramente, quais foram as dificuldades enfrentadas ao longo da sua gestão?

G: O meu período como Chefe de Departamento do antigo Centro de Referência Audiovisual, o

CRAV, foi de final de 2012 a março de 2015. Quando eu assumi o Centro de Referência Audiovisual, com relação ao acervo, tínhamos uma infraestrutura bastante interessante, desenvolvida naquilo em que conseguimos mapear como reserva técnica. Eu tenho a interpretação, o posicionamento, de que não basta só a reserva técnica, que é uma pequena parte dessa estrutura que, no caso, é uma edificação do início do século XX, era uma casa, como todos os problemas estruturais. Ela não foi pensada para ser uma reserva, mas sim um local que foi adaptado para ter uma reserva técnica. Eu começo a fazer essa análise a partir dessa “casca externa”, a edificação tinha inúmeros problemas, então nós precisávamos atacar inicialmente a estrutura dessa casa: muita infiltração, problemas no telhado, de encanamento. Então ela precisava ter uma renovação nessa parte. Isso aconteceu a partir de uma ação que tivemos junto à Diretoria de Patrimônio em que conseguimos uma verba para dar uma pintura nova na edificação e tratar de certos problemas como goteira, infiltrações e por aí vai.

A reserva técnica em si já estava bem estruturada, com ar condicionado 24 horas. É claro que isso também é uma demanda comum nas instituições de preservação, ter um ar condicionado

155 não é barato e, ao mesmo tempo, não basta compra-lo, instalá-lo, é necessário mantê-lo. Nesse sentido, continuamos numa preocupação com a manutenção, com permitir a manutenção mínima desse ar condicionado. Quando nos deparamos com o que o acervo tinha, precisávamos fazer um filtro, mas, antes de tudo, diagnosticar o que o acervo tinha. Havia uma dificuldade de encontrar documentações referentes a chegado dos acervos ao CRAV, não só da origem histórica, mas da parte legal de doação desse acervo. Então um acervo que tinha sua composição em grande parte da Rede Globo, mas como ela estaria descartando esse acervo, quando alguém do CRAV foi acionado para essa ação que era danosa ou patrimônio e, os responsáveis pelo CRAV no período anterior a 2006, conseguiram recolher esse acervo. Enfim, esse é uma parte pequena, o acervo é composto de vários acervos que foram reunidos de forma aleatória e aí nós precisávamos começar a pensar em uma política de acervos que teve como essência a motivação de construir uma justificativa do que guardar de acervos audiovisuais. Nós encontrávamos até coleções pessoais de VHS de produções hollywoodianas, por exemplo, de westerns, em que a pessoa não queria isso em casa, e foi recolhido para o CRAV. Nesse sentido, nós mapeamos esse acervo e começamos a trabalhar em uma Comissão de Permanente de Política de Acervo - CPPA, que estaria construindo as diretrizes e realizando as ações que pudesse suprir essas diretrizes. Além dessa estrutura de conservação que é a edificação e a reserva técnica em si e sua manutenção, também começamos a trabalhar na recomposição e manutenção dos equipamentos que fazem a leitura dos filmes, as moviolas. Existia um caso de uma moviola que foi parar em São Paulo para consertar e tivemos que recuperá-la porque, após 10 anos, não haviam pagado o conserto, mas conseguimos trazer a moviola. Quando eu cheguei ao CRAV, existiam duas moviolas, apenas uma funcionando e uma terceira que estava em São Paulo. Trouxemos a de São Paulo para cá, mas não tive tempo de fazer o conserto porque não achamos um técnico que conhecesse aquela moviola em particular, mas conseguimos recuperar o funcionamento e a manutenção das outras duas. Salientando que são equipamentos antigos, com a mão-de-obra muito especializada e que não temos isso no mercado. Esses foram os primeiros avanços e dificuldades que conseguimos encontrar no acervo. Começamos a fazer um levantamento, uma contagem do acervo, de cada uma das peças e criar esses relatórios com a quantidade de acervo e o que tinha no acervo. Eu ressalto uma situação particular daquele órgão, porque em 2009, a Prefeitura de Belo Horizonte terminou uma parceria, um contrato, que existia com a FUNDEP, e todos os funcionários daquela casa, a não ser o diretor, na época, eram contratados pela empresa. De 2008 para 2009, o

156 contrato acabou e todo mundo foi mandado embora. A instituição ficou sem ninguém sendo que antes possuía 28 funcionários e depois passou a ter um. A recomposição disso foi sendo feita a partir de um concurso público e, até o final de minha gerência, praticamente todos eram concursados, um ou dois, no máximo, eram terceirizados, mas conseguimos recompor a equipe com pessoas bastante qualificadas no conhecimento sobre aquele tipo de acervo, pessoas que eram da área de Preservação, que fizeram mestrado e doutorado na área de Preservação Fílmica; que tinham formação da área de Artes Visuais, de História; que tinham conhecimento sobre a elaboração de projetos, começamos assim a dinamizar projetos que pudessem dar sustentação na área de guarda de acervos. Requalificamos o sistema de segurança para criar uma segurança maior daquele acervo; procuramos instituições que pudessem patrocinar a conservação de acervos. Então fomos nos qualificando mais tanto do ponto de vista da infraestrutura quanto da capacidade técnica dos próprios profissionais da casa. No momento, conseguimos absorver um museólogo, então a linguagem da Museologia veio à tona ali e conseguimos trabalhar com questões que estão envolvidas no próprio tratamento de acervos históricos, museológicos com a base em filmes.

C: Havia diálogo com outros órgãos como o Arquivo Nacional e o Arquivo Público Mineiro?

G: O Arquivo Público Mineiro sempre foi um grande parceiro, nós conseguíamos construir ali,

com certeza, laços que valorizavam e potencializavam ações que estavam voltadas para a preservação audiovisual. A nossa participação em eventos como a CINEOP era conjunta, falando sobre a preservação e as ações para esse gerenciamento era realizada. No Arquivo Nacional, tínhamos contatos, mas precisávamos ter uma dinâmica maior com eles, mas acredito que estávamos dentro de uma linha de diretrizes de política nacional de preservação. E até certo ponto, éramos referência nessa política no estado de Minas Gerais.

C: Como funcionava a eliminação de documentos? Vocês pensaram nisso junto com essa política de acervo?

G: Primeiramente, fizemos uma reflexão sobre as pessoas que essa Comissão deveria ter.

Inicialmente optamos pela própria equipe, que pudesse se debruçar um pouco sobre o acervo. Refletimos também sobre a participação da sociedade civil, que é claro que achamos importante, mas é muito difícil conseguirmos trazer pessoas da sociedade civil sem uma remuneração, que estivessem a fim de conversar sobre a preservação, entre outros aspectos. Criamos inúmeros

157 instrumentos para garantir a memória dessa política de acervo, eu acho que a Comissão de Política de Acervo tem que ter um histórico: nós criávamos e publicávamos atas e as pautas, a Comissão era oficializada, tudo era muito bem documentado; até pensamos em criar um documento com as próprias diretrizes.

A questão do descarte é sempre difícil para a instituição porque às vezes pensar em descartar um acervo é doloroso. Vão falar “poxa, estão descartando”. A ideia era a seguinte: “será que esse acervo cabe aqui? Senão, em que lugar ele estaria mais bem aproveitado e mais bem acolhido?”, sem um simples descarte por aí ou para o próprio lixo. A ideia era buscar ações dessa natureza. Até o final da minha gestão, não tivemos uma ação de disponibilizar um acervo, mas havia, dentro da própria Comissão, uma reflexão sobre algumas coleções existentes na instituição de conseguir motivar a ação de descarte, ou seja, criar um processo administrativo adequado, com a justificativa que vai explicar o porquê, um relatório de conservação, um relatório da parte técnica e histórica, que pudessem embasar isso.

C: Então eu posso falar que, quando você iniciou a sua gestão, essa documentação existente ali, esse filmes, não refletiam em sua totalidade as atividades da instituição?

G: Não refletiam o conceito que queríamos ter sobre a guarda de acervos que a cidade de Belo

Horizonte produz ou que a cidade é objeto desse acervo. Acho que é necessário relatar que nós fizemos um recorte geográfico: o Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte. É claro que tem outras ideias que vêm, mas a ideia é trabalhar com o conceito e o recorte geográfico e que vai envolver, logicamente, um recorte cronológico, a partir da própria existência dessa cidade, no momento em que ela é construída. Então, pensando nessa ação, é que fomos construindo, tentando valorizar o que era produzido aqui em temos anteriores e atuais e tirar aquilo que não tem a ver com a cidade. Mas também havia reflexões mais amplas, o exemplo que eu dou é se esse tipo de acervo ou coleção que trazia à tona produções hollywoodianas da década de 1970, 1980, não foi produzido aqui, mas eram o que as pessoas assistiam aqui, se fizermos uma análise tentando abordar essa questão social também, ou seja, a população absorvia aquilo e isso era motivador do próprio uso dela. Então é por isso que os descartes têm que ser feitos com muito cuidado.

C: Na época, foram feitos projetos que envolviam o tratamento, a preservação e a disseminação do acervo para captar verba, por exemplo, através das leis de incentivo?

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G: Sim, foi feito. Nós conseguimos captar via Caixa Econômica Federal para a questão da

guarda, tem outro órgão que eu não me lembro, que nós conseguimos a aprovação dele e que está voltado para a conservação de acervos, em que nós recebemos um recurso em euros. Conseguimos aprovar um projeto via Lei Rouanet, da própria criação do Museu da Imagem e do Som, que pudesse vir à tona para a própria circulação do acervo. Nós fazíamos ações que pudessem divulgar o acervo: criamos o canal CRAV no Youtube e conseguíamos colocar o acervo ali. É uma forma de mostrar esse acervo que tem uma natureza de audiovisual. Promovemos algumas exposições e ações em conjunto com o próprio IEPHA, no Dia do Patrimônio. Circulávamos centros culturais e escolas para que pudéssemos mostrar os acervos tanto os mais contemporâneos quanto os mais antigos. Então criávamos sim algumas ações para essa divulgação. É necessário isso e é uma forma também de formar público que pode no futuro, ver aquele ponto como local de pesquisa, em que possa tirar alguma informação de alguma produção. Eu lembro que fizemos algumas ações também na época do carnaval, em que usamos de acervos históricos para a construção disso. E os projetos são necessários, as instituições de preservação, geralmente associadas aos órgãos públicos, têm uma grande dificuldade de conseguir recursos e têm que se encaminhar para projetos de leis de incentivo e bater na porta de todos os empresários e por aí vai para conseguir captar verba. Eu também acho que precisamos encontrar outras maneiras de aumentar essas verbas voltadas para essas instituições e, ao mesmo tempo, ter o reconhecimento e a conscientização dos gestores públicos na aplicação de verbas nessas instituições. O grande problema é que essas instituições não conseguem ter um impacto de divulgação tão grande, então os gestores tendem a criar ou patrocinar ações da política pública cultural que tenham mais visibilidade do que a própria preservação: shows, festivais, mostras... É essa a lógica que eu apoio.

C: Qual era o público interessado pelo acervo na época da sua gestão?

G: Geralmente nesse tipo de instituição, são pessoas voltadas para a formação na área de

Cinema, de Artes Visuais, de Museologia, da História. Pouquíssimas vezes tivemos ações com escolas, mas estávamos criando uma tendência de ter, cada vez mais, uma ação educativa. Então muitas vezes estávamos tentando nos estruturar para ter um programa em que levaríamos técnicos com acervos, com slides, e que tivesse uma dinâmica apropriada para explorar isso na escola e depois talvez conseguíssemos trazer a escola para dentro. Mas a infraestrutura daquela edificação da Av. Álvares Cabral tem umas dificuldades para ter essa ação. Tínhamos visitas

159 escolares sim, criávamos exposições e buscávamos visitação de escolas, mas existia uma limitação física dela que impedia até um momento de lanche dos meninos. Não havia um lugar adequado para isso, ficava muito exposto ao som ou chovia. Também tínhamos o desejo de criar um projeto de anexo, na parte de trás da edificação que pudesse suprir essa demanda.

C: Havia interesse por parte dos órgãos superiores em manter esse acervo? Havia um apoio institucional e governamental?

G: Sim, principalmente por parte do Presidente da Fundação Municipal de Cultura, o Leônidas

Oliveira, que tem toda uma formação para preservação do patrimônio. Ele tinha uma grande atenção, não é à toa que conseguimos fazer a requalificação daquele espaço e o ampliamos porque, a partir desse momento, começamos a trabalhar com a absorção do Cine Santa Tereza, que estava sendo restaurado para também ser uma área expositiva, de mostra de cinema, com capacidade para 146 pessoas e que vai ser inaugurado em abril. Isso é uma coisa importante e eu comprei essa briga com o Leônidas, para que pudéssemos ter essa ampliação do Centro de Referência Audiovisual, virando um Museu da Imagem e do Som, com o entendimento que nós tínhamos e temos de que isso sim é benéfico para a preservação do audiovisual, que é benéfico dentro de uma política maior de Estado, a partir do momento em que temos um IBRAM e a valorização por editais que valorizarão os museus e tudo mais. E o conceito de centro de referência era muito delicado até na sua sustentabilidade junto a futuros gestores que não tivessem uma ligação tão alinhada com o patrimônio.

C: Aproveitando isso, eu gostaria de saber como surgiu a ideia de criar um espaço de difusão do acervo do MISBH com o Cine Santa Tereza.

G: A história do Cine Santa Tereza já estava na esfera da Prefeitura de Belo Horizonte há um

tempo: o que fazer com aquele espaço, ele já tinha sido desapropriado e estava ali com um projeto quando eu cheguei ao Centro de Referência Audiovisual. Era um projeto que viraria muito mais um centro cultural. E nessa nova conceituação da própria Fundação Municipal de Cultura como um todo, enxergamos que aquele local, devido a sua natureza histórica, ter sido um cinema e poder continuar com um trabalho de cinema, mas não só isso, ampliando para outras ações, seria mais valorizado nessa instituição que seria o Museu da Imagem e do Som, que promoveria também inúmeras ações com a absorção desse local: viabiliza exposições e ações educativas muito melhor do que aquela casa que, basicamente, supre a necessidade da preservação, mas não da difusão.

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C: Os principais recursos financeiros você já falou que eram projetos para captação de verba em outras instituições e a verba do governo, há mais algum?

G: Basicamente era isso, recursos diretos do Tesouro, conseguimos também ter um aumento

desses recursos, e os projetos de leis que corríamos atrás.

C: Você acredita que a elaboração e a aprovação de um Plano Nacional de Preservação do Audiovisual facilitaria o repasse de verbas por parte do governo?

G: É importante ter um plano que vai costurar as diretrizes, mas nada vai adiantar se não tiver

uma legislação que vai exigir o repasse financeiro com o cumprimento da lei. Então se não tiver esse complemento, que essa legalidade tenha essa determinação, não vamos conseguir aumentar esses recursos e o plano, embora seja bonito, não vai conseguir ser executado. Infelizmente, a questão da realização vai passar sim pela questão orçamentária, nós sabemos disso, e se não conseguirmos alinhar uma coisa com a outra, não vamos conseguir superar isso.

C: Gilvan, você tem alguma a acrescentar com relação à sua gestão, à preservação do audiovisual?

G: Eu acho que a equipe do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte, hoje um pouco

mais remodelada, conseguiu superar um período difícil para aquela instituição. Ressalto que é uma equipe que tem um grande amor pelo o que fazem, o que faz com que as coisas andem, mesmo com todas as discussões, mas há uma paixão pelo que fazem. Isso é importante no dia-a- dia e acredito que esse local ainda tem muito que crescer, ele vai crescer, e por isso temos que valorizar essas pessoas que estão nesse dia-a-dia, nesse combate de enfrentar o não reconhecimento da preservação como um item importante.